Os fatores ESG (Ambiental, Social e Governança) e as mudanças climáticas estão diretamente ligados ao dever fiduciário, na análise de riscos e de investimentos, conforme destacado no painel de encerramento do 5º Seminário Dever Fiduciário, realizado na quarta-feira, 31 de julho, em formato online.
A moderadora Raquel Castelpoggi, Coordenadora do Comitê de Sustentabilidade da Abrapp, destacou que o tema está em voga tanto no Brasil quanto no mundo. “Estamos trabalhando nesse tema já há algum tempo. Fizemos o último relatório de sustentabilidade do setor em 2021 e observamos a falta de preocupação com as mudanças climáticas nas análises de investimento. Naquela época, as entidades de previdência complementar não consideravam as mudanças climáticas como uma preocupação imediata, embora fosse um tema de relevância global”, avaliou.
Segundo ela, desde então foram realizados diversos eventos sobre o tema. “Como vimos durante a pandemia de Covid-19 e, mais recentemente, na tragédia no Rio Grande do Sul, as mudanças climáticas impactam pessoas, comércio, cidades, estados, países e investidores”, disse. Raquel também anunciou que, nos próximos meses, haverá uma pesquisa com as EFPC para elaboração do próximo relatório de sustentabilidade.
“Vocês receberão os indicadores e pesquisas de materialidade, então se preparem, setores das fundações, comunicação, compliance, RH e tantos outros. É muito importante que as fundações respondam a este material para que, no próximo ano, provavelmente em janeiro, possamos publicar um novo relatório do setor com uma ampla gama de informações. Assim, as fundações poderão se comparar e poderemos ter um retrato do nosso setor em comparação com o mundo, permitindo melhorias e aprimoramentos”, completou.
Mudanças climáticas
O palestrante Francisco Fernandes, da PFM Consultoria e Sistemas, abordou as mudanças climáticas como parte dos riscos externos às entidades, ressaltando a necessidade de adotar padrões e controles para melhorar a gestão de riscos. Ele apresentou um resumo de um estudo comparativo que evidencia a evolução no tratamento desses riscos e dos controles relacionados às temáticas ambiental, social e de governança (ASG).
Fernandes destacou que, em 2022, apenas três entidades de uma amostra de 55 tinham declarado e especificado os riscos socioambientais em sua gestão de risco. Ele explicou que a PFM adota um dicionário de riscos para avaliações e controle de riscos. Em 2024, esse número subiu para cinco entidades, o que ainda representa menos de 10% da amostra, demonstrando que essa prática é relativamente nova.
O palestrante chamou a atenção para o déficit de controle, que compara os controles existentes com uma base de boas práticas, e que é fundamental para a determinação de ações de melhoria. “O maior déficit de controle foi encontrado nos controles relacionados a práticas, o que mostra que há espaço significativo para melhorias”, disse.
Embora esse déficit não seja alarmante, é importante, pois mostra onde há maior oportunidade para aprimoramento. “A experiência tem mostrado que o déficit de controle tende a diminuir à medida que as entidades amadurecem na gestão de riscos”, pontuou.
Fernandes concluiu a apresentação abordando três desafios principais. O primeiro é entender o caminho da gestão de riscos ambientais, com a definição do apetite a esses riscos e o que é aceitável. O segundo é avaliar as implicações das ações em relação aos patrocinadores, executivos, colaboradores, participantes dos planos de previdência, gestores de recursos e provedores de serviços. O terceiro está relacionado à promoção de comportamentos desejados dentro das entidades para institucionalizar a gestão dos riscos climáticos. Ele concluiu destacando a importância de normas e práticas que penetrem no dia a dia das pessoas, com objetivo de melhorar continuamente a gestão de riscos e controles.
Normas de reporte de informações
O palestrante Denys Roman, CEO da blendON – ESG Services, realizou uma apresentação sobre a obrigatoriedade do reporte de mudanças climáticas para todas as empresas de capital aberto, incluindo emissores de dívida. Isso abrange mais de 700 companhias. Roman abordou as novas normas para o reporte de informações nos relatórios de sustentabilidade pelo IFRS (International Financial Reporting Standards), por meio do ISSB (International Sustainability Standards Board).
“Em 2023, foram publicados os dois primeiros cadernos do IFRS S1 e S2, focando na materialidade financeira e nos impactos financeiros dos temas de sustentabilidade. As empresas terão que divulgar informações detalhadas sobre governança, estratégia, gestão de riscos, metas e métricas para cada tema. Isso representará um padrão de divulgação muito mais elevado do que o atual, exigindo maior integração entre áreas de sustentabilidade e contabilidade. O Conselho Federal de Contabilidade também está incentivando os contadores a assumirem a responsabilidade pelos relatórios de sustentabilidade”, afirmou.
