Entrevista: Liquidez global deve continuar alta e os juros seguirão baixos em 2021

Gabriela Santos

As opções e vantagens da diversificação de carteiras em direção aos ativos dos mercados internacionais é o tema da entrevista das especialistas da J.P. Morgan Asset Management, Gabriela Santos, estrategista de mercados globais, Isabella Nunes e Maria Rossi, ambas da área de relacionamento com investidores institucionais. “Além de seu tamanho, os mercados fora do Brasil oferecem aos investidores acesso a temas diferentes dos que temos localmente. Os mercados desenvolvidos e o mercado chinês oferecem aos investidores o acesso a dois grandes temas da próxima década: saúde e tecnologia”, diz Gabriela em trecho da entrevista.

A estrategista da asset fala sobre as políticas dos principais bancos centrais globais que tendem a manter a liquidez em alta com a continuidade do apoio monetário às economias. Com a perspectiva de recuperação econômica lenta, em virtude da pandemia e outros fatores, os juros devem continuar baixos no próximo ano. Confira a entrevista na íntegra a seguir:

Poderia comparar o tamanho do mercado brasileiro com outros mercados como EUA e Europa e o acesso às oportunidades nestes países?

Gabriela Santos (foto acima) – Existem muitas oportunidades de investimento fora do Brasil. O Brasil representa somente 2,4% do crescimento global, 1,6% do mercado de renda fixa global, e 0,8% do mercado de renda variável global. Ou seja, 97% do crescimento global e 98-99% do universo de investimento global estão fora das nossas fronteiras. A maior economia e mercado é os Estados Unidos, que representa 16% do PIB global, 37% do mercado de renda fixa e 40% do mercado acionário. Depois dos Estados Unidos já vem a China, representando 17% do PIB global (baseado na paridade do poder de compra), 13% do mercado de renda fixa e 16% do mercado acionário. Como um bloco, a União Europeia tem uma representação expressiva também de 15% do PIB global, 19% do mercado de renda fixa e 11% do mercado acionário. O gráfico abaixo ilustra esses pontos.

Adicionalmente às oportunidades de crescimento, o investimento global ajuda a diversificar as carteiras. Por exemplo, o tema fiscal brasileiro é crucial para os ativos brasileiros mas não afeta em nada o crédito americano ou a bolsa chinesa. Por fim, quando surgem temas globais que mexem todos os ativos juntos, os ativos desenvolvidos sempre mexem menos do que os brasileiros, ajudando a segurar um pouco as carteiras.

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Quais os setores e tipos de empresas em que é possível se investir lá fora e que não têm representatividade na Bolsa brasileira? Comente as vantagens. 

Gabriela Santos – Além de seu tamanho, os mercados fora do Brasil oferecem aos investidores acesso a temas diferentes dos que temos localmente. Os mercados desenvolvidos e o mercado chinês oferecem aos investidores o acesso a dois grandes temas da próxima década: saúde e tecnologia. Esses dois setores representam somente 3% da bolsa brasileira, enquanto que representam 36% das bolsas desenvolvidas e 19% da bolsa chinesa. [O gráfico abaixo ilustra esses pontos.]

O setor de saúde continuará a se beneficiar do envelhecimento da população global (o que levará mais e mais gastos a serem destinados a esse setor) e a inovação de novos tratamentos. O setor de tecnologia continuará a se beneficiar de toda a incorporação da tecnologia em todos os aspectos de nossas vidas, o que continuará depois da pandemia também. Nesse amplo setor se encontram todas as indústrias do futuro, incluindo: inteligência artificial, 5G, software, cloud computing, pagamentos digitais, e muito mais.

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Poderia comentar a situação dos mercados globais em termos de excesso de liquidez dos investidores? Como a política monetária do FED poderia influenciar na mudança de cenários para o próximo ano?

Gabriela Santos – A liquidez dos banco centrais não tem sido somente um açúcar – e sim uma proteína muito importante para a economia e os mercados globais. No mundo todo esse ano, os bancos centrais (incluindo o Federal Reserve) têm mantido suas políticas monetárias extremamente acomodativas, incluindo cortes de juros e compras de títulos. Essa ajuda tem sido extremamente importante para a economia global, pois diminuiu muito o custo de crédito para as famílias, as companhias e os governos. Esse apoio também tem sido muito importante para os mercados, ajudando com o funcionamento dos mercados de títulos e de câmbio, que estavam muito estressados em março. Por fim, os juros baixos estimulam os investidores a buscar retorno em ativos de mais risco, beneficiando o crédito e o mercado acionário global.

