Artigo: ESG a serviço do dever fiduciário dos investidores institucionais – *Por Carolina da Costa

Carolina da Costa, Mauá

O termo ESG, Environment, Social, and Governance, resultou da publicação do relatório Who Cares Wins, Connecting Financial Markets to a Changing World, uma iniciativa conjunta desenvolvida pelo Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU), juntamente com diversas instituições financeiras nos anos 2000. Já no início de 2005, as Nações Unidas juntamente com um grupo dos maiores investidores institucionais do mundo se juntaram para desenvolver algumas premissas para balizar as atividades financeiras em prol de um desenvolvimento corporativo sustentável. Como resultado, foram desenvolvidos os Princípios para o Investimento Responsável (PRI). Os Princípios foram lançados em abril de 2006 na Bolsa de Valores de Nova York, e desde então, o número de signatários cresceu de 100 para mais de 3.000 que representam mais de US$ 100 trilhões de ativos. Isso demonstra o poder que investidores, juntamente com consumidores, têm de influenciar grandes empresas a aprimorar o modus operandi dos negócios.

ESG não deve ser entendido como produtos, processos ou conjunto de métricas/informações que municiam compliance. Tais atributos são insumos ou meios. ESG é um modelo mental sistêmico que inclui no planejamento da inovação, na gestão e no monitoramento dos negócios, aspectos materiais que afetam o equity e criação de valor dos negócios ao longo do tempo.

Por anos, ESG foi interesse secundário da maioria dos investidores. Contudo, o crescimento expressivo de recursos sob gestão da parte dos fundos de pensão e investidores institucionais no mundo faz com que seja impossível diversificar riscos sistêmicos sem considerar impactos sociais e ambientais nos portfolios de investimentos. Não se trata de conteúdo radicalmente novo ou dissociado dos parâmetros de análise e inovação nos negócios. Significa uma evolução do modelo mental de análise a serviço da melhor precificação de ativos e calibragem de riscos. Vale frisar que somente na America Latina, de acordo com 90 grandes empresas associadas ao Carbon Disclosure Project (CDP), o risco climático reportado em 2019-2020 foi da ordem de US$ 261 bi.

Segundo a Morningstar, até o primeiro semestre de 2020, os ingressos líquidos em fundos ESG alcançaram U$ 21 bilhões, e no Brasil, os fundos registrados como Ações Sustentabilidade e/ou Governança cresceu 26% entre julho de 2019 e julho de 2020.  Ainda, segundo dados do Global Sustainable Investment Alliance, o total de investimento responsável no mundo está em torno de US$ 31 trilhões e o investimento de impacto corresponde a cerca de US$ 500 bilhões sob gestão, em 2018, sendo que 1.300 organizações financeiras se envolveram com esses tipos de ativos.

Para além da razão ética (que deveria ser o principal ponto de partida a ensejar o modelo mental ESG), ESG também gera retorno financeiro. Isso se dá, especificamente, quando análise financeira se baseia em itens ESG que impactam materialmente determinado setor. Uma referência para itens de materialidade ESG é o SASB – Sustainability Accounting Standards Board – que elenca itens ESG relevantes para cada uma das 77 industrias do seu sistema de classificação. Um estudo de Mozaffar, Serafeim e colegas (Harvard Business School) mostrou que bom desempenho da empresa em itens relevantes do ponto de vista de materialidade ESG em um determinado setor (ex. na indústria de varejo de alimentos: emissão de gases de efeito estufa, uso eficiente de energia, práticas justas de trabalho e maketing/propaganda responsáveis) refletiam em melhor resultado financeiro ao longo do tempo. Já bom desempenho em itens ESG não-materiais para determinada indústria não afetava o resultado da empresa.

