Nova edição da Revista: Suíça inicia reforma previdenciária mirando nos planos capitalizados do segundo pilar*

*Edição n. 445 da Revista da Previdência Complementar – uma publicação da Abrapp, ICSS, Sindapp e UniAbrapp.

 

Por Flávia Silva

Após ajustes no sistema estatal e realização de referendo, legisladores agora miram os planos capitalizados do segundo pilar, que deverão pagar benefícios mais baixos – Sistemas previdenciários mundo afora vêm sendo abalados por três fatores em especial: o envelhecimento das populações, maior expectativa de vida e retornos mais baixos nos investimentos. Por isso, há tempos o governo suíço buscava, sem sucesso, implementar mudanças paramétricas no primeiro e segundo pilares que, por lá, podem necessitar de aprovação da população, via referendo. Em setembro último, porém, a resistência a mudanças, que já persistia por cerca de 25 anos, foi vencida e após a reestruturação das propostas, a Suíça aprovou alterações nas idades mínimas de aposentadoria de homens e mulheres, bem como o aumento provisório do VAT (tributo sobre bens e serviços), direcionando, assim, recursos extras para o sistema estatal de repartição simples. Atualmente, as discussões concentram-se em torno do segundo pilar de um país em que a previdência privada responde por nada mais nada menos que 170% do PIB.

A partir da Constituição de 1972, o sistema previdenciário da Suíça passou a ser estruturado em três pilares. O primeiro pilar, conhecido como AVS/AHV, funciona em regime de repartição simples e é financiado por impostos cobrados sobre a folha de salários (empregados e empregadores). As pensões por idade, morte e invalidez pagas mensalmente aos beneficiários destinam-se a garantir um padrão de vida mínimo, sendo calculadas de acordo com os níveis e tempo de contribuição, além da massa salarial média nacional.

Em outubro de 2022, o Conselho Federal da Suíça anunciou um aumento de 2,5% nos benefícios estatais, que a partir de 1º de janeiro de 2023 passaram de CHF 1.1951 para CHF 1.225 por mês (valor mínimo), enquanto o máximo subiu de CHF 2.390 para CHF 2.450. Tais reajustes são feitos a cada dois anos a menos que a inflação anual exceda 4%. O custo do “upgrade” é estimado em CHF 1,4 bilhão, montante a ser arcado sobretudo por patrões e empregados – CHF 1,2 bilhão, através do fundo mantido por impostos destinado à previdência. O restante CHF 0,2 bilhão ficará a cargo do governo federal.

O segundo pilar é composto por planos de pensão capitalizados, de filiação compulsória e baseados no vínculo empregatício, que também oferecem pensões por idade, morte e invalidez. A proposta é manter o padrão de vida que o participante tinha na ativa. Os pilares 1 e 2 são fortemente interligados, garantindo, juntos, ao menos 60% do último salário do trabalhador.

Todos os indivíduos cobertos pelo sistema estatal com renda superior a CHF 22.050 anuais devem se filiar a um plano ocupacional, com exceção dos profissionais autônomos, contratos temporários inferiores a três meses, familiares assalariados de produtores rurais e pessoas com deficiência. Os empregadores que tenham funcionários elegíveis devem criar ou se filiar a uma entidade gestora de planos de benefícios.

Fundos de pensão e companhias seguradoras operam, em sua maioria, planos de Contribuição Definida que possuem garantias mínimas de retorno e taxa de conversão fixa para as anuidades. Trata-se de planos mistos ou híbridos conhecidos internacionalmente como Cash Balace Plans. O segundo pilar tem como alicerce o princípio do financiamento coletivo, ou seja, o aporte patronal deve ser pelo menos igual à soma das contribuições pagas por todos os funcionários.

De acordo com a Lei BVG, que rege os fundos de pensão, o acúmulo de direitos tem início em primeiro de janeiro do ano posterior ao 24º aniversário do participante/ segurado. Um dos principais componentes do sistema são os créditos previdenciários (contribuições de empregados e empregadores), calculados como uma porcentagem do salário de referência, os quais são gradualmente elevados com a idade (7% entre 25 e 34 anos até 18% para indivíduos com 55 a 65 anos). Na prática, porém, diversos fundos de pensão utilizam porcentagens mais altas do que as estipuladas na lei.

