Revista da Previdência Complementar: Hora de resgatar os FIPs

Por Martha Elizabeth Corazza – Matéria sobre Fundos de Investimentos em Participações (FIPs) publicada na edição nº 434 de maio/junho 2021

A redução do ganho real no mercado de títulos públicos leva as EFPCs a uma busca mais intensa a partir deste ano para encontrar oportunidades em investimentos alternativos. Entre eles, os Fundos de Investimento em Participações (FIPs), que voltam a ser debatidos na tentativa de se abandonar a imagem desfavorável deixada por alguns casos mal sucedidos. Há entidades que simplesmente vedaram esse veículo, mas há também cases muito bem-sucedidos de EFPCs que mantiveram um fluxo contínuo de alocação em FIPs e hoje colhem os resultados positivos da estratégia. 

“O sistema tem se aproximado desse mercado. Temos tido conversas com as associações que representam gestores de fundos e com a Previc para nos aproximar dos principais players a fim de desenvolver essa indústria no Brasil”, diz o Diretor Financeiro da Fundação Copel, José Carlos Lakoski. 

No mundo todo, os fundos de pensão, até por conta do perfil de seus passivos, têm um percentual relevante de private equity e de investimentos de longo prazo em suas carteiras. “São eles os grandes financiadores de infraestrutura, dos investimentos florestais, entre outros”, lembra Pedro De Biase, Sócio da Itajubá Investimentos. 

Por ser um mercado de empresas fechadas, abre-se mão da liquidez em troca de retornos superiores, mas no Brasil as fundações se retraíram nos últimos anos. “O juro muito alto ajudou a afastar a classe; além disso, algumas EFPCs cometeram erros no passado, mas hoje há uma oferta adequada de produtos para investimentos ilíquidos”, aponta De Biase. Ele cita os FIPs florestais, por exemplo, que já estão se tornando estruturais no Brasil, referência no manejo de florestas plantadas para a produção de celulose. “É importante que as EFPCs também liderem as conversas na área de projetos de infraestrutura, como fizeram 20 anos atrás.” 

Também é importante que as entidades saibam exatamente como o órgão fiscalizador, a Previc, vai atuar daqui para a frente em relação a essa classe de ativos. “Isso passa pela educação dos fiscais a respeito do que é um investimento ilíquido. As EFPCs, por sua vez, precisam compreender quais serão as informações cobradas pela fiscalização. É preciso ter transparência total dos dois lados”, sugere De Biase. 

Derrubar tabus –  Se algumas questões ligadas aos FIPs não podem ser esquecidas, o cenário de juro baixo hoje leva necessariamente à busca de novas classes, reflete Sérgio Wilson Ferraz Fontes, Diretor Presidente da fundação Real Grandeza. “O ambiente de juro baixo vai nos levar a ter mais FIPs. É um caminho para obter maiores prêmios em troca de menor liquidez, mas eles viraram um grande tabu, e não faz sentido manter esse tabu.” Fontes admite que nenhum sistema capitalizado de previdência no mundo pode prescindir de todas as classes de investimento e o fluxo de caixa no longo prazo dos FIPs tem tudo a ver com as EFPCs. Mas será preciso melhorar o processo de seleção de gestores, com bons track records e percentuais maiores de participação no negócio para dar mais confiança ao investidor. 

Na Real Grandeza, que ainda tem seis FIPs investidos em fase final, a experiência não foi boa e levou à vedação dessa classe de veículos na política de investimentos. “A experiência serviu para aprendermos a escolher melhor. Está na hora de surgir uma nova geração de gestores mais experientes em FIPs”, afirma Fontes. 

As EFPCs estão carentes de alternativas para investir de maneira mais diversificada, e os FIPs têm tudo Diretor-Presidente da Prevcom, Carlos Henrique Flory. “É preciso compreender, inclusive na divulgação pela mídia, que o FIP é um investimento como outro qualquer em estrutura e controles, com a única diferença que se propõe a volumes e projetos maiores.” Ele destaca que o mais importante, na prática, é olhar os projetos e a qualidade do gestor, assim como contar com uma legislação equilibrada. “No passado, manadas inteiras de elefantes acabaram passando em alguns investimentos e ninguém enxergou. Hoje, a dosagem da regulação foi para o outro extremo e ficou muito exagerada”, afirma Flory. 

A Abrapp pretende criar um Grupo de Trabalho específico para discutir a revitalização desse veículo e elaborar um manual de boas práticas para orientar as entidades. “São alternativas importantes de investimento à luz da queda do juro. Pretendemos contribuir com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com a Previc e a Secretaria da Previdência para aprimorar a regulação desses veículos”, informa o Diretor-presidente da Abrapp, Luís Ricardo Marcondes Martins. 