Outro estudo da Harvard Business School, conduzido por Serafeim e colegas, demonstrou que empresas que desenvolveram processos organizacionais para medir, gerenciar e divulgar sua atuação em fatores ESG no início dos anos 90 tiveram um desempenho superior, comparado ao grupo de controle setorial, em 18 anos seguidos. Outro estudo de 2017 da Nordea Equity Research reportou que de 2012 a 2015 empresas com maiores ratings ESG superaram as de menores ratings em 40%! O índice global de ações MSCI ESG Sustainable Impact Metrics – que acompanha mais de 8 mil empresas envolvidas nos temas de impacto socioambiental – apresentou um retorno de quase 25% em 2019, valor semelhante ao índice geral de ações, MSCI ACWI, que teve em torno de 27% de ganhos. Portanto, a chave para a nova geração de investimento com orientação ESG é o foco na materialidade do ESG.

Em termos de dever fiduciário, da mesma forma que é míope assumir que investimentos com orientação ESG significam sacrificar ganhos, também é míope assumir que dever fiduciário é apenas garantir retorno financeiro no curto prazo. Investidores institucionais e fundos de pensão possuem mandatos intergeracionais. Não podem ignorar fatores ESG que afetam ganhos no longo prazo. Canada, Reino Unido, Suécia já possuem regulações que exigem que seus fundos de pensão sejam exemplares em termos de investimento sustentável.

Um bom exemplo da força de investidores institucionais na agenda ESG é o recente relatório de 2020 do CPP (Canadian Pension Plan) responsável por gerir mais de U$ 400 bilhões de 20 milhões de canadenses. O relatório, dedicado à integração ESG, reforça a congruência entre a constante captura de materialidade ESG nos investimentos e a observância do dever fiduciário para entrega de resultados (nos últimos 10 anos, o fundo gerou retorno líquido de 9.9% anualizados). Algumas formas como a influência da agenda ESG se materializa nas decisões de investimento são:

-exercendo poder de voto/veto (“proxy voting principles”) na indicação de membros dos conselhos de administração, na busca por maior diversidade;

-cobrando princípios de governança e alinhamento de incentivos (remunerações) que contribuam para uma cultura de alto desempenho;

– exigindo que empresas reportem informações materiais sobre targets ESG (e não apenas políticas) e riscos climáticos de seus negócios (ex. SASB e TCFD)

– investindo em negócios que apoiem a transição energética para uma economia de baixo consumo de carbono para maior estabilidade climática. Vale frisar que o relatório World Economic Forum (The future of the nature and business, 2020) projeta custos de US$ 2,7 trilhões/ano até 2030 para transição para nova economia de estabilidade climática, o que inclui a necessidade de novas tecnologias que são críticas para 80% das novas oportunidades de negócios.

No caso do Brasil, integração ESG aos investimentos pode representar grandes oportunidades. O relatório do World Resource Institute Brasil (2020) aponta ganhos de R$ 2,8 trilhões no PIB na próxima década com economia de baixo carbono orientada às cadeias de infraestrutura inteligente, inovação industrial e agricultura sustentável. Somente na agricultura, poderia haver um incremento de R$ 19 bilhões em receitas, a restauração de 120 mil km² de pastagens degradadas e a redução em 42% das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). A adoção de melhores práticas ESG poderá valorizar a marca Brasil no mundo e fortalecer a posição do país como potência agroclimática. São poucos os países que podem desempenhar um papel tão estratégico na produção de alimentos com reduzida emissão de carbono e ao mesmo tempo mitigar efeitos do aquecimento global.

Investidores institucionais e fundos de pensão podem e devem exercer forte influência no reporte de impactos sociais e ambientais das empresas e na integração ESG aos negócios. Seus horizontes de investimentos mais amplos permitem que acompanhem empresas ao longo de vários anos para entender quais abordagens são mais efetivas em integrar fatores materiais ESG às estratégias dos negócios. Isso é justamente zelar em mais alta conta pelo patrimônio intergeracional ao qual respondem fiduciariamente.

*PhD, sócia da Maua Capital

(As opiniões e conceitos emitidos no texto acima não refletem, necessariamente, o posicionamento do 
Grupo Abrapp a respeito do tema, sendo seu conteúdo de
 responsabilidade do autor)
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