A proteção de dados é parte integrante da configuração padrão para novos sistemas, se tornando um assunto de extrema importância. Além disso, tecnologia e inovação fazem parte fundamental do processo de mitigar riscos e reduzir custos jurídicos dentro das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC). Para tratar do assunto, a Plenária 3 do 15º Encontro Nacional de Advogados das EFPC (ENAPC) ocorreu nesta terça-feira, 15 de setembro, com o tema “A Transformação Digital no Direito e LGPD”.
Edécio Ribeiro Brasil, Vice-Presidente do Conselho Deliberativo da Abrapp e representante das EFPC no Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), fez a abertura da Plenária e destacou que com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que ainda gera muitas dúvidas, houve um olhar maior para como as entidades tratam das informações sensíveis sobre seus participantes e colaboradores. “Para a execução da sua atividade fim, que oferta benefícios de previdência, as EFPC precisam coletar, tratar e processar dados pessoais com segurança em nome da privacidade dos nossos participantes. Por isso é tão importante que identificar eventuais processos de risco e elaborar medidas que possam mitigá-los de forma a garantir a privacidade do participante”, destacou.
Em relação à transformação digital do Direito, Edécio ressaltou que a tecnologia já era algo vivido no campo jurídico. “Temos audiências e sessões de julgamentos virtuais que aconteciam anteriormente à pandemia de COVID-19 e tomam agora uma proporção enorme, dominando o judiciário em todas as instâncias, permitindo que, mesmo com distanciamento social, possa operar e continue atendendo à população”, disse.
Ele citou ainda o uso de robôs que auxiliam advogados em processos, ajudam na precisão da preparação das peças; além de assinaturas eletrônicas e documentos digitais já utilizados no setor. “A tecnologia está chegando rápido, agregando qualidade e velocidade ao setor. O que é especialmente importante em relação a esse tema é que sua evolução está ocorrendo de forma muito acelerada, e há uma falta de educação digital em todos os setores. As universidades não preparam os profissionais para isso”, destacou. Edécio ressaltou que é preciso o entendimento que essas são ferramentas imprescindíveis para garantir a qualidade do trabalho no Direito.
LGPD – Alan Campos Elias Thomaz, Advogado com atuação nas áreas de Tecnologia, Proteção de Dados e Cybersecurity, destacou a importância da observância da LGPD dentro das entidades apresentando alguns temas relevantes sobre a Lei que, segundo ele, é complexa e abrangente. “Todo uso da informação relacionada a um indivíduo por qualquer tipo de organização, inclusive o poder público, deve observar os requisitos da Lei Geral de Proteção de Dados. A Lei tem uma abrangência muito grande, e tratando de dados pessoais, toda a relação, seja com um participante quanto com um funcionário, está inclusa. Ela tem uma abrangência relativamente grande”, disse.
Entre os principais temas regulados pela LGPD está a transparência, a qual determina que é preciso colocar de forma clara como todos os dados sobre determinada pessoa são tratados dentro de uma organização. Alan explicou ainda que as bases legais. Precisam ser observadas. “Para cada dado que coleto e compartilho com um parceiro, eu preciso justificar uma hipótese legal”. Outro direito assegurado é o dos titulares, no qual a LGPD consolida uma série de direitos que já existiam em relação ao uso de informação e colocam dentro da Lei.
Também é regulada pela LGPD a segurança da informação, sendo medida técnicas e administrativas, ou seja, tudo relacionado à tecnologia da informação ou treinamento de funcionários em relação a documentos confidenciais. Alan ressaltou que a legislação tem colocado sanções bastante severas pelo descumprimento da Lei, e dentro desse tema está a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). “Teremos mais um órgão regulador que vai investigar se as organizações estão cumprindo com o que pede a LGPD para, eventualmente, aplicar penalidades. É mais uma entidade que vai atuar fazendo um enforcementdessa legislação junto a outras entidades relevantes”, destacou.