Alocação contínua – Entre os casos de sucesso, uma das principais referências é a experiência da Fundação Copel, que investe em ativos estruturados desde 2012 e tem uma carteira diversificada composta por 15 investimentos feitos por nove gestores que tem assegurado uma rentabilidade superior a 24%. “São R$ 423 milhões comprometidos e mais de R$ 311 milhões já aportados. “Estamos meio isolados nessa indústria porque as entidades pequenas não têm condições de recursos ou de equipes e acabam se afastando dos FIPs”, explica José Carlos Lakoski. 

Um dos pilares desse programa, diz o Diretor, é ter a convicção de que o juro continuará baixo, e ainda que oscile um pouco para cima, o investimento precisa ser contínuo. “Temos que investir todos os anos e evitar deixar hiatos nesse processo. Nossa política de investimentos prevê 5% dos ativos nesse portfolio e um volume de R$ 120 milhões ao ano nessa classe, embora seja possível eventualmente deixar de investir se não aparecer nada de bom. Porém, a regra é investir anualmente.” 

Outro pilar é a disciplina na execução dos investimentos. Na Fundação Copel, toda a governança da entidade foi preparada para isso. “Gostamos do veículo FIP e conseguimos um caminho bom em todas as fases do processo de investimentos e de acompanhamento, sem que surgissem problemas mais relevantes”, conta Lakoski. 

A principal diretriz é diversificar. Pensando nisso, foram escolhidos fundos florestais com diferentes gestores e estágios, concentração regional e nacional, florestas voltadas à celulose e biomassa. Há também fundos temáticos de infraestrutura, um fundo de private equity “puro”, e fundos de fundos, alternativa interessante principalmente para as pequenas entidades que querem ter sua primeira experiência nesse mercado. Há gestores voltados ao middle market, outros com foco em estratégias de saúde. “O private equity nos dá acesso a empresas e setores que ainda não estão bem representados na Bolsa, como saúde, TI e agropecuário, e que têm sido cases de sucesso”, explica Lakoski. 

Uma lição importante: quando o processo é bem gerido, não se deve cercear as empresas investidas que podem dar bons resultados. “É preciso ter cuidado, não medo”, enfatiza o diretor. Na Previc, o olhar, ainda muito voltado ao monitoramento, deveria ser direcionado para o planejamento e a execução dos investimentos, pois o maior risco é na entrada, complementa. Também é fundamental estabelecer análises homogêneas por parte dos diversos escritórios regionais para evitar que as entidades sejam cobradas de modos diferentes. 

O processo na Fundação Copel é dividido em etapas: a primeira delas engloba o planejamento e toda a construção do portfolio, pensando na diversificação. Do ponto de vista quantitativo, o mercado brasileiro não oferece tantas condições para diversificar porque os ativos que vão lastrear o FIP só aparecem pontualmente. “Mas é possível estabelecer premissas para definir os setores investidos, ciclos e o estágio dos projetos”, detalha Lakoski. A partir daí, o olhar qualitativo minimiza os riscos logo na entrada do investimento. 

Na etapa seguinte, de execução, é preciso ir atrás dos projetos e adotar requisitos fortes em relação ao fundo: patrimônio mínimo, equipe, análise da tese, estrutura de compliance, alinhamento de experiências dos gestores, desempenho, quantidade de ativos. “Além de ter planejamento e execução bem construídos, é essencial ter confiança no gestor porque o investidor vai ficar com ele por oito ou dez anos”, avisa Lakoski. 

Se as duas primeiras etapas forem bem construídas, a terceira, de monitoramento, tenderá a ser mais tranquila. “Mas a prerrogativa de entrar na tomada de decisões de gestão não me parece adequada.” No passado, diz o dirigente, muitos decidiram participar de comitês de investimento, mas como há muitos investidores que não conhecem o fundo e interferem na gestão, em vez de ajudar, essa participação acabou gerando conflitos de interesse. 

Responsabilidade limitada – A demanda das fundações brasileiras pelos FIPs vai na direção contrária do que ocorreu no mercado de private equity norte-americano, pontua o Head de Private Equity da Vinci Partners, Bruno Zaremba. Nos EUA, a classe de ativos começou a ser demandada pelos investidores institucionais e só agora começa a despertar o interesse do varejo. No Brasil, o varejo foi mais ativo e agora começa a crescer o apetite dos institucionais, conta Zaremba. Esse movimento está refletido nas duas captações mais recentes feitas pela gestora. Uma delas, que terminou em 2019, foi para a principal estratégia de private equity da casa e incluiu investimentos de duas EFPCs e várias entidades do RPPS. 

Este ano foi lançado um fundo de impacto, estratégia que visa investir em companhias de capital fechado e impacto ESG (com ativos dentro de critérios ambientais, sociais e de governança), que já conta com seis investidores institucionais. “O FIP é um investimento orgânico, ele deve ser feito aos poucos, à medida que as entidades mudam suas políticas de investimento e avançam na discussão de aspectos da regulação e de responsabilidade” lembra o gestor. 

