*Edição nº 458 da Revista da Previdência Complementar – uma publicação da Abrapp, ICSS, Sindapp e UniAbrapp
Por Debora Diniz e Flávia Silva
Previdência Complementar assume papel estratégico na oferta de micropensões – Uma das soluções mais promissoras para enfrentar os desafios da proteção social no Brasil está sendo gestada no âmbito da Previdência Complementar. Trata-se da criação de um modelo de micropensões voltado especialmente aos trabalhadores de aplicativos e informais — grupo que representa mais de 2 milhões de pessoas no País e que permanece, em sua maioria, sem cobertura previdenciária.
Inspirada em modelos internacionais, a proposta é liderada pela Abrapp e reúne entidades do setor, representantes do governo federal e plataformas digitais como o iFood, em uma articulação multilateral que poderá marcar uma nova era da previdência no Brasil. “Estimamos que existam mais de 2 milhões de pessoas atuando como motoristas ou entregadores vinculados a plataformas. É um contingente significativo que hoje está, em grande parte, à margem de qualquer regime de proteção previdenciária”, ressalta Devanir Silva, Diretor-Presidente da Abrapp.
A ideia das micropensões surgiu após uma apresentação sobre o modelo adotado na Índia durante o G20, considerado uma experiência bem-sucedida de inclusão previdenciária para populações informais e de baixa renda, como ressalta Silva. Os desafios do país asiático são semelhantes aos do Brasil: uma grande população economicamente ativa fora do emprego formal, com baixa cobertura previdenciária e grande desigualdade de acesso a instrumentos de proteção social.
Para lidar com essa realidade, o governo indiano lançou, em 2015, o Atal Pension Yojana (APY), um plano de pensão voltado a trabalhadores informais, autônomos e de baixa renda. Desde sua criação, o APY já ultrapassou 50 milhões de inscritos, ampliando significativamente a cobertura previdenciária. O sucesso se deve a fatores como simplicidade, acessibilidade, integração com a conta bancária e incentivo inicial do governo.
A Índia também adotou modelos de cashback previdenciário, nos quais empresas da chamada gig economy (como Zomato e Swiggy, similares ao iFood) fazem microcontribuições em nome dos trabalhadores com base na produtividade. Essas contribuições são direcionadas a fundos de previdência ou seguros, criando uma rede de proteção social parcial, mas contínua.
A proposta brasileira também tem como eixo um sistema de cashback previdenciário: a cada corrida ou entrega, a plataforma digital realizaria um aporte adicional para um plano de Contribuição Definida em nome do trabalhador. “É como uma remuneração diferida, que não sai diretamente como renda disponível, mas se transforma em reserva para o futuro”, explica Devanir Silva.
Estrutura já existente – O modelo seria implementado por meio de entidades fechadas, utilizando o mecanismo do plano instituído corporativo. Além da formação de poupança para a aposentadoria, os planos devem incluir benefícios de risco, como seguros de vida e invalidez. Tudo isso sem depender de alterações legislativas. “O diferencial desse modelo é que ele é totalmente possível com a estrutura que temos hoje. Não depende de mudanças legais e pode começar a operar com os recursos e entidades já existentes no sistema”, ressalta o Diretor-Presidente da Abrapp.
A Associação tem conversado com o iFood, que conta com cerca de 360 mil entregadores regulares, para o desenvolvimento de uma prova de conceito. A expectativa é que o modelo, uma vez validado, possa ser replicado em outras empresas do setor, com articulação de associações como a Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), que reúne plataformas como Uber, Zé Delivery e outras.
O projeto de micropensões brasileiro vem sendo debatido no Grupo de Trabalho Ad-hoc de Micro Pensões, com participação de especialistas e dirigentes. Relator do grupo e membro do Conselho Deliberativo da Abrapp, Sylvio Eugênio de Araújo Medeiros corrobora que o modelo em discussão não afetaria a renda dos trabalhadores. “Esse cashback não seria descontado da remuneração, mas acrescido a ela, com percentual definido por livre negociação entre as partes”, afirma.
Segundo Medeiros, trata-se de um modelo que responde à urgência da transformação social pela qual passa o mundo do trabalho. “Estamos diante de uma mudança profunda na relação entre capital e trabalho. A estrutura formal de emprego já não dá conta de acomodar as novas formas de inserção produtiva”, pondera.
Nesse contexto, as micropensões representam mais do que um produto financeiro: são uma inovação institucional com potencial para preencher uma lacuna crescente no sistema de seguridade. “Temos hoje cerca de 60 milhões de pessoas contribuindo com a previdência para sustentar um universo cada vez maior de beneficiários. Somados os 40 milhões de informais com os 40 milhões fora da força de trabalho, temos um sistema sob pressão que, sem novas soluções, não se sustenta”, alerta Medeiros.
Além da questão demográfica, ele destaca uma mudança cultural em curso: “Há uma nova geração que não vê no modelo da CLT uma via de realização profissional. Muitos preferem a flexibilidade e a autonomia proporcionadas pelo trabalho via plataforma. É nesse novo arranjo que a Previdência Complementar precisa entrar”.
(Continua…)
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