Histórico – Alan explicou no detalhe como foi o histórico da LGPD, que em agosto de 2018 foi aprovada depois de quase 4 anos de trâmite no Congresso Nacional. Inicialmente o vacatio legis, período em que a lei foi aprovada até entrar em vigor, era de 18 meses, ou seja, fevereiro de 2020. Em julho de 2019, foi proposta uma emenda criando a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, alterando também a vigência da LGPD para agosto de 2020. “No começo da pandemia, houve dois movimentos relevantes: uma Lei da COVID-19 que endereçava outras questões em relação ao novo coronavírus e determinava também que as sanções sobre a LGPD ocorressem somente em agosto de 2021, o que configura um tempo de vacatio legisde 3 anos”, disse Alan.
Ele explicou ainda que em seguida, a MP 959/20 propôs a alteração do prazo de vigência da LGPD para maio de 2021, mas no dia da votação essa data foi alterada para 31 de dezembro. “Contudo, a Medida Provisória perdeu a vigência, e voltamos para a vigência da LGPD para agosto de 2020, originalmente proposta”, destacou Alan, explicando que a vigência passou a ser retroativa em relação à aprovação da Lei, e foi dado o prazo de 15 dias para que ela entre em vigor. “Assim, a LGPD deve entrar em vigor 17 de setembro de 2020”.
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados também foi aprovada e regulada, mas Alan destacou que os cargos ainda precisam ser empossados, enfatizando que a autoridade não é operacional até o momento. “Um dos papéis mais relevantes dessa autoridade é editar normas e procedimentos sobre a proteção de dados pessoais”, disse Alan. Além disso, a ANPD pode conduzir investigações sobre o tratamento de dados pessoais, fazendo requisições sobre operações, além de interpretar, fiscalizar e aplicar sanções e zelar pela proteção de dados pessoais. “É importante que a ANPD converse com outras autoridades reguladoras de cada setor para não aplicar sanções sem entender como cada mercado funciona”, destacou.
Bases legais – Alan explicou ainda o dilema entre as bases legais e o consentimento sobre o uso de dados pessoais. “O consentimento, até então, tinha um papel central no tema de uso de dados. A LGPD muda esse paradigma e estabelece não só o consentimento como base legal, mas acrescenta outras nove hipóteses de tratamento”. Ele explicou que entre as bases está a execução de um contrato sem necessariamente ter o consentimento; cumprimento de obrigação legal; tutela da saúde; legítimo interesse, entre outras hipóteses. “O que se passa a fazer é saber se o comportamento se enquadra nas bases legais sem precisar pedir consentimento a todo tempo”, disse, ressaltando que, assim, o consentimento não é a única hipótese para tratamento de dados.
Ainda assim, ele observou a importância da transparência para que os titulares dos dados possam identificar como eles são tratados dentro das organizações, destacando a hipótese de legítimo interesse, que deve ser ponderada. “O risco de utilizar o interesse legítimo sempre vai existir. Se aquele tratamento é uma prática comum daquele negócio específico, é possível ter bons argumentos para o legítimo interesse do uso desses dados”, explicou Alan, destacando que o objetivo da LGPD é evitar excessos.
Inovação – O uso de ferramentas de automatização de processos por meio da tecnologia facilitam cada vez mais o trabalho dentro do setor jurídico, e para falar sobre o assunto, Adiel Rodrigues, Executivo de Customer Success da Projuris Sistemas apresentou o tema “Inovação, desafios e oportunidade no uso de tecnologias para a atividade jurídica”, explicando sobre o sistema do Projuris, que tem parceria com diversas universidade e atua como uma das startups selecionadas para buscar soluções ao sistema dentro do Hupp, hub da previdência privada organizado pela Abrapp e Conecta em parceria com a LM Ventures.
