Entrevista: É preciso que a nova legislação exclua as entidades fechadas do rol de serviços financeiros, diz Patrícia Linhares

A advogada Patrícia Linhares Gaudenzi, Sócia-Fundadora do escritório Linhares e Advogados Associados, em entrevista exclusiva ao Blog Abrapp em Foco, analisa o Projeto de Lei (PLP) nº 68/2024 para fins de tributação das entidades fechadas de previdência complementar (EFPC). A especialista explica porque a redação atual do projeto de lei distorce a tipificação da atividade de tais entidades, que estão submetidas à vedação legal de prestação de quaisquer serviços, inclusive financeiros.

“Para que a lei que regula o IBS e a CBS não nasça ilegal, é preciso que o texto final exclua as entidades fechadas do rol dos serviços financeiros”, diz Patrícia Linhares em trecho da entrevista. Leia na íntegra a seguir:

Blog Abrapp em Foco: Como o PLP nº 68/2024 classifica as entidades fechadas de previdência complementar para fins de tributação?  Por que essa classificação é inadequada?

Patrícia Linhares: O PLP 68 enquadra as entidades fechadas de previdência complementar como prestadores de “serviços financeiros”, que foram tratados na Emenda Constitucional nº 132/2023 como passíveis de “regimes específicos de tributação” para efeitos dos novos tributos criados com a reforma (IBS e CBS, imposto e contribuição sobre bens e serviços, respectivamente). Mas esta classificação distorce a atividade típica das entidades de previdência complementar, na medida em que os serviços financeiros são regulados por lei própria (Lei nº 4.595/1964) e submetidos à supervisão do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil.

As entidades fechadas, como se sabe, além de submetidas a órgãos regulador e fiscalizador vinculados ao Ministério da Previdência Social, estão adstritas ao exercício da administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária, sendo-lhes vedada a prestação de quaisquer serviços (inclusive financeiros) pela Lei Complementar nº 109/2001 (art. 32). Então é como se estivéssemos diante de um projeto de lei complementar que prevê a taxação de serviços que as entidades fechadas estão legalmente, também por lei complementar, proibidas de realizar. Veja que conflito de lei significativo nasce de um projeto como este; um projeto que já nasce ilegal.

Blog: Como surgiu esse equívoco na legislação?

Patrícia Linhares: Essa classificação equivocada é fruto de uma redação infeliz da Lei nº 8.212/1991 que uniu no rol das instituições financeiras diversas outras pessoas jurídicas não-financeiras para fins de determinação de acréscimo de alíquota da contribuição previdenciária patronal. E cá estamos 33 anos depois vendo o equívoco se repetir com um agravante: referindo as entidades fechadas de previdência complementar como “serviços financeiros” sendo que a própria Lei nº 8.212/1991 não faz essa menção e nem sequer diz que as entidades fechadas seriam “instituições financeiras”. Ou seja, com o passar do tempo as diferenças significativas entre as financeiras e não-financeiras foram desaparecendo ao olhar dos poderes executivo e legislativo a ponto de chegarmos a ter um texto que trata todas como parte de um gênero único.

Embora idealmente as entidades fechadas de previdência complementar tivessem que ter previsão expressa na Emenda Constitucional nº 132/2023 como excetuadas do conceito de serviços financeiros, a previsão da expressão “previdência privada” por si só não limita o poder do legislador de esclarecer que estão abarcadas em tal expressão as entidades abertas, dotadas de finalidade comercial, lucrativa e para as quais a vedação do art. 32 da lei Complementar nº 109/2001 não se aplica.

Blog: Qual seria a classificação correta?

Patrícia Linhares: Para que a lei que regula o IBS e a CBS não nasça ilegal, é preciso que o texto final exclua as entidades fechadas – ou as sem fins lucrativos – do rol dos serviços financeiros, assegurando-lhes o mesmo tratamento das demais instituições sem fins lucrativos (como associações, sindicatos, entre outros).

Blog: Por que as EFPC não devem receber tratamento tributário como as demais instituições financeiras como bancos, seguradoras e entidades abertas? Qual a expectativa de reverter o direcionamento do PLP nº 68/2024 neste aspecto?

Patrícia Linhares: Como falamos, a atividade típica das entidades fechadas é totalmente diversa das instituições financeiras e demais não-financeiras listadas no PLP 68. Além de serem as únicas daquele rol que não visam o lucro, são também as únicas pessoas jurídicas da lista que não possuem atividade comercial, concorrencial, mas exclusivamente social. Os relatórios da Secretaria de Previdência Complementar mostram isso a cada trimestre, sendo inquestionável o exercício concreto da atividade de pagamento de benefícios previdenciários – e não exclusivamente veículo de acumulação. Ao colocar as entidades fechadas de previdência complementar lado a lado com as abertas, seguradoras e empresas de capitalização e bancos, é como se estivéssemos olhando apenas uma parte do desenho real da previdência complementar, apenas a parte da acumulação, desconsiderando-se que no caso das entidades fechadas essa acumulação somente ocorre para pagamentos de complementação de aposentadoria e pensão, sendo menos de 10% resgatada como ruptura do contrato previdenciário.

Certamente não faltam evidências para subsidiar a exclusão das entidades fechadas do rol de serviços financeiros no PLP 68/2024 e todos estamos apostando nossa expectativa de que a ilegalidade hoje presente no projeto seja sanada antes de sua aprovação, sob pena de criarmos um ambiente de insegurança jurídica, contencioso massivo e desestímulo à implementação da reforma tributária com repercussão a milhões de trabalhadores, servidores públicos e seus familiares vinculados aos planos de benefícios operados pelas entidades fechadas de previdência complementar.

Shares
Share This
Rolar para cima