Artigo: As quatro etapas da jornada ESG no mercado de gestão de ativos – Por Marcelo Mello*, da SulAmérica

Marcelo Mello, Sulamérica
Diferente de alguns anos atrás, a incorporação de práticas de sustentabilidade e critérios ambientais, sociais e de governança corporativa nas empresas tem se transformado em um ativo tangível sob a ótica financeira. Desde que o mercado entendeu que estes critérios são mitigadores de risco e trazem valor agregado para os investimentos foi traçada uma jornada longa e repleta de desafios, para que o entendimento dos gestores de portfólio também mudasse.
A estrada do ESG no mercado de gestão de ativos é longa. Eu diria que na SulAmérica Investimentos tivemos quatro etapas. A primeira, dez anos atrás, foi a de compreensão do processo, a de “como fazemos isso?”. A segunda etapa foi a do engajamento obrigatório, via KPIs que afetavam a remuneração dos gestores, de modo a acelerar esse movimento..
A terceira e a quarta etapa são mais recentes, e já vieram desenhando o formato de valorização desses investimentos bem próximo ao que temos hoje. Nos últimos anos, quando o mercado financeiro evoluiu em direção a adoção da estratégia correta para captar investidores para produtos com características ESG, já na terceira etapa, , passou a mostrar que permitem uma mitigação de risco, e não necessariamente retornos maiores. Nesse período as três letrinhas tornaram-se mandatórias no processo de investimentos.
Foi na quarta etapa, a que estamos neste exato momento, que o entendimento das implicações dos subitens que estão localizados, sobretudo, no S de social e no E de ambiental passou a ser decisivo. Esta é uma etapa densa, profunda e quem faz parte dessa jornada está debruçado nestas questões, com o radar ativo para as novidades e atualizações que são pertinentes a estes debates na sociedade.
Quando a SulAmérica Investimentos entrou no universo ESG em 2009, éramos a primeira gestora independente do Brasil a se tornar signatária dos Princípios para o Investimento Responsável (PRI), rede apoiada pela Organização das Nações Unidas (ONU) que visa estruturar um sistema financeiro global eficiente e sustentável. Na época, o número de signatários era pequeno em todo o mundo. Hoje a situação mudou: são mais de 3 mil entidades diversas que assinam a iniciativa, espalhadas por mais de 50 países e que representam mais de US$ 100 trilhões em ativos administrados.
Este fenômeno primeiro impactou Europa e EUA e, em efeito positivo, agora impacta o Brasil, seus investidores e empresas investidas, mobilizando completamente o sistema financeiro. De lá para cá, percebo que todo o mundo já entendeu que é necessário analisar critérios sociais, ambientais e de governança. Caso contrário, você estará levando um risco desconhecido para o investidor. ESG é um caminho de uma via só. Mas como desenvolvemos este processo?
Nosso caminho foi de erros e acertos, com engajamento constante da empresa nesse processo. Quando decidimos virar signatários do PRI, não sabíamos muito bem como traçar essa jornada. Mas todo o mercado financeiro estava na mesma, tateando em busca de respostas e processos. O primeiro desafio foi como engajar o time de gestores a embutir os princípios ESG nos seus processos de tomada de decisões. E é curioso ver como isso funcionou lá trás, não só na SulAmérica Investimentos como, de uma forma geral, em quase todo o mercado de ativos. No início, a percepção dos gestores é que a letra G de ESG, governança, gerava muito valor e era relativamente fácil de auditar e auferir. Davam muita importância para ela e muito menos peso para social e ambiental.
Depois, para que os gestores não olhassem só o G de governança, foi encorajado que cada vez mais fossem avaliados os critérios sociais e ambientais nas avalições, de forma que o conjunto ficasse natural.
O tempo foi passando e percebemos que a avaliação do S também se aprimorou. Analisar turnover de equipe, ver como a empresa se relaciona com clientes e fornecedores, esses pontos passaram a ser cruciais e perfeitamente auditáveis. Assim, o S também ganhou valor e aí avançamos mais uma casa, com o S e o G bastante presentes na análise e escolha de ativos.