Adiel explicou que para empresas em fase inicial de aplicação da inovação, os principais desafios estão em, alguns casos, na implantação de tecnologia e sistemas, criação da cultura digital, enquanto outras empresas que para quem já tem algum sistema, o desafio é consolidar o que já conseguiu para que não se perca. “A tecnologia é para as pessoas”, ressaltou. Já para as empresas em estágio avançado, com sistemas de tecnologia implantados e operando, o desafio é dialogar com empresas e pessoas que têm dificuldades tecnológicas. Adiel ressaltou que há oportunidade para as EFPC no uso das tecnologias disponíveis para melhorar processos de atendimento, gestão, investimentos, operações administrativas e financeiras; enquanto para escritórios é possível usar tecnologias para melhorar processos internos e de atendimento às entidades.
Case – Levando um caso concreto de saneamento da base processual jurídica com uso de tecnologia,Gabriela Paciello de Oliveira Bock, Gerente Jurídica da Petros, contou o histórico desse processo dentro da entidade, que iniciou com uma ressalva, em 2018, por limitação de escopo, focada em depósitos judiciais e recursais e exigível contingencial. “Isso foi muito sério e precisávamos atacar essa questão e recuperar um histórico dos últimos 20 anos da fundação”. Ela contou que, com a ressalva posta no balanço, foram mapeados os motivos principais andando 20 anos para trás.
Assim, Gabriela contou detalhes do mapeando dessa ressalva, que estava focada principalmente sobre a não atualização da base processual, sistemas subutilizados, ausência de padronização da classificação de risco, e falta de atualização da fase processual, entre outros motivos. “Esses foram os mais latentes que conseguimos identificar poucos dias após a ressalva, e com isso fomos a mercado buscar uma empresa de renome que utilizasse muita tecnologia para iniciar o processo de saneamento da base”, disse, enfatizando que o projeto foi multidisciplinar em parceria com o jurídico e outras áreas da Petros.
Na época, após uma seleção no mercado, a EY foi selecionada para fazer o gerenciamento do projeto. “Ela deveria sanear a base de 50 mil processos no período de 6 meses”, disse. O projeto da EY foi dividido em seis fases: planejamento e mapeamento; captura de processos jurídicos; saneamento, normalização e enriquecimento dos dados; interferência processual; revisão do modelo; e conciliação, com uma metodologia baseada em um tripé entre o contábil, jurídico e extratos. “O cronograma foi executado em 6 meses e um dos segredos de sucesso foi o envolvimento de toda a Petros, com 20 reuniões semanais durante o período, 9 reuniões executivas, 10 reuniões de Diretoria e 10 reuniões de conselhos e auditoria, 3 reuniões com a patrocinadora Petrobras e 4 alinhamentos com a auditoria”.
As frentes de trabalho que envolvem a tecnologia possibilitaram a análise de 161 tabelas de bancos de dados, 109 racionais de conciliação criados, seis lotes de conciliação contábil de 49.904 processos que foram escopo do projeto, e para cada deles foi levado um workpaper que foram imputados dentro do sistema jurídico, contou Gabriela. “Para fazer isso com grandes números, não seria possível sem ciência e engenharia de dados, estatística, desenvolvimento de software e machine learning aliados ao conhecimento jurídico”.
Gabriela contou ainda sobre a iniciativas implementadas após a execução do projeto, entre elas a integração entre os sistemas jurídicos e contábeis, sendo que a conciliação contábil passou a ser automatizada. Houve ainda a inclusão automática de andamentos e publicações no sistema jurídico e automatização, captura e cadastros de novos processos, além de redução da contingência de 2019 na ordem de mais de R$ 1 bilhão em relação a 2018. “Implementamos também a jurimetria; o business intelligence e a inteligência artificial com machine learning; além de redesenhar processos e fluxos internos e revisar procedimentos e normativos do Jurídico”, destacou.
