20º ENAPC: Afetação patrimonial e independência entre planos fortalecem a previdência complementar

A afetação patrimonial da reserva previdenciária é um dos temas mais estratégicos para o futuro do setor, já que visa proteger o dinheiro poupado pelos trabalhadores nos planos de previdência complementar, garantindo assim o contrato de confiança que o participante firmam com as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) no momento da adesão. O 20º Encontro Nacional de Advogados das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (ENAPC) reuniu especialistas para debater o assunto na manhã desta terça-feira, 26 de agosto, segundo dia do evento que ocorre em Brasília.

O debate tratou de como garantir essa proteção previdenciária ao separar uma parte do patrimônio dos planos e deixá-la guardada exclusivamente para um fim específico — no caso, garantir o pagamento das aposentadorias futuras. “Esses recursos garantem benefícios futuros e financiam infraestrutura e inovação, protegendo poupadores e preservando uma das maiores fontes de desenvolvimento do país”, disse a Gerente Jurídica da Funcef, Karoline Alves Crepaldi, durante a plenária.

Para introduzir a discussão, o advogado sócio fundador do escritório Tôrres e Corrêa Advocacia, Maurício Tôrres, explicou que patrimônio é um complexo de relações jurídicas com conteúdo econômico, associado a uma pessoa e que, em situações de garantias, diante de uma necessidade econômica ou social, o patrimônio individual específico pode ser separado fazer frente a esta necessidade.

A afetação patrimonial, portanto, surge para garantir a separação de determinados bens do patrimônio de seu titular, que passam a servir a uma finalidade específica prevista em lei, constituindo exceção à regra da universalidade. “Trata-se de uma limitação à atuação do titular do patrimônio, justamente para assegurar o cumprimento da finalidade que justificou essa separação”, disse Tôrres.

Ele citou exemplos de patrimônio de afetação, como nos fundos imobiliários, que é composto pelos bens e rendimentos destinados exclusivamente ao fundo, permanecendo separados do patrimônio da administradora. Isso significa que tais recursos não podem ser usados para quitar dívidas da empresa que faz a gestão. 

De forma semelhante, nos planos de previdência de contribuição variável e em determinados contratos de seguros, a legislação determina que o patrimônio seja exclusivo desses planos, não se confundindo com o da entidade responsável por administrá-los. Em ambos os casos, a regra da afetação patrimonial assegura que os recursos sejam protegidos e destinados unicamente à finalidade para a qual foram constituídos, funcionando como uma blindagem contra eventuais obrigações da gestora.

Além disso, há o princípio da impenhorabilidade, que garante que esses recursos não sejam tomados por credores legítimos, reforçando a função social maior do patrimônio previdenciário e sua destinação para benefícios futuros e fomento de investimentos. 

O advogado explicou que a Lei Complementar nº 109/2001 também busca assegurar que as EFPCs são administradoras dos planos de benefícios, ou seja, é o plano que tem patrimônio, e não a entidade. “São várias as referências na lei complementar que colocam o plano de benefícios como detentores do patrimônio”, reiterou Tôrres. 

Ele disse que, à época da lei, ainda não havia tanta segurança jurídica e era preciso defender as entidades para evitar que o patrimônio fosse afetado. Para reforçar essa blindagem, a Resolução CGPC nº14/2004 atribuiu a cada plano de benefícios um código que o identifica perante a EFPC que o opere e perante todos os demais. Assim, determinou-se que “cada plano de benefícios possui independência patrimonial em relação aos demais planos de benefícios, bem como identidade própria quanto aos aspectos regulamentares, cadastrais, atuariais, contábeis e de investimentos”. Nesse sentido, os recursos de um plano não respondem por obrigações de outro. 

Com a criação do Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) para cada plano, estabelecida pela Resolução CNPC nº 31/2018, reforçou-se ainda mais a independência patrimonial entre os planos, garantindo que um plano não responda por obrigações de outro.

No entanto, ainda há insegurança jurídica em relação às submassas, que são grupos de participantes dentro de um mesmo plano com direitos e obrigações homogêneos entre si, mas distintos de outros grupos. A preservação das submassas é fundamental para evitar que decisões judiciais afetem recursos de participantes que não têm relação com o problema original, mantendo a eficiência e a segurança do sistema.

