Abrapp consolida visão sobre legalidade da troca de índices de reajuste dos benefícios

O webinar “A Possibilidade da Troca de Índices nos Planos de Benefícios” reuniu especialistas e consultores com o objetivo de consolidar o entendimento sobre a legalidade na atualização de indexadores como forma de preservar o equilíbrio dos planos. Organizado pelas Comissões Técnicas Sudoeste e Sul de Assuntos Jurídicos da Abrapp, o evento foi realizado nesta terça-feira, 14 de fevereiro, através de plataforma online. 

A abertura foi realizada por Eduardo Lamers, Advogado e Assessor da Superintendência-Geral da Abrapp, que explicou os motivos pelos quais a Associação tem acompanhado de perto os desdobramentos da ação judicial que questiona a troca de índices. Ele mostrou que a Abrapp está acompanhando o caso na condição de amicus curiae e envolve o monitoramento de todas as ações em âmbito nacional que versam sobre o questionamento da legalidade do §2º, do artigo 4º, da Resolução CNPC nº 40/2021. 

O caso apresenta “repercussão sistêmica dos entendimentos, com potencial desequilíbrio de dezenas de planos e prejuízo a milhares de participantes”, disse Lamers. Ele alertou também que se o sistema não se mobilizasse para reverter esse precedente, os prejuízos poderiam ser enormes, com dificuldade de recuperação. “Seria um efeito danoso com severo impacto”, comentou.  

Na condição de moderador, Cesar Furue, membro da Comissão Técnica Sudoeste de Assuntos Jurídicos da Abrapp, destacou a relevância do tema para a totalidade do setor de Previdência Complementar Fechada. Ele mencionou que, apesar do assunto não ter sido tratado na grade de eventos da Abrapp em 2022, como era planejado, o adiamento trouxe um aspecto positivo, que foi possibilitar a discussão neste momento de decisão favorável na Justiça a favor do sistema. É que a liminar que suspendia a troca de índice de inflação em plano de benefício de previdência complementar fechada foi derrubada por decisão unânime dos juízes do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), no início de fevereiroleia mais. Cesar ainda ressaltou a importância da participação dos quase 200 inscritos no evento.

Augusto Tavares, Gerente Executivo de Assuntos Legais e Regulatórios da Vivest, lembrou que a entidade vem discutindo a necessidade de troca de índices desde 2008. O debate ganhou força com o fim da emissão de títulos públicos indexados ao IGP. Contudo, como a Vivest ainda mantinha grande volume de títulos indexados ao IGP-M na carteira (NTN-Cs), a decisão pela substituição de indexadores foi adiada. 

O tema voltou ao centro da pauta da entidade com o vencimento de grande parte das NTN-Cs. Metade da carteira venceu até abril de 2021 e a outra metade tem vencimento marcado para 2031. Em todo caso, a aceleração do IGP-Di durante a pandemia já provocou grave desequilíbrio dos planos. Em 2020, o IGP-Di marcou 23,14%, sendo o principal responsável pelo déficit de R$ 6,9 bilhões nos planos da Vivest. Se o indexador fosse outro, como o INPC ou IPCA, o déficit seria de apenas R$ 800 milhões, o que dispensaria a necessidade de equacionamento de déficit. 

O Gerente da Vivest lembrou que a aprovação e publicação da Resolução CNPC n. 40/2021 reforçou a legitimidade para a troca de indexadores, mostrando inclusive os procedimentos para sua efetivação. O profissional disse entender que a permissão legal para a troca de indexadores já era garantida antes da norma do CNPC, com a Lei Complementar 109/2001 e decisão do Superior Tribunal de Justiça de 2015. O Recurso Especial n. 1463803/RJ definiu que não existe direito adquirido em relação ao índice de reajuste dos planos administrados pelas EFPC, inclusive para os benefícios concedidos.

