*Edição nº 459 da Revista da Previdência Complementar – uma publicação da Abrapp, ICSS, Sindapp, UniAbrapp e Conecta
Entrevista com Fábio Giambiagi, por Débora Diniz
Referência obrigatória quando o assunto é responsabilidade fiscal, teto de gastos ou previdência social, o economista Fábio Giambiagi acompanha de perto, há quase quatro décadas, os desafios estruturais das contas públicas no Brasil. Pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Ibre), com passagem pelo BNDES e por organismos internacionais, tem 44 livros publicados, seja como autor ou organizador. Nesta entrevista exclusiva à Revista da Previdência Complementar, Giambiagi aborda os impasses e contradições do atual arcabouço fiscal, analisa a sustentabilidade do sistema previdenciário diante da transição demográfica e defende reformas que exigem coragem política e visão de longo prazo. Com a habitual franqueza e precisão técnica, ele aponta riscos, alternativas e prioridades que devem nortear o debate público nos próximos anos. Um chamado à razão em tempos de incerteza.
A atual regra fiscal consegue resistir até o fim do mandato presidencial?
Fábio Giambiagi – Sim, mas existe uma consciência crescente de que o arcabouço atual dificilmente se sustentará depois de 2027. Mesmo que o atual Presidente seja reeleito, será necessário repensar o modelo. Minha preocupação é que a sucessão de mudanças tem desmoralizado o próprio conceito de regra. Uma regra, por definição, é feita para ser seguida. Não precisa durar para sempre, mas também não pode mudar o tempo todo. Isso compromete a credibilidade do País. Se você tem uma regra que é alterada a cada dois anos, ela deixa de cumprir sua função disciplinadora.
O senhor costuma comparar a evolução da política monetária com o atraso na área fiscal. Como vê esse contraste?
Fábio Giambiagi – Acho fundamental. Na política monetária, o Brasil construiu instituições respeitadas. Temos meta de inflação, autonomia do Banco Central, transparência. O contraste com a área fiscal é gritante. Em mais de 40 anos de carreira, acompanhei diversas tentativas de ajustar as contas públicas. Nenhuma foi suficientemente duradoura. Precisamos, como fizemos na política monetária, criar um regime fiscal simples, compreensível e estável. A regra atual tem méritos, mas é inconsistente com regras específicas, como a vinculação do salário mínimo, e permite brechas, como as despesas “extrateto”. Isso precisa mudar.
O senhor se refere, por exemplo, ao fato de novas despesas serem criadas fora do cálculo do teto?
Fábio Giambiagi – Exatamente. Criou-se o hábito de colocar novas despesas fora do alcance da regra fiscal. Isso é como fazer dieta e dizer que o que você come depois das oito da noite não conta. A regra deixa de ser séria. Se quisermos um arcabouço que funcione, precisamos acabar com essas exceções. Uma opção seria criar um “superteto” que abrangesse todas as despesas, inclusive as hoje excluídas. E esse teto não poderia crescer mais do que, por exemplo, 1,5% ao ano acima da inflação.
Que ajustes o senhor propõe para aprimorar o atual modelo?
Fábio Giambiagi – Eu manteria a ideia de limitar o crescimento das despesas a um percentual da receita, como os 70% do arcabouço atual. Mas reduziria os limites: em vez de teto máximo de 2,5% de crescimento real, proporia 2%; e o mínimo, que hoje é de 0,6%, poderia ser zerado. Outra alternativa seria adotar um modelo como IPCA + 1,5%. O importante é garantir que o gasto cresça menos do que a receita, para que a relação dívida/PIB pare de subir. E isso tem que ser associado à eliminação do extrateto e à revisão de regras como a do salário mínimo.
Essa é uma questão sensível. Por que o senhor insiste tanto na mudança da regra de reajuste do mínimo?
Fábio Giambiagi – Porque ela é central para o equilíbrio fiscal. A nova regra, adotada em 2023, gerou um aumento permanente nas despesas da ordem de R$ 50 bilhões por ano. E esse valor é cumulativo. Em dez anos, já teremos comprometido metade do ganho gerado pela reforma da Previdência de 2019. A regra atual é socialmente bem-intencionada, mas fiscalmente insustentável. Se não for revista, poderemos enfrentar uma crise séria já no próximo governo.
(Continua…)
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