“Vamos abrir uma área de fomento na Previc para iniciativas de desenvolvimento da Previdência Complementar”

Ricardo Pena, Diretor Superintendente da Previc desde o dia 17 de fevereiro, iniciou a segunda gestão à frente da autarquia com uma agenda de desenvolvimento definida para a Previdência Complementar no Brasil.

Uma das propostas é abrir uma área de fomento para canalizar as iniciativas de desenvolvimento da Previdência Complementar no País.

Pena ocupou o mesmo cargo em 2010 e foi Diretor-Presidente da Funpresp de 2012 a 2022. Se na primeira passagem pela Previc a meta de Pena foi, em suas próprias palavras, “colocar a autarquia de pé”, após aprovação da Lei no 12.154, agora a agenda está estruturada, com base no Relatório de Transição de 2022, com os seguintes objetivos:

  1. Resgatar os direitos e a proteção dos interesses dos participantes e assistidos
  2. Descriminalizar os fundos de pensão e incentivar o ato regular de gestão
  3. Fomentar o crescimento da previdência complementar no Brasil
  4. Implantar efetivamente a supervisão baseada nos riscos
  5. Rever a financeirização dos planos de benefícios, em especial para os servidores públicos
  6. Aprovar o novo regime sancionador
  7. Reincorporar o segmento de imóveis, aperfeiçoar os investimentos em FIP e abrir um segmento de aplicação em economia de baixo carbono
  8. Fortalecer a atuação da PREVIC no desenvolvimento da previdência complementar

Na entrevista a seguir, Ricardo Pena faz uma análise do CNPC, das medidas que garantem a solvência do sistema, e detalha principais pontos da agenda que seguirá nessa gestão.

Abrapp em Foco: O CNPC, do qual foi criador, é um marco importante na regulação das entidades fechadas. Que aperfeiçoamentos são necessários no atual contexto?

Ricardo Pena – O CNPC é um Colegiado quadripartite fundamental para o desenvolvimento da previdência complementar. É um assunto que deve ser consultado à Secretária de Previdência Complementar e Regimes Próprios, responsável por conduzir a agenda de trabalho do órgão regulador da previdência complementar.

O diagnóstico do GT da Transição, do qual pude participar no final de 2022, apontou um excesso regulatório nos últimos quatro anos que talvez pudesse ser revisto, inclusive com uma adaptação ao novo cenário democrático de alguns temas cruciais para o segmento, como a retirada unilateral de patrocínio, o indexador do plano, a marcação a mercado, a regra de solvência dos planos e a suspensão temporária das contribuições extraordinárias.

A orientação inicial é que se forme um diálogo quadripartite entre os participantes, patrocinadores, EFPC e governo para fazer um fazer um diagnóstico do marco regulatório e de supervisão da previdência complementar, aperfeiçoamentos das LC’s 108 e 109, de 2001, o decreto 4.942, de 2001, e as diretrizes de investimentos. A partir disso, propor medidas de simplificação, desoneração e fomento da previdência complementar no País.

Abrapp em Foco – No cenário atual, quais reformas considera relevantes para o aprimoramento do arcabouço regulatório da solvência financeira e atuarial dos planos previdenciários operados pelas EFPC?

Ricardo Pena – Acredito que o setor tem desempenhado importante papel social e econômico no País, a partir do processo de capitalização das reservas previdenciárias e do pagamento de aposentadorias e pensões nos últimos 45 anos.

O setor já demonstrou sua força, resiliência e importância para a economia do País, formamos poupança estável e de longo prazo, sabemos realizar investimentos e pagar benefícios, ou seja, temos vocação previdenciária, o que já é um grande diferencial para um País que está passando por uma rápida transição demográfica.

As reformas que poderemos propor ao debate do segmento dizem respeito ao aperfeiçoamento dessas regras de solvência que levem em conta a distinção dos aspectos conjunturais e estruturais no desenho do plano previdenciário.

Além disso, temos assistido no período pós-pandêmico a implantação de alguns programas “debt relief” para empresas (REFIS), Entes Federativos (RRF e EC 113/2021) e os estudos do programa “Desenrola” para pessoas físicas relacionados a um waiver do fardo financeiro sobre as finanças dos agentes econômicos, e que talvez pudéssemos estudar, preservando uma linha de solvência e liquidez dos planos e a discricionariedade dos órgãos estatutários da EFPC, com a suspensão temporária da contribuição extraordinária até que se desenhe uma regra mais robusta dos parâmetros atuariais, demográficos, econômicos e de solvência dos planos de benefícios.