Neste contexto, a Vivest promoveu a atualização dos índices, inicialmente, de dois de seus planos durante o ano de 2021. Para isso, seguiu todos os procedimentos indicados pela regulamentação no tocante à apreciação nos órgãos de governança, prazos e transparência na comunicação aos participantes e assistidos. Augusto citou ainda o parecer da Procuradoria Federal da Previc que indicou que não existe direito adquirido para a manutenção de indexadores. 

No final de 2021, porém, a Vivest foi surpreendida por decisão da Justiça que havia expedido uma liminar impedindo a substituição de índices. Imediatamente, a entidade se mobilizou junto com a Abrapp para contestar a posição da liminar. “A direção da Abrapp e o Eduardo Lamers fizeram um trabalho brilhante junto conosco para enfrentar uma batalha jurídica muito intensa”, disse o Gerente da Vivest. 

Ele destacou que a Previc também atuou como amicus curiae no caso e que se posicionou a favor da possibilidade legal da troca de índices. “Todo o sistema teve uma atuação bastante coesa para defender a sustentabilidade do Regime de Previdência Complementar”, disse. Toda essa atuação teve como consequência a derrubada da liminar em 1 de fevereiro de 2023 por decisão da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região. “A possibilidade de troca de indexadores é um elemento bom para participantes, assistidos, para entidades e para o sistema como um todo”, disse Augusto. 

Direito adquirido? – Antonio Carlos Soares Martins, Coordenador-Geral de Consultoria e Assessoramento Jurídico da Procuradoria-Geral junto à Previc, apresentou as justificativas para o parecer da Procuradoria-Geral da autarquia a favor da possibilidade da troca de índices. Ele explicou que a legislação e a regulamentação do setor apontam que é o benefício que é considerado como direito adquirido e não exatamente seu índice de reajuste. Disse que  a possibilidade de alteração do índice não traria afronta ao direito adquirido.

Ele também mencionou que outra questão tratada no parecer diz respeito à própria finalidade da atualização monetária, que é a manutenção do poder aquisitivo da moeda ao longo do tempo. A questão do índice está muito atrelada a sua adequação em relação ao bem jurídico de manter esse poder. “Sendo assim, não faz sentido utilizar um índice que seja inadequado. É preciso ter uma adequação que corrija o poder de compra”, disse.

Segundo o Coordenador-Geral, no que diz respeito à natureza do complemento de aposentadoria, que é alimentar, é necessária uma adequação juntamente ao consumo das famílias. “Precisa utilizar um índice adequado ao consumo de produto e serviço comumente utilizado por elas”, comentou.

Estudo econômico – Guilherme Benites, Sócio-Diretor da Aditus, apresentou as informações e comparações de estudo técnico elaborado pela consultoria a pedido da Abrapp. O estudo trouxe uma comparativo entre a evolução histórica dos índices dos grupos IGP e IPC, além dos itens que entram em suas composições. O levantamento serviu como suporte para argumentação da atuação da Abrapp e da Vivest na derrubada da liminar que impedia a troca de índices.

O consultor mostrou que o grupo IGP é composto por 60% do IPA (agricultura, pecuária e indústria), 10% INCC (construção civil) e apenas 30% do IPC 30%. Ou seja, 70% da composição do índice (soma do IPA com o INCC) não se refere aos preços ao consumidor. “Apenas uma parte menor do IGP tem correlação direta com os preços ao consumidor”, explicou Benites. 

No comparativo entre os grupos de índices desde 2010 até 2021, o estudo apontou para grande descasamento no período de pandemia e pós-pandemia. E que o IGP apresenta tendência de maior oscilação, mais que o triplo do IPCA. Enquanto o IGP-M apresentou desvio padrão de 7,57% no período estudado, o IPCA registrou 2,47%. O IGP-M ficou acima do IPCA em dois terços das janelas de tempo nos últimos 11 anos. 

Mas nenhum descasamento se mostrou tão intenso quanto em 2020 e 2021. “Percebemos um descasamento entre IGP-M e IPCA sem precedentes na história”, disse. O levantamento mostrou que o IGP-M registrou 23% de alta em 2020 e 18%, em 2021. A alta foi muito maior que o IPCA, que ficou em 5% em 2020, e 10% em 2021.