E o E, de environment, ou meio-ambiente? Pois bem. Há mais ou menos uma década, a percepção geral no Brasil era a de que não havia passivo ambiental por aqui. Isso mudou radicalmente quando tivemos a tragédia em Brumadinho (MG). Ali, os gestores de ativos perceberam que o ambiental de ESG não podia ser deixado de lado e que um passivo ambiental deste tamanho era capaz de causar sérios danos a todas as projeções de fluxo de caixa da empresa e, consequentemente, desvalorizar a companhia brutalmente.
Nós continuamos colocando KPIs ESG na remuneração dos gestores, mas a percepção é a de que, hoje em dia, esse processo se desenrola de forma muito mais natural. A essa altura, ninguém mais questiona o potencial de impacto do ESG nos ativos das empresas.
O desafio agora é outro: entender as questões relevantes que existem nos desdobramentos destas letrinhas. Por exemplo, no S de social existem muitos temas que o mercado financeiro ainda pouco aprofunda, como inclusão e diversidade.
Neste exato momento, estamos no meio do processo de educação dos gestores de portfólio para buscar esse engajamento e aperfeiçoar o processo ESG na escolha de ativos. E não só no S de social. No E de environment, ou meio ambiente, também é necessário descer a fundo.
Será que os profissionais do mercado sabem como auditar sequestro de carbono? Os gestores sabem como analisar uma meta de uma empresa que visa se tornar carbono-zero no futuro? Como avaliar se uma companhia que estabelece meta de neutralizar emissão de CO² em 2050 está no caminho certo para chegar lá? É uma discussão diária no nosso trabalho, e estamos em constante aprendizado e aperfeiçoamento, acompanhando o tema, estudos, notícias, debates, tudo a respeito.
E se essa meta longínqua for apenas anunciada para ludibriar o mercado financeiro e surfar na onda ESG com possível greenwashing? O caminho até a meta tem que ser auditado, e não só a meta em si. Em 2050, a empresa terá novos diretores, um novo conselho. E aí? A pergunta que os gestores de portfólio devem fazer é: quanto essa empresa investida está disposta a pagar hoje por um projeto de energia renovável? Quanto essa companhia está a fim de abrir mão de retorno a curto prazo para investir em energia limpa, por exemplo?
Queremos ajudar as empresas a entenderem esse processo, porque lá atrás ele também foi desafiador para nós, como gestora de ativos. Não é simples. Temos que entender a questão da materialidade, e do quão sério aquela companhia enxerga o tema. Você consegue facilmente identificar se a área de sustentabilidade da empresa A ou B é apenas um puxadinho de outro setor, por exemplo.
A agenda ESG é extremamente relevante, e definitivamente ganhou corpo no mercado. Mas nós, na SulAmérica Investimentos, estamos nesta agenda há mais de 12 anos. Além de toda a jornada que citei, passando pelas quatro longas fases de desenvolvimento até aqui, em 2020 contratamos uma consultoria especializada para aprimorar nos nossos processos e criar produtos com metodologias ESG especificas. É uma trajetória extremamente respeitável e muito reconhecida principalmente junto ao público institucional.
Estamos muito mais preocupados em sensibilizar todo o processo de tomada de decisões que atinge todos os R$ 46 bilhões em gestão na SulAmérica Investimentos, do que em criar um produto específico com um selo ou o nome ESG. Acredito que o mercado tem muita dificuldade em distinguir quem tem legitimidade e quem não tem. Nesse sentido, só o tempo vai dizer quem trata o tema a sério e quem faz greenwashing.
Uma coisa é certa: hoje os fundos de pensão, os family offices, os investidores institucionais e até os investidores pessoa física querem, cada vez mais, alocar seus recursos com propósito, responsabilidade e sustentabilidade. Ganham as empresas que já estão avançadas nas quatro etapas da jornada ESG no mercado de gestão de ativos, e as que estão em constante evolução nesse sentido. O ESG é o presente e o futuro dos investimentos.
* Marcelo Mello é Vice Presidente de Investimento, Vida e Previdência da SulAmérica, onde atua desde 1997. Em 2005, assumiu o comando da SulAmérica Investimentos. Em 2015, passou a liderar também as operações de Vida e Previdência. Com mais de 25 anos de experiência no mercado financeiro, incluindo passagens pelo Lloyds Bank e pelo Banco Multiplic, o executivo é graduado em Administração de Empresas pela FAAP, com MBA em Gestão Empresarial pelo ITA.
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