Artigo: Aposentadoria produtiva, feliz e saudável – Nilton Molina*

Nilton Molina Mongeral

Durante todo ano de 2020, a pandemia causada pelo coronavírus me obrigou a ficar em casa e refletir sobre o caminho percorrido nos meus 85 anos de vida ativa e nos 60 anos da minha vida profissional. O resultado disso foi o livro “O Vendedor de Futuros”, escrito pelo autor, jornalista, escritor e amigo Luís Costa Pinto, com base nas nossas conversas sobre a vida. Essas conversas, mais do que o resultado do livro, também me fizeram refletir sobre o futuro das pessoas, do mercado de trabalho, e de como podemos – e devemos – ter uma vida ativa para sempre até o final de nossos dias.

No dia 24 de janeiro foi comemorado o Dia Nacional do Aposentado. Mas o que estamos realmente comemorando? Não gosto da palavra aposentadoria. Ela carrega em si um peso desnecessário. Alguém nos mandou para um aposento? Em inglês, aposentado é “retired”, que também pode ser traduzido para “retirado”. O mesmo em espanhol, com a palavra “retirado”. Estamos então comemorando o fato de sermos retirados para algum lugar? Retirados da vida, como se fossemos alguma coisa velha, sem uso, guardados em um aposento? São essas coisas que me fazem pensar. Esse processo, esse pensamento, me parecem muito equivocados.

Quando conversamos com alguém numa reunião de trabalho, e essa pessoa me pergunta, durante o pleno exercício do meu trabalho, se eu estou aposentado, sendo bem honesto, isso quase me ofende. Devo ir para o aposento? Não. Eu não recebo aposentadoria – e nem você, se está próximo da minha idade – nós recebemos uma renda, produto da nossa poupança, seja por parte pública ou privada. Uma renda que nos permite continuar produzindo com níveis mais baixos de estresse, e com um pouco menos de pressão. Produto direto de nosso esforço. E nós podemos produzir até quando? Até o momento que tenhamos nossa capacidade de autonomia física, e principalmente, mental. Não existe aposentadoria para pessoas saudáveis. Pessoas saudáveis não devem ser retiradas para um aposento.

Uma vez, conversando com um amigo, ele me disse que “todo mundo morre um dia”. Ele está certo. É exatamente isso: um dia, apenas um! Em todos os outros dias queremos viver, queremos produzir. Sonhando, criando e trabalhando. Me orgulho muito de trabalhar todos os dias da minha vida.

Precisamos então colocar em nossas cabeças que isso não existe mais, estamos em tempos mais modernos, com mais desenvolvimento na área de saúde. E com um bom planejamento financeiro, e principalmente, com a revolução em nossa forma de pensar, temos condições plenas de continuarmos ativos pelo resto de nossa vida. Esse, na minha opinião, é o novo padrão: todos vamos ter que trabalhar enquanto tivermos capacidade laborativa. Enquanto todos nós tivermos autonomia, devemos criar e fazer. E isso me leva a falar sobre a necessidade premente de requalificação profissional.

Um exemplo para ilustrar: imagine um engenheiro químico, trabalhando como diretor técnico de algum grande laboratório. Em algum dia ele atingirá uma idade qualquer que, de acordo com as regras da empresa, faz com que ele deva deixar o cargo. Mas isso não significa deixar a vida! Talvez ele não possa ser mais um diretor executivo da área química, trabalhando diretamente de um laboratório, mas ele pode ser requalificado para atuar como um consultor técnico. Pode dar aulas, palestras sobre o tema. Servir de consultor e participante em novos estudos e processos. Ele sabe todas essas coisas como a palma da sua mão, é ele a pessoa que pode apontar o que funciona ou não funciona, na eventualidade de uma modernização. É por isso que me revolta o fato de alguém pensar que uma pessoa no alto dos seus 65 anos, saudável, na plenitude do seu poder criativo, “vá para o aposento”.

Nós temos que, na verdade, refazer o nosso pensamento, pensar na requalificação profissional e em como uma pessoa como essa do exemplo acima ainda pode prestar um enorme serviço. As pessoas com mais de 65 anos, “velhos”, “idosos”, da “terceira idade”, “melhor idade”, qualquer nome que se dê a essa faixa etária, tem o conhecimento experimentado. Podemos competir com os jovens em termos de tecnologia? Claro que não. Não nascemos digitais.

Mas o digital é uma ferramenta para otimizar o conhecimento utilizado com a experiência do trabalhador. E isso nós temos de sobra. Esse trabalho em conjunto é valiosíssimo, tanto para os resultados da empresa quanto para o capital humano, ajudando na formação de novos profissionais, utilizando da experiência dos mais velhos, em um processo constante de evolução no ambiente de trabalho e no âmbito pessoal de todos os envolvidos.

Da mesma forma que a idade por si só não é garantia de eficiência, a juventude também não é garantia de inovação. Esse processo de se aproveitar a experiência do profissional mais velho em parceria com o mais novo é o perfeito exemplo de que o todo é maior do que a soma das partes. Esse é o futuro que eu vejo.

Temos que modificar o conceito de aposentado. Repito: recebemos uma renda a que temos direito pelos esforços de nossa vida, uma poupança feita do fruto do nosso trabalho. Nada nos foi dado sem algo em troca. Falar em aposentadoria nos termos antigos carrega uma carga negativa, pessimista, em cima da terceira idade. Temos a experiência necessária para qualquer trabalho. Dedicamos décadas a isso. Temos que colaborar com a sociedade.

E até mesmo do ponto de vista macroeconômico isso se torna uma prática saudável: temos de 30 a 35 milhões de aposentados no Brasil, a depender da contagem, com uma idade média de 70 anos. Aqueles que estão saudáveis devem ir para o mercado de trabalho, portando uma enorme coragem e despidos de qualquer vaidade, para entrar nesse processo importante de requalificação profissional. Os cargos não importam: se não podemos mais ser diretores ou gerentes; somos pessoas com um grande conhecimento experimentado para oferecer à sociedade.

Sigo assim, com um grande otimismo pela vida, pelo nosso país e, principalmente, pelo processo de aquisição e de planejamento futuro de renda.


*Nilton Molina é Presidente do Conselho de Administração da MAG Seguros e Presidente do Instituto de Longevidade MAG. É membro vitalício do Conselho Associação Comercial de São Paulo e diretor da CNSeg (Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização). O executivo também dedica a sua carreira a estudos sobre longevidade e demografia, temas os quais é referência no país.

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