No âmbito da fiscalização, o objetivo é alinhar um novo regime sancionador, a partir da revisão do atual Decreto nº 4.942, de 2003, com um efetivo programa de supervisão baseada em riscos, além de fortalecer o ato regular, previsto na Resolução CGPC nº 13, de 2004, caracterizado como as práticas de gestão dentro das atribuições dos dirigentes sem a presença de culpa ou dolo e em conformidade com a legislação regente ou do Estatuto da EFPC.

No âmbito normativo, vamos estudar uma consolidação das Instruções, Resoluções e Portarias da Previc num único compêndio que consolide e possa também desonerar, reduzir e simplificar as regras do setor da previdência complementar fechada.

Abrapp em Foco – Que mudanças considera viáveis em termos de Reforma Tributária, para ampliar o acesso ao sistema?

Ricardo Pena – No contexto macroeconômico a prioridade para esse ano é a Reforma Tributária, inicialmente para a reforma do imposto incidente sobre o consumo, com a substituição de cinco impostos (ICMS, IPI, PIS, COFINS e ISS) pelo IVA-Imposto sobre Valor Agregado (ou IBS-Imposto sobre bens e serviços, pela PEC 45/2019), que simplifique o sistema tributário nacional.

E posteriormente para a reforma do imposto sobre a renda, em que talvez possa se colocar um novo incentivo para o crescimento do setor de previdência privada, a partir de uma nova alíquota de 5% para recursos com prazo de acumulação superior a quinze anos no regime regressivo de tributação previsto no art. 1º da Lei 11.053, de 2004, atrelado a investimentos num novo segmento de aplicação a ser inserido na Resolução CMN 4994, vinculado à transição para uma economia de baixo carbono para os setores de energia elétrica (eólica, solar), saneamento, infraestrutura, transportes, agricultura e tecnologias.

Abrapp em Foco Um dos pleitos do setor, em prol do crescimento do sistema, é a harmonização entre entidades fechadas e abertas. Qual a perspectiva da sua gestão?

Ricardo Pena – Talvez essa harmonização possa se referir somente aos aspectos de tributação dos planos de benefícios, porque nos outros aspectos devemos na verdade é diferenciar as Entidades e destacar as qualidades do sistema fechado (boa governança, baixo custo e pagamento de aposentadorias e pensões). O antigo PL do IMK que previa o voucher previdenciário, deveria ser abandonado e rediscutido em bases mais sustentáveis e de crescimento dos planos previdenciários administrados pela EFPC.

Abrapp em FocoComo será o projeto de financeirização dos planos de benefícios dos fundos dos servidores públicos?

Ricardo Pena – Na verdade a ideia é rever a financeirização atual dos planos de benefícios oferecidos para servidores públicos, muito concentrada em EFPC ligadas a bancos e seguradoras, com baixas taxas de contribuição. Existem planos com taxa de 0,50% de contribuição que não aproximam a taxa de reposição da aposentadoria em relação ao salário, podendo gerar frustação nos participantes e assistidos.

Além disso, há resgates contínuos durante o período de acumulação, sem oferta de benefícios não-programados (invalidez, morte e sobrevivência) ou somente por contratação apartada de PAR/parcela adicional de risco junto a seguradoras, com gestão de investimentos muito concentradas em títulos públicos federais de curto prazo (operações compromissadas e LFT).

O objetivo é desenvolver e estimular as EFPC para ofertar planos com soluções completas de proteção previdenciária para os servidores públicos e suas famílias. Nossa intenção é abrir uma área de fomento dentro da Previc para canalizar todas as iniciativas de melhorias no ambiente da previdência complementar.

Abrapp em FocoConsidera importante a flexibilização de regras de funcionamento do PGA para permitir o fomento dos planos? Por que?

Ricardo Pena – Depois de nove anos como dirigente de uma EFPC que começou do zero e chegou a mais de 100 mil participantes e mais de R$ 5 bilhões em patrimônio financeiro, acredito que o nome do jogo para a previdência complementar é escala para oferecer melhores serviços (perfis de investimentos, empréstimos consignados, cashback, atendimentos) aos participantes e assistidos.

Para que isso aconteça, as EFPC sem finalidade lucrativa precisam dessa flexibilização, observando a governança própria e controle pela Fundação, que permitam captar novos planos e novos participantes, como aconteceu recentemente nos processos seletivos de escolha dos gestores dos planos de benefícios para os servidores públicos dos Entes Federativos (Estados e Municípios), preconizado pela EC nº 103, de 2019.

