O dever fiduciário é a ética aplicada à gestão de longo prazo. Foi essa a tônica da abertura do 6º Seminário Dever Fiduciário, que acontece nesta quarta-feira, 30 de julho, em formato online. Com mais de 500 espectadores acompanhando ao vivo, o evento proporciona uma reflexão sobre o fortalecimento do sistema, com foco em três eixos fundamentais: ética, governança e sustentabilidade.
“É crucial reafirmar que a Previdência Complementar Fechada é um patrimônio coletivo de confiança e de credibilidade”, destacou Devanir Silva, Diretor-Presidente da Abrapp, na abertura do seminário. “A imagem construída ao longo de 40 décadas é sustentada por uma atuação firme, técnica, transparente e comprometida com o interesse dos participantes e assistidos”, continuou.
Responsáveis por pagar benefícios com segurança, previsibilidade e dignidade, as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) possuem um dever de longo prazo, não apenas de entregar resultados atuariais e financeiros, mas também sobre como a gestão desses recursos é realizada.
“Esse compromisso ultrapassa as métricas financeiras, e toca diretamente o valor mais importante do sistema: a confiança”, reiterou Devanir, lembrando que o setor é um dos mais bem regulados do país, o que torna a governança praticada pelas EFPC sofisticada, técnica e transparente. “O dever fiduciário não é um conceito abstrato; é o coração da nossa atuação”, pontuou.
Regulação ASG – Um dos pontos primordiais em discussões sobre longo prazo atualmente é o quanto as práticas Ambientais, Sociais e de Governança, conhecidas como princípios ASG, são aplicadas nas estratégias das organizações. E no sistema de previdência complementar, esse tema vem evoluindo também na legislação. O tema foi tratado na palestra “O Dever Fiduciário Na Era da Regulação ASG: O que Mudou para os Fundos de Previdência”, que teve Raquel Castelpoggi, Coordenadora do Comitê de Sustentabilidade da Abrapp, como moderadora.
A evolução do setor com relação aos aspectos ASG nos investimentos se traduz em normativos. Desde as primeiras legislações, com as Leis Complementares nº 108 e 109 de 2011, as EFPC já eram cobradas pelo cumprimento de deveres e responsabilidades de suas governanças.
Mais adiante, com a Resolução CGPC nº 13, de 1º de outubro de 2004, a gestão, o controle e o risco dos investimentos ficou mais evidenciado, sendo um documento mais conceitual que estabelece princípios a serem adotados pelas EFPC vinculados à governança.
Alcinei Rodrigues, Diretor de Normas da Previc, traçou esse panorama ao longo da palestra, destacando a importância da Resolução Previc nº 23, que representa um avanço normativo ao consolidar, em um único documento, dispositivos que viabilizam a aplicação das normas já citadas. “Ela traduz a necessidade da supervisão baseada em riscos”, disse. Segundo ele, a norma busca ser mais objetiva, concisa e direta, de forma a tornar as demais regulações exequíveis.
Entre os principais pontos da Resolução 23, Alcinei chama atenção para o Ato Regular de Gestão, conceito que já era tratado na CGPC nº 13, mas “de maneira dispersa”, segundo ele. “A Resolução 23 traz clareza ao conceito, vinculando-o à governança da entidade”, pontuou.
Conectando esse aspecto ao dever fiduciário dos gestores, Alcinei ressalta que a gestão deve ser compreendida considerando o porte e a complexidade da entidade, respeitando a razoabilidade de cada realidade. Nesse contexto, o trabalho da Comissão de Autorregulação da Abrapp, no qual atua como observador, e que recentemente revisou seus códigos para que fiquem aderentes à realidade de cada EFPC.
Mas para garantir que a gestão esteja sendo feita da maneira exigida pela regulação, as entidades devem fazer registros, atas, normas e ter procedimentos claramente definidos. “As decisões e deliberações, sejam dos conselhos ou das consultorias, devem estar sempre registradas, como parte da proteção e responsabilidade fiduciária dos gestores”, enfatizou Alcinei.
