20º ENAPC: Especialistas discutem a importância da regulamentação do uso da IA no Direito

O uso da inteligência artificial no Direito já é uma realidade. A discussão, agora, é sobre como regulamentar essa utilização, estabelecendo limites, garantindo ética e governança e identificando quais ferramentas são mais seguras para cada finalidade. Esse foi o tema do painel “Regulamentação e o Uso da IA na Automação Legal-Tecnológica”, realizado durante o 20º Encontro Nacional de Advogados das EFPC (ENAPC), nos dias 25 e 26 de agosto, em Brasília.

“Há mais de 30 anos, as pessoas mal sabiam o que era Internet, e hoje é algo corriqueiro. Esse momento é análogo ao uso da IA, uma tecnologia que ainda é pouco compreendida pela maioria dos usuários, mas está cada vez mais presente nas aplicações pessoais e corporativas”, afirmou Vanessa Curtinhas, Coordenadora da Comissão Técnica Sudeste de Assuntos Jurídicos da Abrapp.

Para ela, compreender o funcionamento da IA é uma competência essencial, pois permite usar as tecnologias com autonomia, avaliando seus limites, identificando riscos e garantindo alinhamento às diretrizes legais. “A IA cria novos conteúdos digitais, vem para otimizar e criar processos mais eficientes e entregar jurisdição de qualidade, atuando como facilitador. Precisamos nos especializar, entender e dar comandos”, acrescentou.

Vanessa destacou ainda que, na advocacia, a IA pode ser uma aliada desde que haja imparcialidade algorítmica e transparência. No caso da previdência complementar, há potencial para inovações disruptivas, mas que exigem treinamento, capacitação e revisão humana. Ela reforçou a importância de um marco regulatório que defina diretrizes claras para o uso da tecnologia no setor.

Na sequência, o professor da USP e especialista em Inteligência Artificial e Direito, Juliano Maranhão, comentou a Resolução nº 615/2025 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estabelece parâmetros para o desenvolvimento, utilização e governança de soluções de IA no Judiciário. Ele explicou que, como as IAs generativas são treinadas a partir de grandes volumes de documentos de toda natureza disponíveis na internet, e não apenas em bases jurídicas, surgem riscos específicos para seu uso no Direito.

Segundo Maranhão, as chamadas “máquinas estatísticas” correlacionam documentos, mas não reproduzem o raciocínio jurídico humano. “O risco está na redação persuasiva, que pode gerar a percepção equivocada de automação”, alertou. Ele lembrou que a resolução do CNJ permite o uso privado da IA, mas preferencialmente a partir de ferramentas habilitadas e monitoradas pelos tribunais, o que ainda é pouco comum. Além disso, reforçou que é vedado o uso de soluções que não permitam revisão humana.

Maranhão também apresentou resultados de uma pesquisa empírica conduzida pela Faculdade de Direito da USP. O estudo mostrou que, em 2024, metade dos magistrados e servidores entrevistados tinha familiaridade com IA, e cerca de 30% já utilizavam a tecnologia em suas atividades profissionais — principalmente para sintetizar documentos, gerar minutas a serem revisadas e pesquisar jurisprudência.

Complementando a análise acadêmica, Ricardo Alves, Diretor de IA da Atlântida Perícias e especialista em contencioso, trouxe exemplos práticos de aplicação. Ele lembrou que a previdência é um setor altamente regulado e juridicamente complexo, envolvendo cálculos e responsabilidades fiduciárias, o que torna essencial conciliar inovação tecnológica e segurança jurídica. “Como conciliar isso com a inovação tecnológica, mantendo a segurança jurídica?”, provocou.

Entre as ferramentas que já podem ser aplicadas no setor, Ricardo citou: automação de cálculos e apresentações, gestão do ciclo de vida dos contratos, recuperação de depósitos judiciais, triagem automática de publicações e intimações, jurimetria e organização de jurisprudência.

O painel também discutiu o futuro da IA no Direito. Maranhão destacou que já estão em andamento estudos sobre aprendizado de máquina para teste e melhoria de acurácia, além de tentativas de acoplar aos grandes modelos de linguagem (LLMs) maior capacidade de raciocínio jurídico. Segundo ele, o desafio é ensinar a máquina a reconhecer quando deve delegar ao humano, em vez de apenas imitar o raciocínio. “Em vez de saber determinar quando o humano deve delegar à máquina, é preciso saber ensinar a máquina a delegar quando algo é tipicamente humano”, resumiu.

Ao final, o debatedor Marcos Alves, Diretor Técnico do Escritório Moraes Alves, conduziu perguntas aos participantes, encerrando o painel.

O 20º Encontro Nacional de Advogados das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (ENAPC) é uma realização da Abrapp, com apoio institucional da UniAbrapp, Sindapp, ICSS e Conecta. Apoio Ouro: Ana Carolina Oliveira Advocacia, Atlântida Perícias, Bocater Advogados, BTH Bottomê Advogados, JCM Consultores, Linhares & Advogados Associados, Marcones Gonçalves Advogados, Tôrres e Corrêa Advocacia, Vieira Rezende Advogados. Apoio Prata: Gomes Gedeon Advocacia, JMorales Advogados, Pagliarini Advogados, Raeffray Brugioni Advogados. Apoio Bronze: Andrade Maia Advogados, Braga de Andrade Advogados, Caldeira, Lôbo Advogados Associados, MLC Messina Lencioni Carvalho Advogados Associados, PFM Consultoria e Sistemas, Romeu Amaral Advogados, Santos Bevilaqua Advogados.

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