A previdência comportamental incorpora comportamentos, padrões psicológicos e tendência de tomada de decisões, e o entendimento desses aspectos pode ajudar as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) a projetarem políticas estratégicas de maneira a promover maior adesão e engajamento dos participantes.
Explorando como os princípios da economia comportamental podem ser aplicados de forma estratégica na gestão das EFPC visando garantir uma aposentadoria confortável aos participantes, a Abrapp realizou o webinar “Previdência Comportamental”, nesta quarta-feira, 17 de abril, em conjunto com a Novaster.
Em 2023, entidades pagaram R$ 100 bilhões em benefícios paras seus participantes, o que mostra a formação de uma cadeia de proteção social, conforme disse o Diretor-Presidente da Abrapp, Jarbas Antonio de Biagi, enfatizando que o papel da Associação é fomentar os segmentos para que essa cadeia se estenda cada vez mais.
“Estamos trabalhando em formas de aperfeiçoamento e conseguindo cumprir nossa função constitucional. No Brasil, estamos na ordem social para proteger o indivíduo”, destacou Biagi. “Mas precisamos trazer as pessoas para o despertar da previdência”.
Assim, a ciência do comportamento tem papel fundamental para que haja esse maior engajamento e atração ao setor. Para explicar como isso afeta a previdência complementar, Diego Valero, CEO da Novaster e especialista em economia comportamental, compartilhou formas de entender o comportamento das pessoas com o objetivo de poder ajudá-las na aposentadoria.
Assim, ele apresentou alguns insights para explicar como funciona o comportamento humano:
- Às vezes nossos cérebros mostram coisas diferentes do que estamos vendo ao nosso redor.
- O modo como a informação é apresentada impacta a decisão das pessoas mesmo diante da mesma informação.
- Não temos capacidade de processar todas as informações, então pegamos uma série de elementos que moldam a nossa decisão, chegando a um certo grau de satisfação que não é ótimo, mas é suficiente.
- Nossa tomada de decisões está limitada a nossa capacidade cognitiva.
O que é a economia comportamental – O estudo da economia comportamental foi impulsionado pelo ganhador do Nobel de Economia em 2017 Richard Thaler, que segue uma linha de pesquisa que leva a economia para o lado humano.
Com base nesse estudo, Valero apresentou uma série de conceitos que explicam a economia comportamental, entre eles os sistemas de pensamento, que podem ser automático ou reflexivo, sendo o primeiro mais descontrolado e fácil, e o segundo mais controlado e trabalhoso.
“Cerca de 95% das decisões que tomamos são baseadas no sistema automático, e o reflexivo é utilizado menos, pois nosso cérebro é preguiçoso”, disse, explicando que o ser humano costuma usar “atalhos mentais” para tomar decisões, o que é uma heurística, que diz respeito ao procedimento mental que ajuda a encontrar respostas adequadas para perguntas difíceis, mesmo que essas respostas não sejam perfeitas.
“Isso é útil, mas nos leva a cometer erros de maneiras sistemáticas, chamados vieses”, explicou Valero, dizendo que esses erros são previsíveis, e é possível agir sobre eles. “Os erros podem ser cognitivos ou emocionais”.
Segundo ele, tudo isso está na economia comportamental que diz que o cérebro tende a tomar decisões em áreas de risco e incerteza sem processar informações, influenciado por uma ampla variedade de vieses comportamentais, o que, no campo financeiro, leva as pessoas a tomarem decisões erradas.
Esses conceitos foram aprofundados por Daniel Kahneman e Amos Tversky, que analisaram a relação entre heurísticas e vieses de comportamento, e criadores da teoria da perspectiva, que pode ser aplicado de forma prática no setor de previdência e tem três elementos-chave fundamentais:
- Os ganhos e perdas são percebidos não em valor absoluto, mas acima do nível de referência.
- Temos a tendência a sermos conservadores nos ganhos e de arriscar nas perdas.
- As perdas afetam mais que os ganhos.
Isso pode sugerir às EFPC separar as informações sobre ganhos e perdas. “Os benefícios devem ser separados das informações, de forma discriminada, enquanto as perdas devem ser agrupadas”, disse Valero.
