*Edição n. 446 da Revista da Previdência Complementar – uma publicação da Abrapp, ICSS, Sindapp e UniAbrapp.
Entrevista com José Maurício Pimentel, por Martha Corazza
O início do ciclo de redução da taxa Selic ocorrerá a partir de setembro, sem impacto inflacionário, e sinalizará que o Brasil tem tudo para chegar ao final deste ano e início de 2024 apresentando um diferencial importante: o espaço para sair do aperto monetário enquanto outros países estão em plena alta dos juros. Além disso, a economia brasileira conta com aspectos de caráter geopolítico e diplomático importantes, como o fato de ter uma política internacional de condução mais tranquila. A projeção é do Economista-Chefe da BB Asset, José Maurício Pimentel. Nesta entrevista exclusiva, ele destaca ainda que os EUA tendem a começar o ano em posição desfavorável em termos de crescimento, enquanto China e Europa terão indicadores mais positivos. Confira:
Quais são hoje os principais fatores capazes de influenciar as decisões de investimento em função dos cenários macroeconômico e político brasileiros?
José Pimentel – A economia brasileira vem desacelerando, conforme o desejo do Banco Central para controlar a inflação, então a nossa projeção é de crescimento em torno de 1,2% a 1,3% para o PIB este ano, mas será um crescimento não inflacionário graças à grande ajuda do setor agrícola e da safra esperada. É importante lembrar que a inflação é genuinamente cadente no momento e o que se vê mais é muita inflação de preços administrados. A nossa estimativa é que terminaremos o ano de 2023 com inflação de 5,7% a 5,8% e, em 2024, de 3,6%, com viés de baixa. O PIB, por sua vez, deverá crescer entre 2% e 2,5% no próximo ano.
O mercado discute a possibilidade (ou não) de queda da taxa Selic. Isso acontecerá nos próximos meses?
José Pimentel – O Banco Central deverá começar a cortar o juro este ano, o que ficou claro, no nosso entendimento, pelo seu uso das expressões “com serenidade e paciência”, que aparecem nos recentes comunicados emitidos. Nós acompanhamos de perto essa linguagem e temos um arquivo com 254 comunicados. A necessidade de que a política monetária seja conduzida com “serenidade” aparece dez vezes e sempre para sinalizar o início de um ciclo de queda, assim como a palavra “perseverança” tem sinalizado o fim de ciclos de alta dos juros. “Paciência” é o termo utilizado recentemente em lugar de “perseverança”, então avaliamos que os códigos que estão sendo utilizados apontam para isso.
Com a inflação muito próxima da meta, acreditamos que a Selic começará a ser reduzida na reunião do Copom de setembro, em magnitude de 50 pontos-base, o que será repetido nas duas reuniões seguintes, totalizando 150 pontos-base de baixa. Para 2023, a nossa projeção é de queda de mais 200 pontos-base. É claro que não se pode descartar o início desse processo de redução já no próximo mês de agosto, mas o uso do código “serenidade”, assim como uma certa resistência das expectativas, nos fizeram empurrar a estimativa para setembro.
Quanto aos investidores, precisamos tomar cuidado com a visão curtoprazista porque estamos num momento de juro alto, e isso não é necessariamente ruim para os investimentos. Mas é preciso refazer os modelos de risco/ retorno utilizados porque as taxas de retorno são mais baixas, e compreender que o momento do juro zero (ou quase zero) passou, o que significa ter que estudar melhor as estratégias de risco. Há oportunidades relevantes de retorno nos mercados de crédito e de commodities, assim como de moedas, por exemplo, mas é fundamental rever as funções de risco/retorno.
De que modo a discussão fiscal poderá influenciar esse quadro?
José Pimentel – A questão fiscal é importante porque afeta a taxa de juro real de equilíbrio na economia. O projeto de arcabouço fiscal apresentado pelo Governo atende grande parte das demandas e trouxe algumas garantias fundamentais, como a de acabar com a possibilidade de ações para-fiscais, o que foi um grande avanço. Ainda há algumas incertezas, porque não se sabe como ficará o texto final aprovado pelo Congresso, mas houve um avanço que precisa ser contabilizado.
O sr. mencionou a contribuição agrícola para conter a inflação. Isso já pode ser mensurado?
José Pimentel – A safra 2023/2024, ao que tudo indica, será grande e ajudará a atividade econômica. Já está inclusive ajudando nos preços porque todos os indicadores da série dos IPA (Índice de Preços ao Produtor Amplo) estão recuando e isso traz bastante conforto para o ano que vem.
Em que contexto virá uma fase de crescimento da atividade econômica em 2024?
José Pimentel – No momento em que há incertezas quanto à inflação, à política monetária e ao arcabouço fiscal, será preciso garantir maior confiança na atividade econômica porque o ambiente será ainda de retomada tímida. Uma timidez que, por sinal, será global, porque o mundo ainda vai demorar a aprender a conviver com juros e inflação mais elevados. O Brasil, nesse contexto, sai bem na fotografia globalmente, seja pelo seu papel de exportador de commodities, seja porque vamos começar a fechar os juros enquanto os demais países abrem suas taxas, devendo demorar a baixá-las. Além disso, o Brasil conta com a vantagem de ter uma política global não tão alinhada, com uma condução mais tranquila. Aliás, o País é considerado não-alinhado desde a década de 1960, assim como tem o benefício da diplomacia brasileira, sempre muito bem vista no mundo.
O que esperar do panorama internacional?
José Pimentel – O ambiente global hoje é muito diferente dos últimos quase 20 anos. O período de 2008 para cá foi marcado por taxas de inflação e de juros bastante baixas. Isso acabou, e a gente vive num mundo com mais inflação, o que não irá mudar tão cedo. Foram três choques inflacionários: um primeiro, mais rápido, decorrente da pandemia; um choque de oferta, em que as cadeias globais foram interrompidas; e um choque do lado da demanda, porque os governos centrais na grande maioria dos países fizeram pacotes fiscais extremamente expansivos e isso provocou um aumento forte da demanda e redução da oferta, levando a mais inflação. Essa inflação já acabou ou está no final.
Vivemos hoje uma segunda “pernada” da inflação global, a de serviços, que decorre basicamente do ganho real do salário e vem desde a virada de 2022, com o mercado de trabalho mundial bastante apertado. Foram 250 mil postos de trabalho criados na economia americana nos primeiros meses deste ano, por exemplo, e os salários continuam crescendo. Não é de se estranhar que todos os bancos centrais tenham subido os juros. O FED (Federal Reserve Bank) fez o maior aperto dos últimos 40 anos; o BCE (Banco Central Europeu) saiu de um juro negativo de -0,7% para uma taxa positiva de +3,25%, o Banco Central da Inglaterra saiu de zero para 4%. Essa realidade chegou para ficar, não é uma coisa que seja suplantada rapidamente.
(Continua…)
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