A necessidade de modernização do regime disciplinar e a delimitação da competência do Tribunal de Contas da União na fiscalização do sistema de entidades fechadas foram os temas debatidos na plenária 3 do 20º Encontro Nacional de Advogados das Entidades Fechadas de Previdência Complementar nesta segunda-feira (25/08), em Brasília.
Frademir Oliveira, Consultor Jurídico da Previ e presidente da plenária, alertou para a necessidade urgente de modernização do Decreto nº 4.942/2003, que rege o processo administrativo sancionador do setor. O especialista comentou que em mais de 20 anos, a legislação e a regulação do setor mudaram, assim como também o órgão de fiscalização, a Previc, avançou para a implantação da supervisão baseada em riscos. “O decreto permanece com dispositivos que não traduzem essa evolução. Alguns ajustes técnicos são urgentes e há uma necessidade explícita de integração com a Lei nº 9.784/99”, comentou.
Para ele, a tipificação e a dosimetria do decreto carecem de atualização dos catálogos infracionais, alinhando ao marco regulatório do setor e ao ato regular de gestão, com a integração de conceitos que orientam a supervisão baseada em risco. Isso deve acontecer, segundo o consultor da Previ, sem que se abra mão da responsabilização dos dirigentes e profissionais, a exemplo do que já acontece em outras autarquias. “Modernizar o Decreto nº 4.942/2003 significa dar previsibilidade e efetividade ao regime sancionador, procurando preservar a estabilidade dos planos”, disse.
Em relação à delimitação da competência do TCU, segundo Frademir, as entidades fechadas de previdência complementar são autônomas e de natureza privada. Por isso, o tribunal não deve exercer a fiscalização direta sobre tais entidades. “A competência para fiscalização direta do setor é da Previc. O TCU não pode substituir a Previc no papel fiscalizador sobre as EFPC, pois as entidades fechadas não integram a administração pública. Seu patrimônio é privado e pertence aos participantes e assistidos”, justificou.
Contudo, o TCU tem procurado reafirmar sua competência para a fiscalização direta sobre as entidades com a sobreposição de ações sobre o perímetro regulatório da Previc. “A atuação do TCU na fiscalização do setor gera insegurança, conflito de conformidade e custos adicionais”, disse Frademir.
Instruções do TCU – Ainda sobre a competência do Tribunal de Contas da União, Leandro Santos da Guarda, Procurador Chefe da Previc, comentou sobre a Instrução Normativa TCU nº 99/2025 e as alterações trazidas pela IN TCU nº 100/2025. Segundo ele, um ponto positivo é que a IN nº 99 estabelece que a atuação do tribunal deve ocorrer prioritariamente sobre os órgãos do sistema financeiro. No caso específico da previdência complementar, o TCU deve concentrar sua atuação na Previc e nos patrocinadores. Além disso, a norma promove uma organização mínima entre a atuação do TCU e da Previc, evitando sobreposição de funções.
“A ideia de que o TCU deve priorizar sua atuação perante a Previc, e de que precisa ouvir a autarquia antes de iniciar qualquer processo, aponta para um bom caminho. É uma oportunidade de mostrar ao TCU que, quando a Previc já tiver atuado em determinado caso, não faz sentido que atue sobre os mesmos fatos”, destacou.
Outro aspecto relevante da instrução normativa é que, em seu artigo 9º, a norma indica como será a atuação do TCU. Neste sentido, o tribunal deve avaliar a conformidade dos investimentos, a governança e o controle de riscos. Também deverá avaliar a supervisão das patrocinadoras sobre as entidades e os riscos atuariais.
“Entendo que esse tema é importante não apenas para as entidades que possuem patrocínio público federal, mas para todo o setor, pois é uma discussão afeta a imagem do segmento. O que me preocupa é quando temos duplicidade de punições pelos mesmos fatos, ou seja, duplicidade de regime sancionador. Se observarmos casos recentes, o TCU atuou sobre fatos em que a Previc já havia atuado”, ressaltou.
Leandro Guarda disse que esse duplo processo sancionador causa desequilíbrio e ilegalidade. Porém, a IN nº 99 já traz alguns avanços com os quais se pode trabalhar. Além disso, há um acordo de cooperação técnica em discussão entre a Previc e o TCU. O acordo está em fase de negociação dos termos. Segundo ele, a expectativa é de que, avançando nessa discussão, seja possível trazer novos elementos de coordenação na atuação do tribunal em relação às entidades, garantindo coerência e respeito às competências de cada órgão.
“Os pontos trazidos pela IN nº 99 são extremamente relevantes e representam um avanço importante para a discussão sobre a dicotomia entre a competência e a atuação da Previc e os limites de intervenção do TCU dentro do nosso sistema como um todo”, afirmou o debatedor Marcones Gonçalves, Sócio Fundador do escritório Marcones Gonçalves Advogados.
