A contratação de um plano de benefícios previdenciários, pela sua facultatividade, traz em seu âmago a confiança do participante contratante nas instituições e na segurança jurídica. Afinal, o participante contribuirá por longos anos (20, 30, 40 ou mais) e, durante este período, confiará que, ao final da jornada, terá o almejado benefício previdenciário.
Esse fator é de beleza singular e aumenta a responsabilidade do setor, que responde por 12,9% do PIB ativo total (R$ 1,1 trilhão investido), em conferir a segurança jurídica dessas contratações. Segurança essa que o Estado oferece ao inserir, na Constituição, a Previdência Privada no Título VIII — Da Ordem Social, Capítulo II — Da Seguridade Social. Mas não é só. O Estado está aparelhado para acompanhamento dessas contratações e sua constante atualização.
Nesse sentido, os órgãos de regulação e fiscalização são atuantes e sempre presentes nas Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs): o Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), regulador, e a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), fiscalizadora. Costumo afirmar, sem medo de errar, que inexiste uma entidade ou um plano de benefícios de previdência complementar sem que o Estado não tenha autorizado e participe ativamente das suas atividades. Também o controle jurisdicional tem sido efetivo nas contratações efetuadas no âmbito da gestão dos planos de benefícios por parte das entidades.
Sem perder em momento algum a segurança jurídica, o certo é que, com seu aspecto multidisciplinar, a previdência privada e a gestão de contratos previdenciários é um negócio de escala. Quanto mais planos (hoje são 1.110 planos) e mais participantes (2,7 milhões ativos, 849 mil em gozo de benefício e 3,8 milhões de dependentes), melhores serão as entidades e, não é demais afirmar, melhor será a nossa sociedade. Teremos mais pessoas amparadas quando um dos eventos previdenciários se materializar (doença, invalidez, idade avançada ou morte). Nesse sentido, as normas, ao longo do tempo, viabilizaram com segurança estruturas previdenciárias visando essa escala e ganho na relação custo/benefício. Sem dúvida, quanto mais escala, menor o custo, quanto menor o custo, mais recursos serão capitalizados para os participantes.
Conforme é cediço, as entidades fechadas de previdência complementar não possuem patrimônio próprio (artigos 2º, 13, 23, 32 e 34 da Lei Complementar 109/01), na medida em que os recursos por elas geridos são afetados a uma finalidade estritamente previdenciária, qual seja, o pagamento de benefícios.
Nessa gestão desses recursos, o instituto da submassa é frequentemente utilizado para a segregação de patrimônio de determinado grupo de participantes no âmbito do mesmo plano de benefícios. Ao longo do tempo, o regramento desse instituto tem sido aprimorado, seja pelas Resoluções do Conselho de Gestão de Previdência Complementar (CGPC), seja pelo seu sucessor, o CNPC.
Nesse sentido, na esteira de regulações anteriores, as definições do mencionado instituto constam atualmente na Resolução CNPC 41, de 9 de junho de 2021 (publicada no DOU de 24/6/2021) [1]. E a regulação, como não poderia deixar de ser, traz para as submassas a segregação completa de todos os aspectos relevantes àquele determinado grupo de participantes (patrocinadoras, aspectos salariais e demográficos dos participantes e assistidos, bases familiares, valores de contribuições etc.). A independência patrimonial e inexistência de solidariedade entre as patrocinadoras das diferentes submassas de um plano de benefícios é questão basilar do referido instituto.
Como é sabido, a solidariedade não se presume, devendo decorrer da lei ou da contratação. No caso, para se considerar uma submassa solidária a uma outra submassa, para todas as vicissitudes de um plano de benefícios (positivas ou negativas), o convênio de adesão deve ter expressa essa manifestação de vontade. Portanto, nas submassas, a independência sobre todos os aspectos traz segurança jurídica para todos os atores do contrato previdenciário.
O instituto das submassas está na ordem do dia do Judiciário. O caso da Previdência Usiminas e da submassa da ex-patrocinadora Cofavi é um exemplo da relevância do tema, e é objeto do julgamento em pauta na 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O entendimento que vier a ser adotado será crucial para a estabilidade do sistema de previdência fechada.