O problema poderia ser contornado caso existissem ativos indexados ao IGP no mercado. Porém, os títulos públicos que eram atrelados ao IGP-M, tradicionalmente as NTN-Cs, deixaram de ser emitidos em 2007. Um dos últimos lotes de NTN-Cs venceu em abril de 2020. Existe um lote com vencimento em 2031, porém esses ativos praticamente não estão disponíveis no mercado secundário, porque justamente são muito utilizados para a cobertura de passivos. Quem tem NTN-Cs, utiliza esses ativos para fazer hedge de passivo. Por isso, não estão disponíveis para aquisição no mercado secundário.

O levantamento da Aditus apontou ainda a inexistência de títulos privados indexados ao IGP-M. Nem os CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) e CRAs (Certificados de Recebíveis Agrícolas) não utilizam os índices do grupo IGP. 

O consultor considerou, então, que a única alternativa para superação das metas de planos atrelados ao IGP-M e IGP-DI seria a adoção de estratégias de maior risco. Porém, com um nível de risco muito alto, quando o mercado vai mal, o risco de déficit também aumenta. Por isso, a adoção de estratégias demasiadamente agressivas pode gerar um efeito looping, agravando ainda mais o desequilíbrio entre ativo e passivo. 

Análise econômica do Direito – Em sua apresentação, Eduardo Lamers destacou a utilização de uma abordagem de integração entre o Direito e a Economia e, para isso, reforçou a importância do alinhamento do trabalho da Abrapp com o estudo da consultoria. “Foi uma abordagem muito feliz que aliou o entendimento jurídico com a argumentação econômica”, comentou Lamers. 

O alinhamento entre as análises jurídica, da legislação e jurisprudência é um fator necessário para maximizar o bem estar social, segundo o advogado. Neste sentido, a linha de argumentação da Abrapp e do sistema defende a correlação entre ciclos econômicos e critérios de correção nos contratos. Para que o contrato seja perene, ele deve sofrer alterações ao longo do tempo”, indicou Lamers. 

“Em uma realidade cada vez dinâmica de contexto econômico e de alterações significativas no aspecto demográfico a cada década, é razoável supor que o contrato previdenciário não é e nem poderia ser estanque no tempo, merecendo alterações estruturais para sua melhor adaptabilidade à conjuntura contemporânea”, disse. Neste sentido, a manutenção de um índice reconhecido pelo próprio mercado como obsoleto, como é o caso do IGP-M, não traz segurança jurídica para a sociedade. 

Lamers defendeu que os índices têm a função de impedir a corrosão do poder de compra dos benefícios, nem para mais nem para menos. Ele destacou que o acórdão publicado pelo TRF da 3ª Região trouxe justificativas importantes para a derrubada da liminar, confirmando que o direito adquirido não se refere ao índice, mas sim ao benefício. E outro ponto fundamental do acórdão foi a confirmação do papel do CNPC como regulador do sistema, o que reforça a legalidade da Resolução CNPC n. 40/2021. 

O especialista lembrou que a ação ainda está em andamento, ou seja, a derrubada da liminar ainda constitui uma situação precária, mas que o mais importante é que a Abrapp e suas associadas encontraram uma linha de argumentação consistente.  

Érika Palma, membro da Comissão Técnica Sul de Assuntos Jurídicos da Abrapp, destacou a abordagem do caso da troca de índices que envolve aspectos não apenas jurídicos, mas também econômicos, atuariais e de governança das entidades e dos planos. A atuação frente ao tema impõe a necessidade de maior sinergia entre as áreas e especialistas. Disse também que a proteção do direito adquirido não deve estar dissociada da garantia do equilíbrio do plano de benefícios. Defendeu que é necessário proteger a todos, sejam participantes, assistidos, entidades e patrocinadores, como forma de alcançar o bem estar social.

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