A discussão sobre a marcação do passivo a mercado e ajuste de precificação, no âmbito do Conselho Nacional de Atuária (CNA), tem provocado debates entre especialistas e representantes de entidades de previdência complementar. A proposta, que faz parte da revisão da Resolução CNPC nº 30, está sendo avaliada com cautela devido aos impactos significativos que pode gerar tanto do ponto de vista contábil quanto estrutural no equilíbrio dos planos de Benefício Definido (BD).
O membro suplente representante da Abrapp, Daniel Pereira, explicou ao Blog Abrapp em Foco que, atualmente a precificação é feita com base em uma estrutura a termo da taxa de juros, calculada a partir de uma média histórica de cinco anos, conhecida como “corredor Previc”.
Além disso, as entidades realizam estudos de convergência para validar se a taxa aplicada no passivo está coerente com essa estrutura. Trata-se, portanto, de um modelo que privilegia a estabilidade e que não é diretamente influenciado pelas oscilações do mercado.
Uma possível mudança nesse modelo substituiria o sistema atual por uma marcação a mercado, que implicaria utilizar, por exemplo, o rendimento de NTN-Bs com durations compatíveis ao passivo dos planos. Pereira pontuou que isso traria um efeito direto sobre o valor do passivo. “Quanto maior a taxa de juros, menor o passivo atuarial”. Em um cenário de juros altos, como o atual, essa mudança até poderia beneficiar momentaneamente as entidades, mas o histórico recente revela os riscos dessa abordagem.
O especialista destaca que, quando foi feito um teste retroativo utilizando essa metodologia entre 2020 e 2021, período marcado por juros e inflação baixos, a aplicação da marcação a mercado teria gerado aumento expressivo dos passivos, o que colocaria muitos planos em situação de insolvência e exigiria planos de equacionamento que, na prática, não ocorreram justamente por conta do modelo atual, que suaviza as oscilações do mercado.
Ajuste de precificação – Outro ponto fundamental abordado pela CNA é o ajuste de precificação. Hoje, as entidades podem comprar títulos públicos com taxa superior àquela utilizada na precificação do passivo (por exemplo, NTN-B com cupom de 7%, enquanto o passivo é calculado a 5%).
Essa diferença de dois pontos percentuais representa um ganho econômico relevante, embora não registrado contabilmente no balancete. “Em 2024, essa ferramenta foi essencial para evitar déficits em muitos planos, que, graças ao aumento do spread, conseguiram amortecer resultados deficitários sem necessidade de planos de equacionamento”, disse Pereira.
Ele alerta que uma eventual revisão dessa sistemática deve ser feita com muito critério e parcimônia, pois mexe diretamente na estrutura de financiamento dos planos. “É preciso quantificar os efeitos dessa proposta, inclusive testando-a em cenários de juros baixos”, ressaltou
“Essa discussão no CNA trata de um ajuste estrutural da norma de precificação do passivo. Fazer tal ajuste sem uma análise robusta dos efeitos pode gerar consequências às entidades”, pontuou Pereira.
Ao resumir os debates mais recentes no âmbito da CNA, Raphael Barcelos, membro da comissão representando a Abrapp, destaca a preocupação com a possível extinção do ajuste de precificação sem a previsão de uma regra de transição.
Em entrevista, ele ressaltou que a aplicação desse ajuste vem sendo essencial para melhorar a situação deficitária dos planos e, embasada em estudos técnicos, a prática permite que os planos levem os títulos até o vencimento, gerando ganhos de longo prazo que são fundamentais para o equilíbrio atuarial.
As reuniões mais recentes com coordenadores regionais das comissões da Abrapp também confirmaram as preocupações, segundo Barcelos, trazendo posicionamentos alinhados quanto à importância de manter o ajuste de precificação com algum tipo de transição, e à necessidade de análises mais profundas sobre os impactos da nova metodologia proposta para taxa de juros.
O CNA deve apresentar, até 22 de abril, uma proposta considerando não apenas os ganhos de curto prazo em cenários favoráveis, mas os riscos sistêmicos de longo prazo, preservando a solvência e a sustentabilidade dos planos previdenciários.