No caso, a Cofavi, uma das patrocinadoras do plano de benefícios administrado pela antiga Femco (incorporada pela Previdência Usiminas), faliu em 1996 sem que tivesse cumprido com suas obrigações para o custeio dos benefícios assegurados pelo plano. A inadimplência da patrocinadora, seguida de sua quebra, levou ao exaurimento dos recursos que deveriam fazer frente aos benefícios de seus empregados.
Ocorre que, quando o convênio de adesão não prevê a solidariedade entre as submassas, a falência de uma das patrocinadoras, e a consequente falta de recursos de uma das submassas, não pode ter um efeito cascata sobre as demais submassas. A regulação foi construída justamente para impedir que o infortúnio de alguns contamine o equilíbrio financeiro e atuarial da parte sadia do plano e afete outros participantes cuja patrocinadora honrou com seus compromissos.
A regulação sistêmica desse instituto traz segurança na gestão dos planos de benefícios que contemplem submassas. O instituto é comum em diversos planos de benefícios e sua utilização tem sido cada vez mais recorrente. Entidades multiplanos podem e utilizam em larga escala essa possibilidade.
Para reflexão, registro que até mesmo planos complementares para servidores municipais, poderão, no futuro, integrar, com regras específicas, planos de benefícios que contemplem submassas. Não podemos olvidar que a maioria dos municípios não tem em seus quadros quantidade de servidores com salários superiores ao teto do Regime Geral da Previdência Social que justifique a relação custo/benefício da criação de um plano individual.
Ainda em conclusão, todos sentimos quando a patrocinadora de um plano de benefícios se torna inadimplente e até mesmo insolvente nos compromissos assumidos com os planos, o que reflete, consequentemente, nos benefícios dos participantes e assistidos vinculados a ela. No entanto, esse sentimento de solidariedade humana em relação aos participantes/assistidos vinculados àquela patrocinadora não deve e não pode contaminar participantes/assistidos de outras patrocinadoras que mantém hígidos seus compromissos.
Nesse sentido, quando se debate uma situação individual de um participante da submassa de um plano de benefícios, os marcos regulatórios garantidores da segregação não permitem o “contágio” dos ativos daquela submassa com os ativos das demais submassas do mesmo plano com patrocinadoras diferentes. Penalizaríamos milhares de participantes em submassas saudáveis sem qualquer fundamentação jurídica. Essa é a ordem natural, sob pena de trazermos insegurança jurídica para um percentual considerável dos planos de benefícios do regime fechado de previdência complementar.
Nossos tribunais superiores, na análise e julgamento de situações concretas, têm se tornado um dos pilares do fortalecimento da previdência privada, motivo pelo qual confiamos plenamente que esse caminho continuará a ser trilhado no presente e no futuro, inclusive no caso da Previdência Usiminas em pauta na 2ª Seção do STJ.
*Jarbas Antonio de Biagi é Diretor-Executivo da Abrapp.
Notas
[1] Artigo 7º. Entende-se por submassa um grupo de participantes ou assistidos vinculados a um plano de benefícios e que tenha identidade de direitos e obrigações homogêneos entre si, porém, heterogêneos em relação aos demais participantes e assistidos do mesmo plano. Parágrafo único. Poderá ser reconhecida a submassa em razão de aspectos relativos a controle e tratamento de riscos.
Artigo 8º. A existência da submassa em planos de benefícios pode ser reconhecida pela entidade visando assegurar transparência e permitir a identificação de direitos e obrigações dos grupos de participantes e assistidos de acordo com as regras constantes do regulamento. Parágrafo único. Uma vez reconhecida a submassa deve ser controlada de forma segregada.
Artigo 9º. A fundamentação técnica de identificação da submassa deve constar das notas explicativas as demonstrações contábeis do relatório anual de informações, e, caso se mostre necessário, da nota técnica atuarial, bem como do parecer atuarial.