A casa gestora, cujo capital internacional representa 70% dos investimentos em private equity, tem uma experiência relevante nessa questão da responsabilização, agora no centro do debate entre os institucionais brasileiros. Zaremba explica que o investidor estrangeiro faz questão de garantir uma primeira e importante camada de proteção pelo simples fato de não participar de comitês de investimento ou qualquer outra instância de tomada de decisões. “Esse investidor também parte da premissa de que o capital comprometido no investimento será o máximo de perda aceito”, detalha. 

Atuando em private equity desde 2003 com investimentos que envolvem 22 companhias e US$ 2 bilhões, a Vinci não tem registro de qualquer situação em que os cotistas tenham sido questionados ou responsabilizados, mesmo nas situações cujo resultado de investimento não é tão positivo. Lá fora, os investidores seguem o modelo de investimento em companhias de responsabilidade limitada, o que dá uma proteção adicional. “Até aqui no Brasil, na estrutura tradicional de FIPs, nossos cotistas não tiveram problemas de responsabilização”, afirma Zaremba. 

Os processos de seleção de fundos nos EUA, Europa e Ásia incluem rigorosa due dilligence e cautela na escolha dos times, conhecimento da filosofia de investimento que será adotada, além de um background check para entender a reputação dos gestores, entre outros aspectos. É um processo lento e detalhado, mas feito isso, os investidores não querem ter qualquer responsabilidade ou controle sobre as decisões do gestor. 

Fora dos comitês – A participação das fundações brasileiras em comitês de investimento de FIPs foi um dos problemas que prejudicaram resultados e o próprio desenvolvimento desse mercado no País. “Estar no comitê dá uma falsa sensação de controle, e isso fica bem claro quando comparamos com a experiência internacional”, diz Zaremba. No passado, os fundos de pensão brasileiros optaram por participar dos comitês de investimentos como meio de proteção contra riscos, ao invés de priorizar a seleção mais cuidadosa, uma decisão enganosa, adverte o especialista. “Muitas vezes o investidor participa do conselho da empresa investida, mas não tem experiência ou conhecimento para isso, e acaba se colocando em posição que não ajuda a melhorar a tomada de decisão e, para piorar, aumenta sua exposição como responsável por aquela decisão.” 

A Vinci adota o modelo internacional, fazendo uma profunda due dilligence na seleção, e depois participa de um comitê de assessoramento que acompanha os investimentos em várias instâncias. “Essa percepção parece ter mudado no Brasil. Até agora, nas nossas duas estratégias de FIPs, nenhuma fundação pediu para participar das decisões. Isso é importante porque quando o investidor se retira dessa responsabilidade, ele já está protegido. Se houver a limitação de responsabilidade, haverá ainda maior conforto”, pondera Zaremba. 

O maior risco no FIP, ressalta Pedro De Biase, está na seleção de gestores. “É preciso muito rigor para escolher o parceiro de um investimento que vai ficar com você durante anos.” Ele explica que a montagem de um programa de private equity não consiste simplesmente em comprar um ou dois fundos, mas criar um circuito de projetos que irá se retroalimentar e produzir retornos ao longo do tempo. Escolha de setores, estratégias e safras dos fundos é fundamental para ter um programa robusto. 

Saneamento no radar – A diversificação de investimentos na Prevcom já levou a um aumento marginal de alocação no exterior e não conta com um A Prevcom tem boa experiência com FIPs. Quase todos deram certo, pagando o valor investido e um retorno de inflação mais 50% horizonte de muitos ganhos na Bolsa brasileira antes de 2023. “Para buscar rentabilidades melhores, restam mesmo os FIPs, e a nossa experiência com esses veículos tem sido boa. Exceto por um FIP, todos deram certo, pagando o valor investido e um retorno de inflação mais 50%”, conta o Presidente da entidade, Carlos Flory. A fundação tem hoje R$ 100 milhões comprometidos em FIPs e pretende aumentar essa exposição. A Prevcom mantém conversas com vários gestores para examinar projetos e está pronta para investir naquele que for mais convincente. “O objetivo não é sair de outro segmento para investir em FIPs, mesmo porque a nossa alocação básica já está feita. Queremos fazer esses investimentos para aplicar os recursos que entram pelo fluxo de caixa, que somam R$ 20 milhões ao mês.” 

A entidade tem um plano Contribuição Definida novo, cujos participantes, em sua maior parte, irão se aposentar dentro de 30 anos ou mais, o que significa que há um bom caminho a percorrer em busca de boas oportunidades de alocação. “Não precisamos nos preocupar com liquidez para pagar benefícios e podemos escolher os projetos com cuidado, conferir se os parceiros têm um bom histórico de estruturação de FIPs, e avaliar os melhores setores.” O de saneamento já está no radar, diz Flory, pois é um bom negócio no mundo inteiro. Já portos e rodovias são grandes demais para o apetite da fundação.

Clique aqui para fazer download da edição completa nº 434 maio/junho 2021

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