16º ENAPC: Ministro Marco Aurélio aborda papel do STF na defesa do estado democrático de direito 

Marco Aurelio Mello

O Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello (foto acima) realizou palestra magna no primeiro dia do 16º Encontro Nacional de Advogados das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (ENAPC) nesta quarta-feira, 11 de agosto. Ele fez uma defesa enfática do papel do STF na defesa da democracia representativa, da segurança jurídica e da Constituição Federal durante sua apresentação, que contou com mediação de Amarildo Vieira de Oliveira, Diretor Presidente da Funpresp-Jud. Mais cedo, a sessão de abertura do evento contou com apresentação do Diretor Presidente da Abrapp, Luís Ricardo Martins (foto abaixo), e pela Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST). 

O mais relevante fórum jurídico do sistema de Previdência Complementar Fechada reúne mais de 400 participantes em três dias de palestras e plenárias – até a próxima sexta-feira 13 de agosto. Logo no início de sua palestra, Luís Ricardo lembrou das comemorações do Dia do Advogado em homenagem aos mais de 1 milhão de profissionais da advocacia que atuam no país. E destacou a presença de palestrantes e debatedores dos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo nesta edição do ENAPC, o que demonstra o respeito que o Estado brasileiro tem em relação ao setor.

Luis Ricardo MartinsO Diretor Presidente ressaltou o momento virtuoso do sistema de Previdência Complementar Fechada, que se encontra em fase de pleno crescimento. “Estamos escrevendo um novo início da história de nosso segmento”, disse. Ele caracterizou o ciclo atual como de “reinvenção” para atender os novos tempos, para atrair os nativos digitais em face aos novos modelos de relações de trabalho. “Temos a necessidade de planos mais simples, de mudança de mindset e de uma nova cultura comercial. Precisamos vender planos para ampliar abrangência de nosso sistema, sem esquecer de nossa vocação previdenciária”, comentou.

Representando 14% do PIB com seu patrimônio, Luís Ricardo lembrou que o sistema alcança atualmente um elevado nível de solvência – acima de 100% – ocupando um lugar de destaque no cenário internacional. E recordou da estabilidade jurídica do setor que foi comemorada com o aniversário de 20 anos das Leis Complementares 108 e 109/2001. “Somos uma referência internacional em termos de arcabouço regulatório e de fiscalização”, disse. E destacou ainda o processo de certificação do ICSS, da capacitação da UniAbrapp e de Autorregulação do sistema Abrapp.  

Resiliência – O Diretor Presidente ressaltou o profissionalismo aplicado nas estratégias de longo prazo, que geraram resultados positivos ao sistema, encerrando o ano de 2020 com superávit e revertendo o déficit apontado em março daquele ano. Ele destacou o crescimento dos planos instituídos e planos família, além da previdência complementar dos servidores públicos, que mostram eficiência em sua gestão. “O sistema vem cumprindo integralmente sua missão de pagador de benefícios pagando R$ 70 bilhões por ano aos seus aposentados e pensionistas”, ressaltou, destacando que a pandemia trouxe à tona a necessidade de maior assistencialismo às pessoas e, junto à da reforma da previdência, abre uma janela de oportunidades para o sistema.

Outro fato importante foi o retorno do Ministério do Trabalho e Previdência, que representa a recuperação do cunho social para a área. Luís Ricardo defendeu os estímulos fiscais necessários para incentivar o crescimento e a maior abrangência da Previdência Complementar Fechada no Brasil. O dirigente disse que o sistema permanece na agenda prioritária do governo e dos ministérios. Exemplo disso, é o Projeto de Lei de Harmonização das Previdências Aberta e Fechada, que contempla medidas de fomento há muito defendidas pela Abrapp e suas associadas, como a inscrição automática, a figura do instituidor corporativo, segregação patrimonial, entre outras. 

Luís Ricardo enfatizou a interlocução com representantes do governo nas discussões em torno da Reforma Tributária. Ele destacou o agradecimento aos representantes da Secretaria de Previdência, Secretaria de Política Econômica e Previc que possibilitaram o aperfeiçoamento do substitutivo do PL 2337. E enalteceu as mudanças nas propostas da Reforma Tributária que retiraram as ameaças ao fim da regra de diferimento tributário para os planos de benefícios das EFPC. Em sua fala, ele destacou a interlocução com representantes dos Ministérios, em especial dos Secretários de Adolfo Sachsida, Edson Bastos e Bruno Bianco, além do Subsecretário do Regime de Previdência Complementar, Paulo Valle, e do Diretor Superintendente da Previc, Lucio Capelletto, entre outros.

