Abrapp participa de julgamento do STJ em caso que discute possibilidade de revisão de coisa julgada em obrigações de trato sucessivo

Na próxima quinta-feira, 13 de março, está pautado para julgamento, na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), um caso envolvendo a Fundação Banrisul de Seguridade (REsp 2.166.724/RS, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi) que possui implicações sistêmicas não apenas para o setor da Previdência Complementar Fechada, mas também para todos os segmentos que mantém relações de trato sucessivo ou continuado. A Abrapp foi admitida como amicus curiae.

No caso em discussão, a Fundação Banrisul requereu, com fundamento no disposto no inciso I do art. 505 do CPC, a revisão da coisa julgada em razão da alteração no estado de direito advinda das teses fixadas pelo STJ no julgamento de dois recursos especiais repetitivos – REsp 1.207.071/RJ (Tema 540 – não incorporação da verba auxílio cesta-alimentação aos benefícios previdenciários complementares) e REsp 1.425.326/RS (Tema 736 – não incorporação de abonos aos benefícios previdenciários complementares). Sendo provido o recurso, a entidade se desonerará, a partir do ajuizamento da ação, do pagamento mensal dessas duas verbas.

Assim, em resumo, a Corte Especial julgará se as sentenças prolatadas em relações de trato continuado, ou seja, em que as prestações se prolongam no tempo, como as da previdência complementar fechada, estão sujeitas ou não à revisão, na forma prevista pelo art. 505, I, do CPC, quando a alteração no estado de direito decorrer de entendimento firmado em recursos repetitivos.

Entenda o caso – As Entidades Fechadas de Previdência Complementar foram bastante oneradas no passado com o pagamento de verbas indenizatórias, concedidas apenas para os ativos por meio de instrumentos coletivos de trabalho. São exemplos dessas verbas o “auxílio cesta-alimentação” e o “abono único” e o “abono de dedicação integral”. O Poder Judiciário deferia a incorporação dessas verbas aos benefícios sem observar os termos dos regulamentos dos planos, que não as previam dentre as verbas que compunham o salário de participação ou de contribuição, e sem que tivesse havido o prévio custeio. Essa jurisprudência vigorou por mais de uma década.

O STJ, então, ao afetar a temática a recurso repetitivo, analisou a matéria com fundamento na legislação de regência e concluiu que não era possível a concessão de verbas não previstas nos regulamentos dos planos de benefícios, pois a previdência complementar tem por pilar o sistema de capitalização, que pressupõe a acumulação de reservas para assegurar os benefícios contratados, de modo que o pagamento de verbas para as quais não foi observado o prévio custeio inviabiliza a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial, em prejuízo do conjunto dos demais participantes e assistidos.

Logo, a partir dos anos de 2012 (Tema 540 – auxílio cesta-alimentação) e de 2014 (Tema 736 – abonos), as Entidades Fechadas de Previdência Complementar não podem mais ser compelidas a pagar essas verbas, entendimento esse que possui efeito vinculante.

No entanto, quando essas teses foram firmadas, já havia muitas decisões transitadas em julgado impondo a incorporação dessas verbas aos benefícios previdenciários, de modo que várias Entidades continuam a pagá-las, mensalmente, a um grande número de assistidos, gerando um passivo de grandes proporções, que desequilibra e compromete a solvência de alguns planos.

Jurisprudência atual e expectativa – O Supremo Tribunal Federal, recentemente, ao julgar os Temas 881 e 885, em relações tributárias de trato sucessivo, entendeu que as alterações jurisprudenciais que autorizam a revisão da coisa julgada são aquelas ocorridas no âmbito do Sistema de Precedentes disposto no Código de Processo Civil de 2015, ou seja, em recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida; recursos especiais e extraordinários repetitivos.

A advogada Lara Corrêa Sabino Bresciani, do escritório Tôrres e Corrêa Advocacia, responsável pela defesa da Fundação Banrisul perante o STJ, observa que “a Corte, nesse julgamento, tem uma oportunidade de ouro de conferir às teses fixadas em recursos especiais repetitivos a força que o CPC/2015 pretendeu conferir, ou seja, natureza objetiva, eficácia vinculante e, portanto, válida para todos. A questão processual discutida não se restringe à previdência complementar fechada, mas envolve todos os setores que estabelecem relações de trato continuado, que precisam de segurança jurídica para exercerem suas atividades. A sentença proferida em tais relações possui um comando implícito conferido pela própria lei processual: permanecerá eficaz apenas enquanto não forem modificadas as situações fáticas e de direito (cláusula rebus sic stantibus) e é inegável que as teses vinculantes fixadas em recursos especiais repetitivos alteram o estado de direito.”

Para o Superintendente-Geral da Abrapp, Eduardo Lamers, o julgamento é de suma importância para o segmento da previdência complementar fechada, pois a revisão da coisa julgada “respeita a isonomia entre os dois grupos de participantes existentes dentro de um mesmo plano de benefícios (os que recebem essas verbas e os que nunca as receberão diante das teses vinculantes firmadas pelo STJ), garante a solvência dos planos de benefícios e protege o patrimônio previdenciário do conjunto dos demais participantes e assistidos (que deixarão de ser utilizados para o pagamento do auxílio cesta-alimentação e do abono de dedicação integral), trazendo, assim, maior previsibilidade e segurança jurídica a todo o regime fechado de previdência complementar.”

Tese inovadora – A Bothomé Advogados Associados, embrionariamente, desenvolveu a inovadora tese e atuou no pleito piloto de revisão da coisa julgada, em relações continuadas, perante a Justiça Estadual do RS, desde a distribuição e todos os atos processuais até o recurso especial. Fabrício Bothomé, Sócio do escritório, explica que foram realizadas audiências com magistrados, com o comparecimento à tribuna em sessões de julgamento. 

“O pedido está respaldado pelo sistema de precedentes em que está erigido o Código de Processo Civil, especialmente em seu artigo 927. Assim, conforme a melhor doutrina e jurisprudência, plenamente cabível a limitação da eficácia temporal de julgados contrários a um novo estado de fato ou de direito. Ou seja, um julgado anterior, ainda que transitado em julgado, se sobrevier julgamento sobre o mesmo tema controvertido em sentido contrário, proferido em sede de recurso especial afetado à regra dos recursos repetitivos, através do manejo da ação revisional, pode deixar de produzir efeitos”, diz o especialista. 

Ele destaca que é importante acrescentar que, no caso dos contratos firmados com entidades de previdência complementar, a aplicação prospectiva dos precedentes proferidos pelas Cortes Superiores evita que participantes de um mesmo plano sejam tratados de modo distinto, além de prestigiar o equilíbrio e a tutela do programa contratual, impactando e protegendo a higidez do sistema previdenciário complementar como um todo.

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