Abrapp em FocoComo a Previc pode continuar auxiliando as EFPCs na operacionalização dos CNPJs por Plano, evitando a incidência de encargos e impostos indevidos?

Ricardo Pena – O principal debate aqui é sobre a afetação do patrimônio dos planos de benefícios de maneira a preservar a reserva matemática do plano ou a conta individual de aposentadoria do participante e assistido.

Depois de algumas decisões judiciais desfavoráveis às EFPC, talvez o CNPB não tenha conseguido cumprir esse objetivo. A inscrição individual de cada plano no CNPJ (pela Nota SUFIS/RFB nº 8, de 10/10/2022; ainda pendente a Solução de Consulta pela SUTRI/RFB) não caracteriza a personalidade jurídica própria, não havendo assim reflexos nas obrigações acessórias, podendo alcançar essa segregação dos ativos financeiros.

Entretanto essa é uma agenda que deve ser cautelosa, pois o risco para os planos de benefícios das EFPC pode ser a cobrança de impostos pelos Fiscos estaduais e municipais, o que deve ser evitado.

Vamos avaliar o estágio atual e confirmar o entendimento e objetivo da implantação do CNPJ por Plano junto às autoridades tributárias dos Entes de modo a garantir a segurança nas operações dos planos previdenciários do sistema de previdência complementar.

Abrapp em FocoUma das propostas é aperfeiçoar o investimento em FIP. Eles são importantes para as EFPC?

Ricardo Pena – Os investimentos em FIP realizados pelos fundos de pensão foram, de maneira indevida, criminalizados depois da operação Greenfield. Os dirigentes estão receosos de aportar recursos nesse segmento Estruturado e muitas oportunidades de investimentos foram perdidas. Muitas PI/Políticas de Investimentos das EFPC hoje em dia já proíbem aplicações nesses Fundos de Investimentos com medo de autuações do órgão de fiscalização.

Contudo, trata-se de um veículo de investimento fundamental para o portfólio das Fundações, desde que bem avaliado, controlado e monitorado, considerando o horizonte de longo prazo das obrigações financeiras e atuariais dos planos de benefícios, além dos desafios de inversões e crescimento econômico no Brasil, com vistas à geração de emprego e renda.

A supervisão da Previc também vai ter que se preparar para melhor conhecer e aprofundar as alocações dessa modalidade na carteira de investimentos. Existe uma curva J para esses investimentos em private equity e venture capital que deve ser considerada, pelo qual os retornos são possíveis após um ciclo de investimento, em que os ativos investidos necessitam receber recursos para ganhar tração e, com isso, apresentar a performance potencial ao investidor no futuro.

O trabalho de todas as lideranças do setor, inclusive da Abrapp, têm de estar alinhado em reescrever essas diretrizes de investimentos, oferecendo mais clareza e segurança jurídica para a assumpção de riscos pelos dirigentes das EFPC.

Abrapp em FocoOutra meta de sua gestão é reincorporar o segmento de imóveis. Pode dar mais detalhes sobre esse projeto?

Ricardo Pena – Para o segmento de imóveis, as diretrizes de investimentos do CMN têm sido restritivas desde 2018 e ainda colocaram as EFPC num “corner” de doze anos para desmobilização, limitando a aquisição inclusive para sede própria da EFPC, e empurrando ainda as Fundações para os FII com pagamento de impostos sobre transmissão no caso de venda dos imóveis.

Hoje em dia, observamos fundos de pensão canadenses (CPPIB, CDPQ e OTPP) investindo no Brasil, com participação acionária em shopping, comprando terrenos para edificações, aluguéis de lajes corporativas e as fundações brasileiras com essa restrição de alocação no portfólio.

Devemos lembrar que no início as Fundações eram obrigadas, com limites mínimos, a investir no segmento de imóveis até mesmo para desenvolver a construção civil. Depois de 1994, passou a ter limites máximos prudenciais com reduções graduais a partir de 2003, chegando ao percentual de 8%. Essa limitação precisa ser revista no âmbito do CMN, até porque a formulação, aprovação e controle da PI/Política de Investimentos é de responsabilidade dos órgãos estatutários da EFPC, em função das características do plano de benefícios.

Abrapp em FocoComo será o segmento de aplicação em economia de baixo carbono?

Ricardo Pena – Para os investimentos na transição para uma economia de baixo carbono, a ideia é sugerir a inclusão de um segmento específico nas diretrizes do CMN para as alocações das EFPC e, desse modo, contribuir com a redução dos impactos das mudanças climáticas no meio ambiente e o desenvolvimento econômico, considerando a posição estratégica do Brasil em termos de abundância de recursos minerais.

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