O Brasil enfrenta diferentes desafios neste momento, os quais demandarão esforço e tempo para serem superados. Temos uma pandemia que, infelizmente, ainda nos acompanhará por algum tempo, uma inflação pressionada num contexto de desemprego alto, com o Banco Central dosando a alta dos juros, e uma longa jornada de consolidação fiscal, que requer reformas estruturantes e contenção de despesas públicas num país com enormes necessidades. Com diagnóstico e estratégia corretos e a necessária persistência, são desafios que podemos superar.
Nesse caminho, é importante contarmos com ventos positivos do cenário internacional. Isso facilita a superação dos obstáculos internos e aumenta a tolerância dos investidores enquanto avaliam se conseguiremos sucesso. A boa notícia para o Brasil, e outros emergentes também, é que vivemos um momento global muito positivo. Nos meses seguintes ao início da pandemia, imaginar que estaríamos onde estamos hoje seria um exercício de muito otimismo. Temos um contexto amplamente positivo, com uma combinação muito desejada por todos os agentes econômicos: crescimento forte e sincronizado, aliado a políticas expansionistas. Em outras palavras, um crescimento robusto neste ano, que deve persistir em 2022, com amplos estímulos monetários e fiscais.
A vitória sendo conquistada contra a Covid-19 é um poderoso fator comum, ainda que com cada país / bloco no seu próprio ritmo. Aos poucos, retornaremos à vida normal social e econômica do pré-pandemia. Ao mesmo tempo, aprendendo com as respostas a crises passadas, os formuladores de política foram assertivos e arrojados na pandemia. A resultante são juros reais negativos nas principais economias e uma substancial expansão de liquidez. A política fiscal traz estímulos relevantes, principalmente nos EUA. Num curto espaço de tempo, o novo presidente dos EUA avançou com um pacote de ajuda aos efeitos do Covid-19 e propôs um ambicioso plano de investimentos em infraestrutura e social nos próximos anos, ainda em debate no Congresso americano.
Com isso, aqui na Santander Asset Management, projetamos hoje um expressivo crescimento do PIB global, de 6,3% neste ano e de 4,5% em 2022. EUA, Zona do Euro e China devem crescer 6,7%, 4,2% e 8,8% neste ano, respectivamente, e 4,5%, 4,4% e 5,5% em 2022. No lado dos juros, antecipamos a continuidade desse modo expansionista por um bom tempo. Juros inalterados nos EUA e Zona do Euro são o nosso cenário para 2021 e 2022, com expectativa de ajustes começando de forma suave nos EUA apenas em 2023 e ainda mais adiante na Zona do Euro. A compra de ativos por parte do Fed e do ECB, porém, deverá ser calibrada para refletir esse contexto econômico mais auspicioso e, assim, esperamos que o enorme volume de compras atual vá sendo reduzido a partir de 2022. Mas isso num ritmo cuidadoso, buscando evitar efeitos adversos na economia.
Certamente são números que empolgam e tendem a manter o apetite a risco elevado, com efeitos sobre a economia real e o mercado financeiro. Isso não significa que os agentes econômicos investirão em ativos reais ou financeiros a qualquer preço e risco, mesmo com o custo de oportunidade muito baixo. Mas temos um incentivo importante para um clima favorável. Um reflexo relevante é o ciclo de commodities, com alta substancial de preços, favorecendo as nossas exportações e a lucratividade de nossas empresas, contribuindo com a economia brasileira como um todo.
Esse contexto permite que façamos a nossa lição de casa com alguma tranquilidade, pois teremos ventos globais favoráveis. Essa é a nossa visão. Como sempre, porém, o cenário tem os seus riscos. E talvez o principal risco hoje seja justamente aquilo que advém do excesso de boas notícias. Crescimento muito forte combinado com política econômica expansionista podem ser elementos que elevam a temperatura no campo inflacionário. Inflação indesejada pode levar a uma mudança de postura dos principais bancos centrais, levando a um efeito negativo sobre o ciclo econômico. O foco hoje está fundamentalmente na inflação americana.
Nossa visão é benigna sobre este tema. Vemos uma retomada econômica preenchendo a ociosidade existente, com a política monetária buscando atingir a meta de inflação, ao mesmo tempo em que evitará leniência com eventuais pressões inflacionárias persistentes. Inclusive, estamos vindo de muitos anos em que o desafio foi justamente entregar a meta quando a inflação era muito baixa, com riscos de ser ainda menor. Vemos um avanço relevante na inflação para os próximos anos: ao invés do desconforto com inflação persistentemente baixa, projetamos um retorno da mesma para os objetivos do Fed, inclusive com riscos agora mais equilibrados (para mais e para menos).
No entanto, esse debate sobre a inflação americana está relativamente aberto, com visões divergentes: alguns com pensamento similar ao nosso e outros antevendo inflação pressionada e maiores desafios para os banqueiros centrais. Evidentemente, no segundo caso, teríamos um cenário alternativo em relação ao atualmente considerado por nós. Assim, a atenção deverá ser redobrada nos próximos meses, até porque entramos num período de resultados de inflação americana de fato mais pressionados. Isso não chega a ser uma surpresa, já que diversos fatores previamente mapeados estão exercendo pressão sobre os preços, com destaque para a base de comparação deprimida, observada no auge crise em 2020, e para questões de oferta no setor industrial. Novamente, nossa leitura é mais serena, entendendo esse movimento como transitório, com a inflação convergindo para um patamar próximo da meta no médio prazo.
Dito isso, a inflação apresentou surpresas nos últimos dois meses. Se em março o desvio foi relativamente pequeno, em abril a surpresa foi relevante e incomum. A variação mensal do CPI (índice de preços dos EUA) e do seu núcleo foram de 0,8% e 0,9% respectivamente, enquanto a variação acumulada em 12 meses foi de 4,2% e 3,0%. Esse resultado ampliou a tensão nesse debate sobre inflação. Esse é um tema chave, ainda em aberto, e que nos levará a uma postura mais cautelosa na avaliação do cenário global.
Em resumo, temos uma visão positiva para o cenário internacional, o que favorecerá os países emergentes. Isso nos dará um precioso tempo aqui no Brasil para endereçarmos parte dos nossos desafios. A inflação americana é um risco em torno deste cenário e merece monitoramento. Nossa opinião, porém, é construtiva também sobre esse tema.
*Head de Macro e Estratégia da Santander Asset Management