Não esperamos a redução desse apoio monetário tão cedo, pois os bancos centrais globais ainda vem uma recuperação econômica lenta e a inflação baixa. Com isso esperamos juros muito baixos ainda em 2021. O Federal Reserve, por sua parte, está se comprometendo a manter os juros de curto prazo perto de zero até o final de 2023. Esse deve continuar a ser um apoio muito importante para a economia e os mercados globais no ano que vem – apoiando os investimentos em ativos de risco globais.

Poderia comentar a correlação ou descorrelação dos investimentos no exterior e dos investimentos domésticos? 

Isabella Nunes (foto ao lado) e Maria Rossi – Historicamente, vemos que o investimento no exterior é descorrelacionado com o mercado doméstico, ou seja, o mercado internacional se move de maneira independente aos fatores econômicos locais. No geral, a descorrelação dos mercados globais com o mercado local tende a ser neutra ou negativa. Quando se considera um investimento com exposição ao dólar, essa correlação é menor ainda.

Em momentos de crise local é possível observar essa descorrelação de maneira mais clara, pois o mercado global se comporta de maneira totalmente independente. Na turbulência causada pela delação da JBS em maio de 2017, enquanto a bolsa local caia 4% no mês, o índice MSCI World, que representa as bolsas globais, subia aproximadamente 2%. Outro evento importante que impactou fortemente o mercado local foi a greve dos caminhoneiros em maio de 2018. Neste mês, a bolsa local fechou em queda de 11%, enquanto o dólar apresentava retorno positivo de 7% e a bolsa americana, medida pelo S&P 500, subia 2,8%.

É importante mencionar que no curto prazo e, principalmente em momentos de alta volatilidade, como o qual estamos passando, a correlação entre os ativos tende a ser mais alta. Porém, no longo prazo existe uma descorrelação entre os ativos globais e locais.

O que acha da proposta de aumentar o limite de alocação da Resolução 4.661 dos investimentos no exterior para até 20% do total do patrimônio dos fundos de pensão?

Isabella Nunes e Maria Rossi (foto ao lado) – Por muitos anos, os juros altos no Brasil levaram investidores a argumentar que oportunidades globais não valiam a pena, uma vez que era possível obter retornos atrativos e com baixo risco no mercado doméstico. Entretanto, frente ao cenário atual no Brasil, em que as taxas de juros se encontram na mínima histórica, as fundações enfrentam um grande desafio para buscar novas fontes de retorno e, ainda, terão que adicionar risco às carteiras. Se lembrarmos que o Brasil representa uma parcela muito pequena da economia global, o investimento no exterior tende a se tornar cada vez mais atrativo.

Acompanhando este movimento, a alteração do limite de investimento no exterior será cada vez mais necessária para auxiliar as entidades a atingir seus objetivos de retorno no longo prazo. Independente do percentual, é fundamental que as fundações iniciem, ou incrementem, a alocação internacional ao longo dos anos.

Qual a melhor opção, o investimento no exterior com hedge ou sem hedge cambial? Por que? Como lidar com o custo da proteção cambial? 

Isabella Nunes e Maria Rossi – A melhor opção de investimento é uma decisão individual, com base na realidade atual e objetivos para o longo prazo. Ao investir globalmente sem hedge cambial, por exemplo, os fundos de pensão precisam avaliar dois pontos: o desempenho dos ativos internacionais, e a direção da moeda. É bastante difícil prever as movimentações das moedas, mas elas tendem a se recuperar rapidamente dos extremos.

O gráfico a seguir mostra que se você decidir assumir o risco da flutuação na moeda (investindo sem hedge cambial) ou se preferir isolar o impacto da moeda, o retorno médio anual de 10 anos é praticamente o mesmo. A diferença está na experiência: investimentos sem hedge são mais turbulentos, com uma volatilidade muito maior no mesmo período.

Ainda, se o investidor decidir ter exposição sem hedge cambial é muito importante estar ciente de que market timing para moedas pode ser um hábito perigoso. Como vimos este ano, os movimentos de depreciação e de apreciação podem ocorrer rapidamente e mudar de direção muito rápido também. O melhor é decidir se quer ter exposição em dólar, e adicionar essa exposição gradualmente.

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