Papel do gestor – Para Gabriela, falar de tecnologia é falar de gestão, e não necessariamente os gestores entendem da tecnologia na prática. “Eu não estudei tecnologia na faculdade de Direito. É um nicho muito específico. O diferencial é que, mesmo não tendo conhecimento aprofundado, é importante que nós, gestores, possamos abrir um leque e ver que é uma ferramenta que não substitui o advogado. Ela é complementar, otimiza e erra menos do que nós, mas é o humano que treina o computador para fazer as coisas”.
Ela destacou que é preciso uma mudança radical de cultura, mas a tecnologia visa redução de custos operacionais. “O gestor precisa se aproximar do negócio e o jurídico precisa se reaproximar da área estratégica da empresa, e para isso ele precisa de tempo. A tecnologia auxilia nesse sentido”. Gabriela ressaltou ainda os ganhos da previsibilidade, que possibilitam a arquitetura de melhores saídas. “Esse é outro benefício que a tecnologia traz para nós”, complementou.
Marlene de Fátima Ribeiro Silva, Representante dos Patrocinadores e Instituidores de Planos de Benefícios das EFPC na CRPC, destacou que os dados ganharam importante valor e evolução transversalmente. “Tudo que nós tratamos em termos de tecnologia demonstra que ser um gestor tem mais que um fator de investimento, mas inclui áreas jurídicas que tem que ser cuidadas com a mesma parcimônia”. Ela destacou o uso de ferramentas que são utilizadas para otimização não somente de uma tese, mas pelos custos e necessidade de dar uma resposta aos participantes sobre competência e austeridade para gerir o patrimônio das EFPC.
Marlene destacou que o business intelligence está transformando as empresas e é um fator fundamental dentro das organizações. “Essas ferramentas têm o propósito de nos tornar melhores. A inteligência artificial não é um inimigo ou temor da perda do nosso emprego. Temos que ver esse cenário de forma diferente, sem amadorismo”, destacou. “Devemos ter cautela, diligência e adotar os mecanismos que se fizerem necessários para deixar nosso setor em um patamar de equilíbrio, com segurança que a nova legislação traz e para que a reforma da previdência tenha um campo de aplicação, na qual temos que estar inseridos com todo esse ferramental tecnológico”.
Ministros STF, STJ e TST – Com público de mais de 400 pessoas e formato inédito 100% on-line e ao vivo, o 15º ENAPC teve início na segunda-feira, 14 de setembro, com a sessão de abertura que contou com participação do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, e do Diretor Presidente da Abrapp, Luís Ricardo Marcondes Martins (leia a matéria completa). Ainda ontem, o evento contou com a Plenária 1 com participação dos Ministros do STJ, Ricardo Villas Bôas Cueva, e do TST, Alexandre Luiz Ramos (veja matéria).
Já na tarde desta terça-feira, o 15º ENAPC iniciou com a participação do Diretor Superintendente da Previc, Lúcio Capelletto; do Consultor Associado da Mercer Brasil e Consultor da Abrapp, Sílvio Renato Rangel; do Advogado e Professor da UFPR, Rodrigo Xavier Leonardo; do Sócio Sênior do Bocater, Camargo, Costa e Silva e Rodrigues Advogados, Flávio Martins Rodrigues; e foi comandada pelo Diretor Vice Presidente da Abrapp e membro da Câmara de Recursos da Previdência Complementar, Luiz Paulo Brasizza. Na Plenária, foram analisados impactos jurídicos e econômicos da COVID-19 sobre contratos e planos. Leia mais.
Com programação até o dia 16 de setembro, o evento é uma realização da Abrapp, com o apoio institucional de Sindapp, ICSS, UniAbrapp e Conecta. O ENAPC conta com patrocínio de Bocater; JCM; Linhares; ProJuris; Tôrres, Florêncio, Corrêa e Oliveira na cota ouro. Atlântida Perícias e MMLC na cota prata. E BTH e Santos Beviláqua na cota bronze.