Decreto Sancionador – Para Flávio Martins Rodrigues, Sócio Sênior da Bocater Advogados, deve-se reconhecer que o Decreto 4942/2003 representou um avanço significativo para o setor na época em que foi instituído. Antes dele, não havia uma norma regulamentadora bem estruturada. O decreto de 2003 estabeleceu uma estrutura regulatória com bases mais sólidas com referência nas Leis Complementares 108/2001 e 109/2001.
Contudo, passados mais de 20 anos, a regulação precisa ser modernizada devido às inúmeras transformações da sociedade e do setor. “Não foi apenas a previdência complementar brasileira que mudou. A previdência complementar mudou no mundo inteiro. Quantos temas são revisitados nos países que possuem previdência complementar? É uma estrutura em constante renovação”, comentou Flávio Martins. Ele lembrou que hoje há um consenso que a supervisão não deve ser baseada em riscos passados, mas sim em riscos presentes para evitar problemas maiores.
“Pouco importa uma multa muito grande se o participante registrou uma perda em sua cota por um investimento que não obedeceu rito qualificado de decisão. Atualmente, deve predominar a Supervisão Baseada em Risco, que é o que deve animar a revisão do Decreto nº 4.942/2003”, apontou o especialista. Ele explicou que onde houver mais risco, deve haver maior acompanhamento e punição; mas onde houver menos risco, deve ocorrer menor acompanhamento e menor punição.
Outro elemento fundamental, segundo Flávio Martins, é a valorização do ato regular de gestão, que já era previsto na Resolução CGPC nº 13/2004. Mais recentemente, o ato regular foi especificado na Resolução Previc nº 23/2023. “O que é importante no ato regular de gestão é a vinculação ao processo decisório. É preciso promover uma decisão informada, com informações qualificadas necessárias para tomar decisão”, comentou. O ato regular visa maximizar os ganhos das reservas que garantam o benefício contratado e deve pautar a modernização do Decreto Sancionador.
Por fim, a nova regulação deve privilegiar as formas consensuais de resolução dos problemas. “A solução do problema não está no auto de infração. Deve-se buscar a solução consensual entre a autarquia fiscalizadora e a entidade para chegar a um termo para melhor forma de resolução do problema”, disse Flávio Martins.
Ana Carolina Oliveira, Advogada Sócia da Aco Advocacia, coincidiu que atualmente existe um consenso que o Decreto 4942/2003 foi importante e cumpriu com seu papel. Contudo, hoje é inegável que precisa de uma atualização. “Atualizar o decreto não significa flexibilização. Ao contrário, é possível elaborar uma norma muito mais efetiva que há 20 anos”, comenta a advogada.
Pirâmide – A nova regulação, segundo Ana Carolina, deve se adaptar aos princípios da Supervisão Baseada em Risco e deve considerar uma regulação responsiva, em que o órgão regulador responde ao regulado de maneira proporcional a sua conduta e de maneira escalonada. Ela defendeu um modelo de fiscalização que funcione como uma pirâmide, cuja base deve ser formada por ações de orientação, com regras que estimulem a governança e a conformidade.
No meio da pirâmide, devem existir os Termos de Ajustes de Conduta (TAC), ainda sem as punições. Por fim, no topo deve existir a aplicação de sanções efetivas e severas quando realmente houver dolo, fraude ou má gestão. “O topo da pirâmide deve ser formado por punições das condutas que demandam atitude dura da fiscalização. Mas antes disso, devem prevalecer outros pilares de orientação”, disse.
Ana Carolina também destacou o ato regular de gestão como uma premissa de boa fé dos gestores. Para comprovar o ato regular, existe a necessidade de documentação do processo decisório com a rastreabilidade para confirmar sua existência. Para a especialista, o novo regime disciplinar deve privilegiar a comprovação do ato regular de gestão para a avaliação da conduta dos dirigentes e profissionais das entidades fechadas.
O 20º Encontro Nacional de Advogados das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (ENAPC) é uma realização da Abrapp, com apoio institucional da UniAbrapp, Sindapp, ICSS e Conecta. Apoio Ouro: Ana Carolina Oliveira Advocacia, Atlântida Perícias, Bocater Advogados, BTH Bottomê Advogados, JCM Consultores, Linhares & Advogados Associados, Marcones Gonçalves Advogados, Tôrres e Corrêa Advocacia, Vieira Rezende Advogados. Apoio Prata: Gomes Gedeon Advocacia, JMorales Advogados, Pagliarini Advogados, Raeffray Brugioni Advogados. Apoio Bronze: Andrade Maia Advogados, Braga de Andrade Advogados, Caldeira, Lôbo Advogados Associados, MLC Messina Lencioni Carvalho Advogados Associados, PFM Consultoria e Sistemas, Romeu Amaral Advogados, Santos Bevilaqua Advogados.