18º ENAPC: Pesquisadores e juristas debatem os desafios das mudanças no mercado de trabalho e da proteção social

A plenária 2 do 18º Encontro Nacional dos Advogados das Entidades Fechadas (ENAPC) reuniu pesquisadores e juristas para discutir as mudanças aceleradas no mercado de trabalho e os desafios para a proteção social dos trabalhadores. O painel contou com apresentações da Advogada e Professora da UERJ, Carolina Tupinambá, do Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Breno Medeiros, e do Economista e Pesquisador, José Roberto Afonso. 

A abertura ficou por conta de Fábio Lucas de Albuquerque Lima, Procurador Federal e mestre em Administração Pública pela FGV, que disse que os meios de produção com a tecnologia da informação e comunicação, com a ciência, estão mudando radicalmente a visão social do trabalho. “Se de certa forma, ganhamos com o aumento da produtividade, com os mecanismos de supervisão dos trabalhadores, por exemplo, em que se usa muita tecnologia, tendem a se horizontalizar. Mas muitas vezes, como acontece no teletrabalho, o trabalhador fica invisível em termos de progressão na carreira”, comentou. 

O procurador discutiu as mudanças provocadas pela Revolução 4.0, impulsionada pelo avanço da inteligência artificial. “Novas questões éticas estão surgindo, como ficarão as relações de trabalho, mais democratizadas ou racionalizadas? Nesse cenário, tentamos discutir quais são as soluções de proteção previdenciária”, comentou Fábio Lucas. E defendeu que, nesse contexto, a Previdência Complementar deve ter papel fundamental para proteger os trabalhadores em uma sociedade em acelerada evolução. Ele citou a importância das iniciativas de criação de planos família, instituídos corporativos, PrevSonho, entre outras inovações.

Para a Advogada e Professora da UERJ, Carolina Tupinambá, existem cinco fatores que mais impactam na constituição do novo mercado de trabalho. O primeiro logicamente é a evolução da tecnologia. “A tecnologia mudou drasticamente a forma como as pessoas trabalham e interagem no trabalho. Ao lado da tecnologia, temos a globalização, que trouxe a possibilidade de se trabalhar em qualquer lugar do mundo para qualquer outro lugar”, disse. 

Outro fator importante é o ingresso das novas gerações no mercado de trabalho, porque quando se fala em trabalho e previdência, foi algo pensado em uma época em que o trabalhador tinha um perfil diferente.

Além disso, mais um ponto são as soluções diferenciadas de conflito. “Antigamente, quando as coisas não davam certo as pessoas iam para a justiça do trabalho e não tinha muito espaço para algo diferente. Hoje não é mais assim, atualmente falamos muito mais sobre soluções dialógicas, em novos espaços de soluções de conflitos. Até mesmo dentro dos próprios tribunais existem soluções mais cooperativas”, comentou Carolina.

Por último, hoje se percebe uma fissura no tipo de ambiente de trabalho, pois a mão de obra é tomada de forma terceirizada, ou de forma autônoma. E ainda há espaços de linhas produtivas espalhadas pelo globo. Ou seja, se perdeu aquela identidade de categoria. A ideia de união de confronto Capital X Trabalho ficou muito mais pulverizada.

Novo ambiente de trabalho – Carolina Tupinambá explicou que antes, o trabalho era uma coisa só por toda a vida, mas hoje não é mais assim. A forma de trabalho precisa ser mais criativa, mais inovadora e capacitada. “E como paradoxo, esse ponto de você ser mais capacitado ainda compete com a inteligência artificial, em um mundo que se tem cada vez menos possibilidade de trabalho pois a máquina faz tudo”, ponderou.

Além disso, a intenção também passa a ser diferente, porque antes se trabalhava apenas para pagar as contas. Mas hoje tem muitas pessoas que estão trabalhando com a finalidade de viver melhor e se sentir úteis. 

Breno Medeiros, Ministro do TST, também abordou o conceito da quarta revolução industrial, dando como exemplo, o advento dos caminhões autônomos nos EUA. Disse que os caminhoneiros atuais devem chegar até aposentadoria, mas que não haverá a formação de uma nova geração de caminhoneiro.  

O avanço da inteligência artificial e da internet das coisas está gerando um grande número de trabalhadores redundantes, que são dispensáveis para a atividade produtiva. Um exemplo é o trabalho nos portos, que começou a mudar com a criação do container, que dispensou um enorme número de carregadores. Depois, com a supervisão do raio x, dispensou os conferencistas. Até chegar ao ponto em que o Porto de Roterdã (Holanda) ficou conhecido como porto fantasma pelo fato de não ser operado por seres humanos.

O Ministro do TST disse que não vai adiantar muito discutir o direito do motorista do Uber, pois em pouco tempo não existirá mais este tipo de motorista. Com o advento do Uber autônomo, nem sequer haverá motorista para dirigir os carros. 

Os operadores do direito, incluindo os membros do TST, devem entender que as relações de trabalho estão mudando totalmente e que já não é possível aplicar as legislações baseadas no mercado de trabalho que funcionava apenas com vínculo empregatício. “Temos de entender isso, temos de perceber para onde vai o mundo”, defendeu. 