Sobre os ativos que financiarão os benefícios incidem taxas de juros mínimas fixadas em 2,0% (2009-2010), 1,5% (2012-2013), 1,75% (2014-2015), 1,25% (2016) e 1% (desde 2017). O valor da renda vitalícia irá depender, portanto, dos montantes disponíveis na conta na data da aposentadoria (incluindo direitos eventualmente portados ao plano), contribuições, e os ganhos sobre esse saldo conforme a taxa de juros mínima. Também entra no cálculo a chamada “taxa de conversão”, atualmente de 6,8%, que é aplicada sobre os ativos para definir a anuidade. Contribuições e os retornos sobre os investimentos não são tributados, apenas os benefícios.

O terceiro pilar é composto por soluções financeiras individuais, classificadas como Pilar 3A e Pilar 3B. O Pilar 3A, representado pelos “Planos de Pensão Privados Restritos”, é destinado a indivíduos que desempenham atividades remuneradas e oferece tratamento tributário diferenciado. Porém, os ativos só podem ser acessados antes da data oficial de aposentadoria caso o segurado torne-se comprovadamente inválido, planeje empreender, comprar um imóvel residencial ou mudar para o exterior permanentemente.

Já o Pilar 3B abrange os “Planos de Pensão Livres ou Irrestritos”, aos quais qualquer pessoa pode se filiar, porém pagando mais imposto. Administrado por bancos e seguradoras, o terceiro pilar registra um elevado nível de ativos.

Tentativas frustradas – Há vários anos, o governo Suíço vinha tentando instituir mudanças paramétricas no sistema previdenciário a fim de torná-lo mais resiliente face à explosão do número de aposentadorias – e vida mais longas – da geração de baby boomers. Diante desses e de outros problemas, como as baixas taxas de juros e fertilidade, o legislativo elaborou dois projetos de reforma que traziam, entre diversas propostas, o aumento da idade de aposentadoria das mulheres de 64 para 65 anos, igualando-a à dos homens. O primeiro PL foi rejeitado pela população em 2004.

Em 2017, o segundo Projeto de Lei, denominado Previdência 2020, também foi malsucedido junto à opinião pública. De maneira ampla, para facilitar sua aprovação, a legislação foi dividida em duas partes: a primeira abrangia o aumento de 0,3% sobre os impostos para financiar o primeiro pilar (diferença paga exclusivamente pelo empregador), bem como o ajuste do VAT (Value-Added Tax) – ou Imposto sobre Valor Agregado (IVA), correspondente ao ICMS brasileiro. O referido imposto passaria de 8,0% para 8,3% em 2018 e 8,6% em 2021.

A segunda parte tratava da equiparação das idades de aposentadoria de homens e mulheres e da redução dos percentuais de cálculo das anuidades (taxa de conversão) do segundo pilar de 6,8% para 6,0%. Cada uma das partes precisava ser aprovada por referendo, e se uma passasse e a outra não, ambas seriam descartadas, o que acabou acontecendo.

Primeiro passo – Em 2021, o parlamento suíço fez ajustes finos e voltou a apreciar pontos da proposta, aprovando-os. Todavia, por se tratar de alteração constitucional, foram coletadas assinaturas suficientes (em torno de 151 mil) para submeter a questão ao escrutínio da população via referendo. E foi assim que em 24 de setembro de 2022, por uma margem mínima de 50,57%, a idade mínima das mulheres foi igualada à dos homens em 65 anos.

Com margem um pouco maior, mas ainda bastante apertada, 55,01% dos suíços também endossaram o aumento do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que a partir de janeiro de 2024 passa a funcionar da seguinte forma: a alíquota normal sobe de 7,7% para 8,1%, a reduzida de 2,5% para 2,6%, e a de hotelaria de 3,7% para 3,8%. A alteração só permanecerá em vigor até 2030.

(Continua…)

 

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