Maria Cristina Irigoyen PeduzziMudanças trabalhistas – A Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi abordou o impacto da pandemia nas relações de trabalho e as mudanças nos modelos de trabalho a partir do cenário da Quarta Revolução Industrial. A Presidente do TST traçou um histórico dos ciclos das relações de trabalho desde a Revolução Industrial, passando pelo Taylorismo, Fordismo Toyotismo até chegar aos dias atuais, com o fenômeno denominado de Uberização, no qual predominam as plataformas virtuais na relação entre consumidores e produtores.

E como fica o Direito do Trabalho diante de um contexto de mudanças aceleradas? A Ministra falou sobre a necessidade de um novo enfoque sobre direitos e deveres de ambos os lados para garantir segurança jurídica. “As normas antigas já não respondem mais ao cenário da Revolução Tecnológica 4.0 do século 21. Essa revolução foi catalisada com ainda mais forte pela crise sanitária da Covid-19, que teve um efeito acelerador das mudanças”, comentou.

A Presidente do TST explicou que o paradigma existente já não responde ao momento atual em que se vive uma mudança acelerada na economia e no modo de produção. O setor de saúde, por exemplo, passou por forte valorização durante a pandemia. E não se pode pensar em saúde sem pensar em Previdência, segundo a Ministra. O agravamento da crise econômica provocado pelas restrições da pandemia também afeta as relações de trabalho e o modo de produção. O processo de substituição do trabalho humano pela tecnologia e inteligência artificial, que já vinha de antes, também foi acelerado, ganhando maior envergadura.

A Ministra citou trabalho do Professor José Roberto Afonso que mostra que a tecnologia vem ganhando mais espaço desde tarefas mais mecânicas até as mais complexas. A  expansão do uso da inteligência artificial vem provocando redução de custos de produção nas mais diversas atividades da economia. “Precisamos normatizar a nova normalidade. A mudança não está imune a conflitos com a redução da mão-de-obra e novas relações de trabalho”, comentou. Ela citou a Reforma Trabalhista de 2017 como uma tentativa de garantir maior segurança jurídica com a valorização do papel da negociação coletiva. A Ministra falou da importância de disciplinar o trabalho autônomo no contexto do novo  mundo tecnológico e explicou que o principal foco da Reforma foi a flexibilização dos contratos e a negociação coletiva.

Ela abordou ainda a tendência de crescimento do trabalho remoto, com custos reduzidos, que deve prevalecer parcialmente. “A tecnologia será grande aliada para se alcançar os novos paradigmas. Mas sempre deve persistir a preocupação de proteger o trabalho humano e os novos conceitos de trabalho digno”, disse. A Ministra disse que é um momento de união entre empresários e trabalhadores para buscar equilíbrio social e manutenção do emprego e do trabalho.

Defesa da democracia – A palestra magna contou com a mediação de Amarildo Vieira de Oliveira que agradeceu a presença do Ministro Marco Aurélio. Ele lembrou da importante atuação do Ministro na criação da Funpresp-Jud, com a edição da Lei 12618/2012, que permitiu o surgimento de mais de uma EFPC para os poderes da União. No início de sua apresentação, Marco Aurélio também agradeceu o convite da Abrapp, na figura de Amarildo Vieira, com quem atuou quando nos anos de 2001 e 2002. Na época, Amarildo atuou como assessor do Ministro no tribunal.

Em sua palestra, o Ministro fez uma defesa eloquente de quase uma hora e meia de duração da importância do papel do STF como guardião da Constituição Federal e do estado democrático de direito. “Não podemos dar um passo sem estarmos submetidas a uma regra jurídica. Vivemos no estado democrático de direito. Todos devem se submeter às regras, tanto do Executivo, Legislativo e também do Judiciário. Inclusive o STF”, disse.

