A Previdência Complementar no Brasil ganha cada vez maior relevo nos cenários social, político e econômico brasileiro.
Em um contexto no qual a previdência pública (regime geral de previdência social – RGPS – e regimes próprios de previdência social – RPPS) apresenta significativo déficit para as contas públicas, gerando a necessidade de sucessivas reformas da previdência social ao longo dos anos, a previdência privada apresenta uma robusta concentração de reservas no País.
No regime de previdência complementar fechado, sem finalidade lucrativa, milhões de participantes e assistidos são abrangidos pelos planos de benefícios das entidades fechadas de previdência privada (EFPC).
Estas entidades oferecem benefícios previdenciários supletivos e rendas, que podem ser auferidos antes mesmo dos benefícios da previdência pública e propiciam um padrão de vida mais digno aos assistidos, além de proporcionar relevante proteção previdenciária a um enorme contingente de participantes e aos seus familiares, nos eventos de risco como morte, invalidez e doença.
Caso não houvesse essa importantíssima cobertura previdenciária supletiva, os participantes e assistidos teriam apenas os benefícios da previdência pública, sabidamente insuficientes para a sua subsistência e dos seus familiares.
Atuando sob o regime de capitalização, as entidades fechadas de previdência complementar têm sido grandes investidoras institucionais ao longo dos anos, operando em horizonte de longo prazo e investindo e reinvestindo as suas reservas em prol da sua finalidade de concessão e manutenção dos benefícios previdenciários, sem qualquer finalidade lucrativa.
Atualmente, se considerarmos apenas a previdência privada operada por entidades fechadas de previdência complementar, são acumuladas reservas da ordem de mais de R$ 1, 1 trilhões de reais.
Esse dado, por si, já demonstra a dimensão e a grande importância desse Setor para a economia brasileira, para a poupança interna e a movimentação dos mercados de capitais e de renda fixa, para o setor imobiliário, dentre outros ativos, bem como para a geração de empregos, além da principal finalidade, de cobertura previdenciária supletiva.
Nesse cenário, verificamos um ordenamento jurídico profundamente evolutivo e dinâmico, atualmente com mecanismos legais mais efetivos, mais eficazes na proteção aos participantes e aos planos de benefícios, novos princípios de governança, de controle, de gestão de riscos e de fiscalização para o Setor.
Com a publicação da recente Emenda Constitucional nº 103/2019, que trata da Reforma da Previdência, a importância da previdência complementar ficou ainda mais evidenciada, uma vez que os entes federados passam a ter a obrigatoriedade de instituir o regime de previdência complementar para os seus servidores públicos.
No mesmo sentido, os planos instituídos, dentre eles os planos para familiares dos associados e participantes passam a ter também uma grande perspectiva de crescimento, já sendo uma realidade que estimula a maior cobertura previdenciária supletiva.
Sem dúvida, muito dessa relevante poupança previdenciária interna para o País teve na Lei nº 11.053, de 09/12/2004 um importante estímulo.
A Lei nº 11.053/2004, seguindo padrões internacionais, veio a corrigir uma nociva distorção tributária que prejudicava o acúmulo das reservas da previdência complementar, e, consequentemente, a poupança interna e as reservas dos participantes e assistidos.
Nos termos da referida lei: “a partir de 1º de janeiro de 2005, ficam dispensados a retenção na fonte e o pagamento em separado do imposto de renda sobre os rendimentos e ganhos auferidos nas aplicações de recursos das provisões, reservas técnicas e fundos de planos de benefícios de entidade de previdência complementar, sociedade seguradora e FAPI, bem como de seguro de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência.”
Essa dispensa de tributação de IR foi fundamental incentivo à captação e aumento da poupança previdenciária interna.
Antes da lei, a tributação do IR incidia duplamente nas reservas dos planos de benefícios: quando da fase de acumulação, nos rendimentos auferidos nas aplicações financeiras e depois, quando essas reservas passavam a constituir valores pagos a título de resgate ou de benefício.
Com a referida lei, a tributação passou a incidir somente quando do pagamento do benefício ou do resgate ao participante e, não mais, como no passado, em dois momentos, como indicado, o que prejudicava sobremaneira as reservas acumuladas.
A referida lei foi precedida de um longo contencioso tributário judicial, no qual as EFPC pleiteavam a imunidade de impostos, em razão das suas características constitucionalmente previstas, assemelhadas a instituições de assistência social, e depois, da instituição do Regime Especial de Tributação, denominado “RET”, originado nos termos da Medida Provisória nº 2.222/2001, o que veio a pacificar os questionamentos tributários do Setor em relação ao antigo regime tributário, hoje superado.
Agora, em razão do projeto de reforma tributária que será proposta pelo governo, entretanto, é noticiada a possibilidade de taxação da rentabilidade das aplicações na fase de acumulação das reservas previdenciárias. Além da taxação dos dividendos das empresas na fonte, o que afetaria a rentabilidade dos investimentos das EFPC, a reforma poderia gerar obrigações de pagamento do IR sobre os ganhos de capital.
As medidas, se confirmadas, configurarão um enorme retrocesso para o Setor, considerando que: (i) restauram a nociva distorção tributária que foi superada pela Lei nº 11.053/2004, voltando com a dupla incidência tributária de IR, tanto na fase de acumulação das reservas como também quando tais reservas são transformadas em benefícios ou resgate pagos aos participantes das EFPC; (ii) prejudicam e desestimulam a fundamental poupança interna previdenciária no País, prejudicando assim a própria economia brasileira, reduzindo reservas para a movimentação dos mercados de capitais e de renda fixa, para o setor imobiliário, dentre outros ativos, bem como para a geração de empregos; (iii) acarretam em significativa redução de rentabilidade. Segundo dados divulgados pela Abrapp, tais medidas, em conjunto, poderiam resultar numa redução da rentabilidade média que representaria, aproximadamente, R$ 11,2 bilhões anuais sobre o patrimônio calculado de R$ 1,0 trilhão; (iv) prejudicam as reservas dos planos de benefícios e por consequência de milhões de participantes e assistidos que participam dessa previdência privada e lá depositam os seus recursos; (v) podem restaurar indesejáveis questionamentos administrativos e judiciais sobre a tributação, hoje pacificada em relação à incidência de IR ora analisada; (vi) contrariam as melhores práticas tributárias e experiências internacionais em países onde a previdência complementar é estimulada, onde não há incidência de dupla tributação, na acumulação e no pagamento do resgate e do benefício, sendo prestigiada a tributação diferida, hoje vigente no Brasil.
No atual cenário, em que verificamos profundas reformas em curso, tanto na previdência pública como na previdência privada, o momento pede estabilidade de regras; aprofundada reflexão; responsabilidade social; estímulo e fomento a poupança previdenciária; e, proteção aos milhões de participantes que participam desses planos de benefícios, conforme preceitua o art. 3, VI, da Lei Complementar nº 109/2001.
Para onde vamos?
(*) Advogada, Consultora, Gestora Jurídica e Árbitra especializada em Previdência Complementar. Professora em cursos de especialização e autora de diversos artigos técnicos sobre a previdência complementar.