Artigo: “A inflação tem gerado maior preocupação” – Por Andressa Monteiro de Castro*, do BNP Paribas

Andressa Monteiro de Castro

No cenário macroeconômico global, a preocupação com a disseminação da variante delta contaminou o sentimento em relação à atividade no curto-prazo. Alguns indicadores de atividade de mais alta frequência, como índices de mobilidade, gastos no cartão de crédito, fluxo de viagens e reservas em restaurantes, têm sinalizado uma desaceleração da recuperação, que vinha ocorrendo em ritmo forte pós reabertura. Apesar dessa interrupção, os fundamentos para o fortalecimento da atividade ao longo desse ano, como a vacinação, a reabertura e o efeito dos estímulos fiscais e monetários fornecidos até aqui, nos trazem otimismo com a retomada do crescimento mundial.

Embora nossa visão sobre a atividade seja positiva, a inflação tem gerado maior preocupação. A disseminação da variante delta agravou ainda mais os problemas de cadeias de oferta. A Ásia foi uma das regiões mais afetadas pela deterioração recente da pandemia, elevando preços de fretes e atrasos nas entregas. Tudo isso fez postergar o início do arrefecimento da inflação de bens industriais em todo o mundo. Além disso, notamos recentemente uma nova aceleração da inflação de alimentos de forma generalizada – exceto na China, que vem se beneficiando de queda de preços de suínos – que, além de refletirem o repasse atrasado do aumento dos preços de commodities como soja e milho, também têm sofrido problemas de logística.

A inflação tem tornado o cenário cada dia mais desafiador, reduzindo o poder de compra dos consumidores. Para controlar as expectativas de inflação, diversos Bancos Centrais de países emergentes como o Brasil, Rússia, México, Turquia e Chile, iniciaram o ciclo de elevação de juros. Já os países desenvolvidos, com maior espaço para acomodar a inflação mais alta, vêm direcionando o discurso de forma gradual para a retirada de estímulos.

Nos Estados Unidos, o Fed já sinalizou que dará início à redução (tapering) do montante de compras de ativos ainda este ano, mas continua sem pressa para um anúncio oficial no curto-prazo, esperando novos dados do mercado de trabalho para avaliar a robustez da economia americana. Esperamos, portanto, um anúncio em novembro e redução em dezembro. Ao mesmo tempo, o Fed deve manter uma postura dove em relação à futura elevação de juros, a desvinculando do tapering, evitando um aperto significativo das condições financeiras. Diante da persistência da inflação e da evolução do mercado de trabalho, acreditamos que o Fed irá começar o processo de normalização da taxa de juros no segundo semestre do ano que vem.

Na China, o governo vem endurecendo a agenda de regulação, ao mesmo tempo em que busca uma estabilização do crédito. Ao longo desse ano, a China vinha enxugando o excesso de crédito adotado durante a pandemia, retomando a política de redução de riscos e endividamento. Para frente, o PBOC anunciou a intenção de manter o crescimento de crédito de acordo com o crescimento do PIB. Sem a China e os Estados Unidos injetando liquidez adicional no mundo, os países emergentes enfrentarão maiores dificuldades no ano que vem, com um menor fluxo de capital externo, maior inflação e menos crescimento.

O Brasil, além de ser afetado pelo cenário externo mais desafiador, se depara com dificuldades adicionais. A inflação, que antes se imaginava ser apenas uma onda, de caráter temporário, se tornou um tsunami. Do lado da oferta, sofremos choques relacionados ao clima, problemas globais das cadeias de distribuição, aumento dos preços de commodities. Adicionalmente, do lado da demanda, notamos um avanço significativo em alguns setores impulsionado pelos estímulos fiscais e monetários e pela própria reabertura.

As surpresas de alta na inflação passaram a contaminar as expectativas, que estão acima da meta tanto para esse ano, quanto para 2022. A persistência da desancoragem acabou se transformando em uma elevação da inércia inflacionária, com a inflação corrente apresentando um maior peso sobre a inflação futura. De acordo com nossos cálculos, a inércia se encontra em um patamar acima da média histórica (contabilizada a partir de 2011) e tem sido responsável por pressionar as projeções de inflação.

Em resposta à desancoragem das expectativas e à inércia mais alta, acreditamos que Banco Central terá que avançar sobre o território restritivo de juros, elevando a taxa Selic até 8,5%. Adicionalmente, o BC deverá mantê-la nesse patamar mais alto por um período mais prolongado que o observado na média dos últimos ciclos monetários (excetuando 2015-2016), para evitar uma desancoragem das expectativas também para horizontes mais longos.

Além de enfrentar uma inflação mais alta e colher os frutos do aperto monetário, estamos passando por um período turbulento do ponto de vista fiscal. A incerteza acerca do cumprimento das regras fiscais tem causado um aperto de condições financeiras, exacerbando os efeitos da inflação e afetando negativamente a confiança dos agentes e o crescimento econômico. Essa piora da inflação e da atividade têm se transformado em perda de popularidade para o governo, que se vê mais pressionado em elevar gastos, colocando novamente em cheque o arcabouço fiscal. Dessa forma, entramos em um ciclo vicioso que só será interrompido caso haja um comprometimento crível do governo sobre as regras fiscais. As discussões recentes sobre a reformulação do imposto de renda, a solução para os precatórios e o novo programa social ilustram bem esse ciclo vicioso.

Vivemos assombrados pela possibilidade de rompimento do teto de gastos e de achar brechas na Lei de Responsabilidade Fiscal. Embora nenhuma dessas situações seja de fato o cenário mais provável, a piora da percepção de risco fiscal tem pressionado a parte longa da curva de juros, enquanto os trechos curtos também abrem, se ajustando ao ciclo de aperto monetário e à inflação mais elevada.

Por outro lado, o resultado fiscal quantitativo tem surpreendido positivamente. Parte da melhora é reflexo do aumento da inflação, elevando o PIB nominal no denominador da relação dívida-PIB. Além disso, as receitas também vêm superando as expectativas, contando com um aumento da arrecadação beneficiada pelo boom de commodities. Por fim, do lado das despesas, a redução de pessoal, o congelamento de salários de funcionários públicos e o próprio teto de gastos têm garantido uma tendência mais controlada.

Outra notícia positiva é o conforto da posição de reservas do Tesouro em relação aos vencimentos de títulos no curto-prazo. Em julho, o caixa do Tesouro era de $1,16 trilhão de reais, enquanto a previsão de vencimentos nos 12 meses seguintes era de $1,2 trilhão, facilitando o gerenciamento das emissões e permitindo grande flexibilidade nos leilões. Além disso, a taxa de juros implícita da dívida pública é menos volátil que a Selic, devido a essa administração de caixa e pelo efeito do estoque de títulos pré-fixados. Esses dois fatores reduzem uma eventual preocupação com o serviço da dívida em meio a esse cenário de Selic mais alta, conforme nossas projeções.

*Andressa Monteiro de Castro é Economista-Chefe do BNP Paribas Asset Management Brasil

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