O Diretor da Previc reforça que esse processo é evolutivo tanto para as entidades como para os órgãos reguladores, incluindo a discussão sobre ASG. A trajetória desses princípios ficou mais forte com as Resoluções do Conselho Monetário Nacional. Alcinei cita os atos normativos nº 3.792/2009; nº 4994/2022; até chegar na Resolução CMN nº 5202/2025 que, em conjunto com a Resolução Previc nº 23, torna os critérios mais efetivamente exigidos, com as EFPC obrigatoriamente devendo tratar com uma seção dedicada ao assunto.
Alcinei adianta que a Previc fará uma nova atualização da norma alcançando novo patamar de exigências imperativas e obrigatórias. “Vamos exigir um plano que terá uma hierarquia, ou seja, cada investimento, em cada carteira, com determinadas características, deve ser classificado como material e relevante, estabelecendo os critérios ASG, criando-se uma métrica e indicador para esses ativos”. Essas métricas,ao longo do tempo, devem ser traduzidas em relatório. Ele reiterou que a atualização da norma será colocada em audiência pública.
Ao encerrar sua fala, Alcinei reforça que os avanços na agenda ASG ocorrerão gradualmente, acompanhando a evolução da gestão e da supervisão e, mesmo em casos de gestão terceirizada, cabe à entidade exigir informações. “ASG é, antes de tudo, uma questão de gestão de riscos, com impactos concretos sobre o passivo trabalhista, imagem institucional e questões ambientais”.
Relatório de informações – A produção de relatórios sobre práticas ASG já é uma realidade ao redor do mundo que vem sendo aprimorada com o avanço da regulamentação. Denys Roman, Fundador e Consultor Sênior na blendON, destacou que o relatório voluntário da IFRS, que trata da divulgação de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, cria normas desenvolvidas por entidades internacionais para monitorar a conformidade das empresas com o tema.
A IFRS já divulgou duas normas de sustentabilidade: IFRS S1 e IFRS S2. A primeira trata do princípio geral para a divulgação. Já a segunda é sobre o tema clima. Segundo o palestrante, a IFRS começou a tratar primeiramente do assunto clima, porque um dos principais riscos ao longo dos próximos 10 anos está muito ligado a questões climáticas, como perda de biodiversidade, e uma série de mudanças que estão cada vez mais frequentes.
“Os riscos de uma mudança climática estão afetando com uma velocidade muito grande os fluxos de caixa das companhias”, disse Denys. Ele explica que a estrutura das normas traz alguns princípios fundamentais que servem para cada assunto relevante, e a empresa deve explicar como isso é tratado na governança e como se conecta na estratégia da entidade, na gestão de riscos, e quais as métricas e metas estabelecidas.
Além disso, a Resolução CVM nº 193 trouxe a obrigação para todas as empresas de capital aberto da elaboração e divulgação do relatório de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade, com base no padrão internacional. O calendário da resolução trouxe a divulgação voluntária no exercício de 2024 e 2025. Já o exercício de 2026 vai ser obrigatório, com prazo até maio.
“Essa demonstração obriga as organizações a ter uma asseguração razoável por uma auditoria com registro na CVM. Já a partir do exercício de 2027, com divulgação em 2028, a norma fala em divulgação junto com as demonstrações financeiras”, explicou Denys.
A Resolução do Conselho Monetário Nacional nº 5.185/2024 também consolida os critérios gerais para elaboração e divulgação de demonstrações financeiras pelas instituições financeiras e outras instituições autorizadas pelo Banco Central. Nesse caso, o exercício de 2027 vale para as instituições de maior porte segundo critérios do Bacen, e no exercício de 2028 se torna obrigatório para as demais instituições.
