Artigo: Análise econômica da pandemia e seu papel na aceleração de processos – Por Andressa Monteiro Durão*

Andressa Durão_Icatu

Autoridades de todo o mundo se depararam com algo inédito e inimaginável no primeiro trimestre deste ano. Sem tempo suficiente para medir os impactos e duração da nova realidade, mas diante da preocupação imediata com as vidas que poderiam e já haviam sido perdidas, a solução foi decretar lockdown. E, agora, oito meses após ter sido declarada a pandemia, nos deparamos com um cenário de retorno do aumento de novos casos da doença em economias importantes, com novas medidas e riscos de restrições, que alimentam a incerteza e a mantêm em nível elevado, onde permanecerá até que se encontre uma vacina.

A doença atingiu os países em momentos e magnitudes diferentes. Porém, o comportamento das economias, sejam desenvolvidas ou emergentes, é, de forma geral, bastante parecido no que diz respeito ao impacto na atividade econômica, timing da recuperação entre diferentes segmentos, movimento da inflação, comportamento dos consumidores, revolução no setor da saúde e políticas econômicas. Todas as mudanças ocorridas até aqui deixarão marcas profundas e nos levarão a um mundo (pouco ou muito) diferente pós-pandemia.

Com as restrições necessárias, parte da economia foi estancada (ou interrompida) e outra parte modificada. Houve mudanças em todos os segmentos da atividade econômica. Mas foram os Serviços os mais atingidos, diferentemente de qualquer outra crise já vivida por nós. O setor de serviços engloba, particularmente, atividades em que há maior contato pessoal e, além disso, atividades consideradas não essenciais. Esse setor, ao mesmo tempo, responde por cerca de 70% do PIB brasileiro. A recuperação também ocorre de forma diferente de outros setores. Consumidores tendem a não repor os serviços que não foram consumidos em determinados períodos. Não há sinais de reversão completa das perdas nesse caso. As preocupações com o mercado de trabalho são enormes por ser o setor que mais emprega no país. A única coisa sabida é que o setor sairá da pandemia com enorme ociosidade.

O chamado “fator medo” é um dos grandes vilões da atividade econômica neste período. Consumidores decidem não gastar, por diversos motivos, em condições de incerteza elevada. Em condições de incerteza estratosfericamente elevada – caso da pandemia –, houve comportamentos jamais vistos. Em diversos países foi observado aumento substancial do nível de poupança, seja pelo impedimento de se gastar, seja pelo receio com o futuro da economia. O lado positivo é que, quando tudo for resolvido, haverá uma demanda reprimida pronta para impulsionar o consumo. Mas nem todos os segmentos foram impactados negativamente. O consumo on-line foi uma das salvações das famílias na pandemia. Pessoas que não tinham o costume de comprar dessa forma foram praticamente obrigadas a adotá-la. Não há chances de esse tipo de comportamento voltar a ser exatamente como antes.

O fato de as famílias serem obrigadas a ficar em casa elevou a demanda por alimentos, principalmente os da cesta básica, e um dos poucos segmentos a ser impactado positivamente foi o de supermercados. A mudança na composição da cesta de consumo, somada aos auxílios do governo à população de mais baixa renda, contribuiu para um aumento considerável da demanda por esses bens, originando um problema de oferta que, junto à depreciação do real, contribuiu para o aumento da inflação do setor. Em praticamente todos os países o movimento da inflação foi o mesmo: inflação de alimentos elevada e inflação de serviços deteriorada.

A fim de conter as mazelas da crise, governos se propuseram a expandir suas políticas fiscais, oferecendo diversas medidas de suporte a empresas e famílias. Medidas de auxílio ao crédito, postergações de impostos, apoio ao mercado de trabalho, antecipações de benefícios, renda extra, entre outras, foram rapidamente implementadas. A ajuda necessária, completamente justificada, por um lado contribuiu para que empresas não fossem quebradas, para que milhares de pessoas não perdessem seus empregos e para que o segmento do varejo se recuperasse prontamente. Por outro lado, aumentou consideravelmente o nível de endividamento público dos países. E aqueles que já enfrentavam problemas fiscais sairão com uma dívida altíssima. É o caso do Brasil, que precisará, mais do que nunca, se apoiar na agenda de reformas estruturantes – aquela que foi interrompida pela crise, transformando o status do governo de austero para um dos que mais disponibilizou recursos à população neste período.

Para dar a liquidez necessária a tamanha destruição, foi necessário também enorme esforço monetário. Países que tinham espaço derrubaram suas taxas de juros a níveis mínimos históricos, enquanto países com juros próximos a zero expandiram seus balanços com patamares elevadíssimos de compras de ativos. O Banco Central do Brasil levou a taxa Selic para 2,0% a.a, nível jamais imaginado. Com a inflação em níveis baixos por conta da enorme ociosidade que o setor de serviços apresentará, que compensará o movimento temporário de alta em alguns preços, os estímulos tendem ser mantidos por um longo período de tempo até que as economias consigam se reerguer. Teremos um Brasil de baixas taxas de juros e inflação.

Não é difícil imaginar que tantas mudanças trouxeram rápidos e fortes impactos nos investimentos. Não só impactos pontuais. Além do recente e forte avanço em tecnologia e digitalização, a pandemia acelerou outros processos já antes iniciados e transformou estratégias de fundos, demandando dinamismo e inovação. A queda da taxa de juros antes da crise já vinha explicando parte da migração da renda fixa para investimentos em bolsa e no exterior, de ativos mais conservadores para os de maior risco e maior diversificação das carteiras. A pandemia contribuiu para a aceleração dessa tomada de risco.

O aumento da preocupação com saúde e previdência neste período reforçam a ideia da necessidade de segurança e busca por soluções sustentáveis para o futuro do país, no sentido de complementação à poupança, ideia já bastante difundida com a Reforma da Previdência. Parte das mudanças que ocorreram com a pandemia será permanente. Saber lidar com a nova estrutura com responsabilidade e visão de longo prazo, mantendo a consistência nos retornos com qualidade, será o diferencial dos investidores.

*Mestre em Economia e economista da Icatu Vanguarda

(As opiniões e conceitos emitidos no artigo acima não refletem, necessariamente, o posicionamento da Abrapp a respeito do tema)

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