Ferramentas da economia comportamental – Valero apresentou o conceito de nudging, que pode ser traduzido como “cutucada” ou “empurrãozinho”, e implica em como ajudar as pessoas a tomar melhores decisões vendo as coisas de maneira mais favorável. Segundo ele, esse “empurrão” deve:
- Ser transparente e nunca enganador.
- Ser voluntário.
- Conter boas razões para acreditar que o comportamento incentivado irá melhorar o bem-estar das pessoas afetadas.
Valero citou que a adesão automática é um tipo de empurrão positivo que facilita a adesão das pessoas às EFPC. “É bom para elas, para o seu futuro, para suas famílias, e é voluntário. Você entra no sistema por padrão, mas pode sair quando quiser”, explicou.
Outra ferramenta utilizada é a arquitetura da decisão, ou seja, como interferir com a trajetória das pessoas seja a mais adequada. “Essa ferramenta age sobre o sistema automático citado anteriormente”, disse Valero.
Ele citou um caso real da apresentação de opções de poupança em formatos mais ou menos granulares, na perspectiva diária, semanal ou mensal, e como isso afeta a taxa de aceitação de uma contribuição recorrente. “É a mesma coisa, mas a maneira como apresentamos as informações condiciona as nossas decisões”.
Como aplicar isso na previdência complementar – Ele explicou sobre o sistema chamado “Save more tomorrow”, traduzido como “Poupe mais amanhã”, baseado na inscrição automática e que permitiu que 26 milhões de norte-americanos economizassem para a aposentadoria.
Outro caso é um sistema inglês chamado Nest em que as empresas automaticamente inscrevem seus trabalhadores nos planos de aposentadoria, o que fez com que o número de pessoas com previdência complementar saltasse de 30% para 92%, e os 8% que optaram por sair refletem geralmente em pessoas mais idosas.
“Todos os sistemas inovadores e bem-sucedidos no mundo da previdência estão fundamentados na economia do comportamento”, ressaltou Valero. Ele explicou que isso acontece pois as pessoas tomam decisões com base no seu “eu presente” e no seu “eu futuro”, que possuem três lacunas:
- De identidade, ou seja, não nos vemos como adultos e não nos identificamos como adultos ou mais idosos.
- Da empatia, quando as emoções presentes superam as do futuro.
- Da tangibilidade, que faz comparação do estilo de vida presente e futuro.
“Visualizar esse momento futuro ajuda as pessoas a utilizarem o sistema de pensamento racional e reflexivo, o que ajuda a entender a necessidade de poupar para o futuro”, enfatizou o especialista.
Ele disse ainda que as prioridades mudam com o passar do tempo, o que significa que a aposentadoria não é um instante, mas um período em que muita coisa ocorre. “Precisamos construir sistemas previdenciários que sejam adequados à vida futura das pessoas”, destacou Valero, levando em consideração que as prioridades de um aposentado com 60 anos são diferentes das de alguém com 90 anos.
Vieses que afetam a previdência – Valero apresentou os principais comportamentos que afetam a decisão das pessoas de formarem uma poupança previdenciária. São eles:
- Inércia, que tem relação com hábitos, sendo que as pessoas normalmente optam pelas opções padrão. “As pessoas preferem as decisões fáceis e simples”, disse.
- Autocontrole, que é mais difícil no momento de decisão em um instante imediato, sendo que ao refletir por mais tempo as decisões podem ser mais bem pensadas. “Suas decisões de hoje determinam seu bem-estar futuro”, destacou.
- Aversão à perda, que leva as pessoas a entenderem que a poupança é uma perda. “As áreas do cérebro que acendem quando falamos em poupar são as mesmas que falam sobre perder. Se a poupança previdenciária for vista como prejuízo, ela não será poupada”, enfatizou Valero.
Com base na prática desses conceitos, o especialista concluiu que os sistemas de economia comportamental são a maneira mais efetiva de se desenvolver sistemas previdenciários.
Ele citou ainda que o desafio da desacumulação também é afetado pelo comportamento das pessoas. “No processo de desacumulação, nos enganamos comportamentalmente acreditando que há uma preferência por uma retirada única. Temos que trabalhar para que as pessoas recebam esses benefícios adequadamente”, disse Valero.
O palestrante disponibilizou um questionário para as EFPC responderem sobre pensões e finanças. Clique aqui para acessar.