Responsabilidade das EFPC – Marco Túlio Coutinho, Especialista da UniAbrapp, trouxe uma reflexão sobre a evolução da responsabilidade das entidades de previdência complementar diante do novo cenário da regulação ASG, relembrando que o pacto social de pagar benefícios vai além das questões financeiras, o que reflete uma tendência global entre grandes alocadores: “Eles estão saindo do binômio risco-retorno para o tripé risco, retorno e impacto”, disse
Desmistificando o conceito de impacto, Coutinho disse que não se trata de “abrir mão do retorno” ou de um ativismo ambiental ingênuo, mas de “medir para onde os benefícios das ações estão indo”. Isso está diretamente relacionado à lógica do ‘triple bottom line’ – Pessoas, Planeta, Lucro, onde o lucro continua sendo essencial, mas deve estar equilibrado com legado e responsabilidade socioambiental.
Além disso, medir o impacto passa a ser uma “obrigação de medir o efeito real do que está sendo feito”, o que se insere no ato regular de gestão e fortalece a proteção das entidades diante de riscos de ativos e passivos. “Essa questão da gestão de risco, de ativo e de passivo, pelas fundações, está sendo incrementada com a exigência do Conselho Monetário Nacional de tratar melhor a ASG”, reforçou o especialista.
Segundo ele, a tendência é que o Brasil siga o caminho internacional de mensuração de impacto, o que exige evolução dos relatórios das entidades, como mencionado pelos demais palestrantes. Coutinho enfatiza que a ideia central não é proibir investimentos, mas garantir que seus efeitos estejam documentados e analisados. Ele lembra que o compromisso global com o PRI de transformar as coisas em algo mais sustentável, a pressão de grandes stakeholders e a oportunidade de proteger os interesses da entidade estão alinhados com o Ato Regular de Gestão.
Entre as ferramentas disponíveis para elaboração desses relatórios está o Guia Prático para Integração ASG na Avaliação de Gestores, citado por Coutinho como um ponto de partida. Para a gestão terceirizada, é possível exigir o preenchimento de formulários e a assinatura de termos de compromisso, anexando-os aos relatórios da entidade como parte de sua sustentabilidade. “O futuro é a padronização e a ‘accountability’, e essa transformação sistêmica está próxima”, completou.
Geração de valor – A sustentabilidade não deve ser vista apenas como uma obrigação pelas EFPC, mas sim como uma ferramenta que gera valor. Segundo Maria Paula Soares Aranha, Sócia Administrativa da PFM Consultoria e Sistemas, embora o resultado financeiro seja importante, a geração de valor no longo prazo é igualmente essencial, especialmente para garantir o futuro dos beneficiários.
A palestrante afirmou que o momento atual exige ética, inovação e responsabilidade, destacando a necessidade de pensar em soluções sustentáveis, mas também cuidar das pessoas que estão sendo excluídas com as novas cadeias produtivas, criando alternativas para que todos possam se beneficiar das transformações.
Além disso, é importante olhar o ASG dentro das práticas de investimentos porque, ao comparar o que se faz com as melhores práticas, é possível identificar melhorias que podem ser incorporadas à cultura, gestão e tomada de decisão.
Ela destacou que as boas práticas ajudam a lidar melhor com riscos e processos, e que a gestão de risco e os controles internos contribuem diretamente para o desenvolvimento do ASG. “A gestão de risco e os controles internos têm uma grande contribuição no desenvolvimento do ASG, tanto do ponto de vista de investimento como das demais áreas. Tudo que estiver relacionado ao social é muito relevante para as entidades fechadas”, disse.
Maria Paula ainda citou que para lidar com a longevidade é fundamental considerar o clima, apontando o impacto que as mudanças climáticas terão nos próximos anos. Também é necessário criar valor não apenas econômico, mas social e humano, pois o segmento cuida da vida das pessoas e precisa agir com responsabilidade e profissionalismo. Ela concluiu ressaltando que ASG exige esforço, mas traz resultados relevantes para as entidades e para a sociedade.
O 6º Seminário Dever Fiduciário é uma realização da Abrapp, com apoio institucional da UniAbrapp, Sindapp, ICSS e Conecta. Patrocínio Ouro: PFM Consultoria e Sistemas. Patrocínio Bronze: Apoena