O novo padrão será obrigatório para todas as companhias de capital aberto, relativo ao período de exercício de 2026, com o primeiro relatório sendo publicado em maio de 2027. Roman destacou que o Brasil foi a primeira jurisdição global a adotar esses padrões, estabelecendo um padrão elevado de auditoria e confiabilidade dos dados.
Roman mencionou que o Banco Central está estudando a adoção da norma IFRS S1 e S2, e que a Superintendência de Seguros (Susep) já exigiu que as seguradoras publiquem relatórios de sustentabilidade, embora ainda não no padrão IFRS.
Ele concluiu afirmando que essas mudanças devem melhorar a disponibilidade e a confiabilidade das informações sobre mudanças climáticas, permitindo uma melhor análise por parte dos investidores. As empresas terão prazos e um volume maior de informações a serem divulgadas, com maior confiabilidade e organização dos dados. Ele destacou que esse novo cenário impactará a maior parte dos setores da economia real, ao gerar oportunidades e desafios significativos.
Panorama do clima
No encerramento do painel, Tasso Azevedo, Coordenador Geral da MapBiomas e Social Environment Entrepreneur, trouxe uma visão crítica sobre a urgência das mudanças climáticas e a necessidade de transformar a economia global para enfrentar esse desafio.
Azevedo destacou a importância de compreender que as mudanças climáticas estão ocorrendo em uma camada muito fina da Terra e os gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO₂), desempenham um papel fundamental no balanço energético do planeta. “Essa camada fina é responsável por fazer com que a Terra seja única em relação a outras estrelas que conhecemos no universo. Toda a energia que recebemos do sol é bem medida e, sob condições normais, a quantidade de energia que entra e sai do planeta deveria ser equilibrada, mantendo um balanço energético estável”, explicou.
No entanto, o aumento dos gases de efeito estufa, especialmente o CO₂, está alterando esse balanço, desde a Revolução Industrial. “Esse acúmulo de gases está retendo mais energia na Terra, resultando no aumento das temperaturas superficiais e desencadeando uma série de efeitos físicos, como o derretimento das geleiras, expansão dos oceanos e aumento do calor na superfície da Terra”, disse.
O especialista deu uma aula sobre como esses impactos têm repercussões diretas sobre as pessoas, afetando a agricultura, o abastecimento de água e causando eventos extremos, como enchentes e secas. Azevedo destacou que, segundo relatórios do IPCC, não há regiões do planeta onde os extremos de calor ou precipitação estejam diminuindo; pelo contrário, todos os locais analisados estão experienciando aumentos nesses extremos.
“A temperatura média global de 2023 foi a mais alta já registrada, e 2024 está se destacando ainda mais, com um recorde de temperatura média em julho. Esse aquecimento global está gerando uma fase crítica na qual o planeta, em vez de atenuar os impactos, pode amplificá-los, exacerbando as mudanças climáticas”, pontuou.
O Acordo de Paris de 2015 estabeleceu uma meta global para limitar o aumento da temperatura a no máximo 2 graus Celsius, com um objetivo ideal de 1,5 graus. No entanto, as emissões globais de CO₂ estão muito acima do nível necessário para atingir essas metas. Azevedo explicou que, para enfrentar as mudanças climáticas, será necessário parar de queimar combustíveis fósseis, aumentar radicalmente a eficiência energética e dos materiais, eletrificar todos os setores possíveis, acabar com o desmatamento e ampliar o reflorestamento. Outras medidas passam por massificar a agricultura sustentável e regenerativa, precificar o carbono, investir em tecnologias de captura e armazenamento de carbono e desenvolver tecnologias disruptivas para setores como cimento e siderurgia.
“No Brasil, enfrentamos riscos significativos, como o impacto das mudanças climáticas na agricultura e nas usinas hidrelétricas, além de ameaças para o turismo e o setor de seguros. No entanto, o país também possui grandes oportunidades, como o desenvolvimento de energias renováveis, agricultura de baixo carbono e produção de proteína vegetal”, concluiu.
O 5º Seminário Dever Fiduciário foi uma realização da Abrapp, com o apoio institucional da UniAbrapp, Sindapp, ICSS e Conecta, e contou com o patrocínio da PFM Consultoria e Sistemas, Apoena Soluções em Seguros, e IAP – Itajubá Administração Previdenciária.