O Ministro caracterizou a defesa da Constituição Federal como função fundamental do STF. E questionou as constantes alterações realizadas na Constituição, em contradição de seu conceito de norma permanente. Lembrou que o documento foi emendado mais de uma centena de vezes, mas que para isso é necessário uma aprovação qualificada – três quintos dos votos da Câmara e do Senado em dois turnos. Além disso, reforçou que há matérias que não podem ser mudadas, como o sufrágio universal, o sistema federativo pátrio com a divisão em governo federal e governos estaduais, entre outras.

Ele defendeu que o Supremo deve atuar como órgão único integrado, evitando tomar decisões discrepantes. Disse que atuação do STF é uma empreitada que impõe novas fronteiras à sociedade e que deve se pautar  baseada em princípios humanísticos. As leis são feitas para os homens, não o inverso”, disse.

O Ministro expressou também sua visão que o estado não deve ser protecionista. “A legislação é protecionista, mas o estado deve ser liberal”, comentou. E disse que no campo da Previdência, esse princípio é muito importante. Disse que o estado na função de  julgador, muitas vezes acaba favorecendo uma situação individual, mas prejudica o coletivo. “As regras devem ser observadas. No campo sensível da Previdência Privada deve prevalecer o sistema atuarial em que as despesas devem corresponder às receitas”, defendeu. Ao explicar temas de interesse difuso, enquadrou a Previdência Privada, que deve colocar em primeiro plano o interesse coletivo.

Momento de crise – Marco Aurélio explicou que a atuação do STF costuma repercutir com mais importância em momentos de crise como o que vivemos hoje. Disse que o Supremo está inserido na sociedade e que, por isso, deve evoluir também junto com a sociedade. O tribunal deve se mostrar aberto e moderno e comunicar com clareza, coerência e integridade a fixação das teses. “O STF precisa mostrar pelo exemplo; precisa ser técnico; positivista. Deve dar uma lição importante para a sociedade brasileira, mostrando que o que se busca é a estabilidade e a segurança jurídica”, disse. Defendeu ainda a rigidez dogmática como forma de transmitir um sentimento de estabilidade ao cidadão, com pouco espaço para a subjetividade.

Voltou a defender que as decisões relacionadas aos fundos de previdência devem seguir o sistema atuarial, que considera as receitas e despesas. “Não pode ocorrer descompasso de forma a criar obrigações para gerar proteção. Os fundos são sólidos e devem ser submetidos a regras rígidas que não podem ser alterados”, defendeu Marco Aurélio. Mas esclareceu também que o respeito às regras não quer dizer interpretação estática. É sempre fundamental promover atualização das interpretações.

Intolerância – O Ministro abordou também o complexo cenário atual com a emergência de fundamentalismos e tendência à intolerância em vários campos. Falou do descrédito do Legislativo como um problema e citou a perseguição à imprensa e as fake news como fatores que desafiam a democracia no momento atual. “Vemos o aumento da perseguição às garantias individuais e à imprensa. Vivemos tempos de impessoalidade, de fake news e ameaças virtuais. A sociedade digital não tem abraço, não tem olhos nos olhos. Normaliza-se a mentira e a calúnia. Abandonou-se a checagem das fontes”, disse.

Em face de tantos desafios, Marco Aurélio destacou o papel da Justiça para minimizar instabilidades e garantir a segurança jurídica. Disse que a democracia participativa na era digital tem melhores condições de se manifestar. E que o STF tem concorrido para defesa do sistema constitucional, catalisando os debates, mas sem deixar de intervir, com papel mais importante ainda quando canais políticos estejam obstruídos. “Temos de minimizar os riscos das incertezas e prestigiar valores caros aos cidadãos: a paz perpétua, cosmopolita, e a solidariedade”, comentou.

Ele relacionou o princípio da solidariedade com a atuação dos fundos de previdência. E terminou incentivando que todo cidadão deve ser guardião da democracia e dos direitos humanos na construção de uma sociedade livre, solidária e justa.

O 16º ENAPC é uma realização da Abrapp, com apoio institucional da UniAbrapp, Sindapp, ICSS e Conecta. Patrocínio Ouro: Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados; Junqueira de Carvalho e Murgel Advogados Associados; Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados, MMLC Advogados Associados; e Tôrres, Corrêa, Oliveira Advocacia. Patrocínio Prata: Bothomé Advogados. Patrocínio Bronze: Atlântida Perícias e Santos Bevilaqua Advogados.

Leia a cobertura completa do 16º ENAPC nas próximas matérias.

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