Geração Z – Breno Medeiros fez referência inclusive à sociedade 5.0, que significa um avanço à revolução 4.0. “Será uma etapa que deverá ter o ser humano como centro, essa é a ideia principal da Geração Z. Eles querem qualidade de vida e preocupam-se muito com o ASG. Buscam um ambiente ecologicamente e socialmente sustentável e não querem que a empresa faça tudo pelo lucro”, explicou.

Os novos trabalhadores nascidos entre 1995 e 2019 querem tomar conta da administração de suas carreiras, por isso, preferem o trabalho por conta própria. “Eles procuram desenvolver a si mesmos e o ambiente em volta deles. E não querem mais dependência econômica”, disse. É uma geração que chega com uma nova visão de mundo, com formação mais multidisciplinar, pois conhece diversos assuntos.

O Ministro do TST demonstrou preocupação em garantir condições mínimas para os novos trabalhadores. “Temos de prestar atenção ao trabalho pelos aplicativos, por exemplo do Uber. Temos de dar o mínimo para os trabalhadores”, defendeu. Ele explica que a Justiça Trabalhista tem adotado uma postura que o trabalhador 5.0 das startups já conta com uma postura mais emancipatória. 

“A ideia do TST é que as atividades mais simples não devem admitir pejotização. Já as atividades mais complexas, desenvolvidas por profissionais mais especializados, não têm vínculo empregatício.

Desafios da proteção social – O Economista José Roberto Afonso abordou os desafios da proteção e da previdência diante das mudanças do mercado de trabalho e defendeu que se deve adotar um olhar sobre as oportunidades que surgem em meio a um cenário de calamidade social. “A revolução que está vindo com a inteligência artificial pode afetar também os trabalhadores mais qualificados”, apontou. 

Além das mudanças nas relações trabalhistas, também surgem desafios para a proteção dos trabalhadores que até agora eram protegidos pelo estado de bem estar social. No pós-guerra foi montada toda uma estrutura baseada no emprego e no salário. O economista defendeu que a Reforma Tributária deveria tratar não apenas a tributação sobre o consumo. Mas a questão mais preocupante e complexa é como realizar a tributação de um salário que está virando água. Por trás dessa tributação social tem a seguridade social, que inclui, saúde, previdência, trabalho e assistência. 

José Roberto mostrou que o número de novas empresas, pelo MEI e pelo Simples foi mais que o dobro do número de novas vagas de emprego no pós-pandemia. Atualmente, os empregados com carteira assinada representam 38% da força de trabalho ocupada no país e os donos de negócios já representam 28%. Ou seja, os donos dos próprios negócios vai subindo e os empregados vão caindo. 

Esta tendência provoca uma redução drástica da arrecadação do INSS. É um fenômeno que tem acontecido há cerca de 12 anos e que os gestores públicos não estão percebendo isso ainda, explicou José Roberto.  

“Mais da metade dos trabalhadores ocupados no Brasil não possuem proteção social. Sequer têm previdência básica. Isso deve ser repensado. E a Previdência Privada terá um papel chave de eventualmente substituir a Previdência Social”, apontou. Os trabalhadores de maior salário acabam sendo expulsos do mercado de trabalho. A maior parte dos trabalhadores com renda acima de sete salários mínimos, não possui proteção da Previdência Social, que é justamente o público com que trabalham as associadas da Abrapp. 

Ele indicou que o maior desafio é aprofundar a discussão sobre as regras tributárias com o objetivo de incluir este segmento de trabalhadores com maior renda e que estão fora da Previdência Social. “Eles podem passar a contribuir para a Previdência Complementar para acessarem uma proteção no futuro. Isto não deveria ser uma política apenas do segmento da Abrapp, mas sim uma política pública, pois há grande número de trabalhadores sem uma proteção previdenciária básica”, disse. Há diversos desafios que devem ser debatidos urgentemente de como garantir direitos aos trabalhadores em um mundo sem carteira assinada, como amparar a população e como financiar a previdência e a proteção social. “Em todo caso, acredito que esta é a hora de fortalecer a Previdência Privada, com o olhar colocado no futuro”, comentou José Roberto.

Os debates e perguntas foram conduzidos por Inara Pinheiro Lages, Legal Manager do escritório Gomes Gedeon.  

O 18º ENAPC é uma realização da Abrapp com apoio institucional da UniAbrapp, Sindapp, ICSS e Conecta. Patrocínio Ouro: Atlântida Multi-Contábil – Perícias Contábeis; Balera, Berbel & Mitne Advogados; Barra, Barros & Roxo Advogados; Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados; Bothomé Advogados; Gomes Gedeon Consultoria e Advocacia; JCM – Junqueira de Carvalho e Murgel Advogados Associados; Linhares & Advogados Associados; Mattos Filho; Marcones Gonçalves Advogados; Pinheiro Neto Advogados; Tôrres e Corrêa Advocacia; Vieira Rezende Advogados. Patrocínio Prata: Andrade Maia Advogados; MMLC – Messina Martins Lencioni e Carvalho Advogados Associados; Santos Bevilaqua Advogados; Patrocínio Bronze: Allaw Advogados; Arruda, Alvim e Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica; Dino Andrade Advogados; Wambier, Yamasaki, Bevervanço & Lobo Advogados.

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