Submassas – Orlando Magalhães Maia Neto, sócio do escritório Ayres Britto, apresentou uma análise prática e focada de um caso jurídico envolvendo submassas em planos de previdência complementar, destacando a atuação da Abrapp na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 1025 proposta ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A ação trata de uma disputa judicial em que uma entidade de previdência buscava manter a cobrança de valores referentes a uma contribuição contratual assumida por uma patrocinadora. O caso passou por diferentes instâncias, inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reconheceu a validade da obrigação. Posteriormente, a questão chegou ao STF, onde foi discutida sob a ótica constitucional, especialmente em relação à proteção dos participantes e assistidos do plano de previdência. Orlando ressaltou que, na prática, decisões judiciais podem acabar impactando outras submassas, mesmo que juridicamente sejam independentes, o que demonstra a relevância econômica e institucional da preservação desse modelo.

Ele explicou que as submassas, que ganharam uma conceituação mais recentemente, em 2021, são grupos de participantes dentro de um mesmo plano, com direitos e obrigações homogêneos entre si, mas distintos de outros grupos, e que essa figura é importante para a eficiência e organização do setor. “Toda essa discussão sobre independência patrimonial, de segregação de direitos e obrigações, ganha um nível ainda maior de complexidade no caso da submassas por estarem vinculadas a um só plano de benefícios”, reforça.

O advogado relatou antecedentes de decisões judiciais que responsabilizaram EFPC pelo pagamento de benefícios de submassas cujas reservas não foram devidamente constituídas. Ele destacou que, embora formalmente as condenações atinjam a entidade, na prática os efeitos têm alcançado outras submassas, causando impacto indevido sobre recursos de participantes que não têm relação com o problema original. Orlando enfatizou que a preservação das submassas é crucial para evitar impactos negativos sobre participantes e entidades, mantendo a eficiência do sistema.

Cálculos de execução da sentença – Um dos temas abordados pelo Coordenador da Comissão Técnica Sudoeste de Jurídicos da Abrapp, William Minami, em sua apresentação na plenária tocou na questão da execução invertida. Esse instituto prevê a transferência do ônus do credor para o devedor para a apresentação dos cálculos de liquidação da ação em que foi condenado. Apesar de se tratar de um instituto que incide sobre a Fazenda Pública, há interpretações de que pode impactar também sobre outras organizações, inclusive as EFPC.

A questão já foi analisada pelo STF e pelo STJ, que reconheceram a vigência da execução invertida para a Fazenda Pública. Para as demais organizações, não há um consenso que pode ser aplicada, porém, o especialista indica que pode ser recomendável que as entidades fechadas tomem a iniciativa de preparar os cálculos de liquidação. 

Para Minami, a entidade pode se antecipar e apresentar os cálculos antes da execução. “Tem algumas vantagens. Facilita a vida do participante e pode evitar uma discussão mais alongada. Também evita a atuação da perícia. É conveniente que as entidades avaliem essa possibilidade”, diz o especialista.

No papel de debatedor, Eduardo Lamers, Superintendente Geral da Abrapp, comentou que a proteção ao poupador previdenciário deveria ser uma política pública de Estado prioritária para o fortalecimento e fomento da previdência complementar. “Deveria ser uma política pública para a expansão do segmento dada sua importância para a proteção social e para o desenvolvimento econômico do país”, disse.

O 20º Encontro Nacional de Advogados das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (ENAPC) é uma realização da Abrapp, com apoio institucional da UniAbrapp, Sindapp, ICSS e Conecta. Apoio Ouro: Ana Carolina Oliveira Advocacia, Atlântida Perícias, Bocater Advogados, BTH Bottomê Advogados, JCM Consultores, Linhares & Advogados Associados, Marcones Gonçalves Advogados, Tôrres e Corrêa Advocacia, Vieira Rezende Advogados. Apoio Prata: Gomes Gedeon Advocacia, JMorales Advogados, Pagliarini Advogados, Raeffray Brugioni Advogados. Apoio Bronze: Andrade Maia Advogados, Braga de Andrade Advogados, Caldeira, Lôbo Advogados Associados, MLC Messina Lencioni Carvalho Advogados Associados, PFM Consultoria e Sistemas, Romeu Amaral Advogados, Santos Bevilaqua Advogados.

 

(Com colaboração de Alexandre Sammogini)

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