Artigo: Benefício especial: um jogo de ganha-ganha – Por Arnaldo Barbosa de Lima Jr, da MAG

Arnaldo Lima

Um dos temas que tem gerado debate neste momento em que os Estados e Municípios correm contra o tempo para cumprir o que foi estabelecido na Reforma da Previdência (Emenda Constitucional nº 103, de 2019) e aprovar, até o próximo dia 12 de novembro de 2021, lei que institua seus respectivos Regimes de Previdência Complementar (RPC), é a instituição do chamado Benefício Especial e, especialmente, a modelagem mais adequada a ser adotada para o instrumento.

Como se sabe, o Benefício Especial constitui mecanismo de compensação oferecido aos servidores públicos que se encontram sob a égide das regras antigas do sistema de previdência, a fim de estimulá-los a migrarem para a previdência complementar.

Tal situação ocorre porque a Constituição Federal, ao prever a obrigatoriedade de os entes federativos instituírem regime de previdência complementar para seus servidores, sob pena de não obterem o Certificado de Regularidade Previdenciária (CRP) e ficaram impedidos de receberem transferências voluntárias da União e obterem financiamentos junto a bancos públicos federais, estabeleceu que as novas regras seriam aplicáveis apenas àqueles que ingressassem no serviço público após a implementação das mudanças, sendo facultada aos demais a permanência no RPPS.

Com isso, uma vez que tais servidores contribuíram para o regime próprio ao longo de vários anos sobre o valor integral de sua remuneração – geralmente maior do que o valor pago no âmbito do RGPS – e que, com a migração, sua opção pela previdência complementar acarreta a renúncia definitiva às regras anteriores às quais tinham direito, bem como o recebimento de um valor máximo de aposentadoria limitado ao teto do INSS, tais servidores tendem a resistir à mudança de regime por terem a falsa percepção de que estariam perdendo as contribuições vertidas ao regime próprio – como se esse fosse um regime de capitalização individual, sem compreenderem, muitas vezes, que o RPPS tem caráter solidário e é baseado em um pacto intergeracional, em que todos são responsáveis pelo resultado, seja em casos de superávit ou déficit, sendo que, nas últimas décadas, os déficits é que têm sido recorrentes.

Desse modo, a adoção do Benefício Especial como instrumento de estímulo à migração tem-se mostrado fundamental para estimular o processo de adesão desses servidores mais antigos, sem o qual a implantação de RPCs, que sejam financeiramente sustentáveis e ao mesmo tempo proporcionem uma desoneração futura nas despesas com aposentadorias e pensões do RPPS, garantindo a redução dos gastos com a previdência do funcionalismo, torna-se um desafio ainda maior para os entes públicos.

O Benefício Especial funciona, nesse contexto, como incentivo aos servidores não obrigados a aderirem à previdência complementar não só por oferecer-lhes uma compensação financeira pelas contribuições destinadas ao RPPS, mas, também, por conferir-lhes a vantagem de ter o valor do desembolso mensal de suas contribuições para o regime próprio reduzidas, proporcionando-lhe uma sobra de recursos que poderá ser aplicada na criação de sua previdência complementar, cujo valor alocado receberá igual contrapartida do Estado.

Ademais, o Benefício Especial protege os servidores que, eventualmente, venham a deixar o serviço público ou migrem para outro cargo efetivo em esfera federativa distinta, uma vez que os recursos acumulados com o pagamento do Benefício são de titularidade do servidor, não retornando aos cofres públicos com a perda do vínculo funcional.

Não sem razão, o Benefício Especial, como compensação a ser paga aos servidores migrantes que contribuíram para o RPPS em valores acima do limite máximo do INSS, foi adotado desde o primeiro momento pela União, nos termos do art. 3º, da Lei nº 12.618, de 2012, assim como foi previsto também na legislação aprovada por diversos estados, como Rio Grande do Sul, Piauí, Goiás, Alagoas, ou que se encontram em tramitação, a exemplo de Santa Catarina, sempre visando a facilitar a transição econômica entre regimes previdenciários, com a compensação dos valores recolhidos a maior ao regime próprio pelos servidores antigos que optarem pela migração para o RPC.

Embora, no início, a criação e regulamentação de tal Benefício tenha sido cercada de dúvidas acerca de sua natureza e da fórmula de cálculo a ser adotada para definição do valor a ser pago, após a edição do Parecer AGU nº JL 03, de 18/05/2020, que contou com a aprovação do Presidente da República, conforme Despacho publicado no DOU de 27/05/20220 – o que confere ao entendimento firmado efeito vinculante para toda a Administração Federal, as questões que geravam debate foram superadas.

Assim, o Benefício Especial foi definitivamente fixado como valor a ser pago pelo poder público e não pela entidade de previdência complementar, de natureza compensatória e não previdenciária, voltando-se para reparar ou indenizar os servidores que fizerem a opção de que trata o § 16 do art. 40 da Constituição Federal, pelas contribuições realizadas para o RPPS.

Note-se que o caráter compensatório do Benefício consequentemente afasta a incidência de contribuição para o plano de seguridade do servidor (atualmente em 14% no âmbito da União e de alguns Estados, acrescida de alíquotas progressivas em função da remuneração/aposentadoria mensal) sobre a parcela do Benefício Especial ao qual o servidor que migrou fará jus quando se aposentar.

Além disso, a fórmula de cálculo do Benefício Especial foi definida no governo federal para levar em consideração o tempo de serviço público que o servidor possuir quando realizar a opção pela migração, bem como seu histórico salarial e carreira contributiva individual no serviço público, garantindo-se, ainda, a atualização do valor pelo mesmo índice aplicável ao benefício de aposentadoria ou pensão mantido pelo RGPS e o seu pagamento enquanto perdurar o benefício do RPPS,

Também foi assegurado, no âmbito da União, o pagamento do Benefício Especial junto com a gratificação natalina e estabelecido que o valor será pago por ocasião da concessão da aposentadoria, inclusive por invalidez, ou pensão por morte de que cuida o art. 40 da Constituição Federal, e que será devido enquanto perdurar o pagamento de tais benefícios.

Por fim, foi definido ainda que as regras existentes no ato da migração não poderão ser alteradas no futuro para os servidores que já migraram, entendimento que confere a necessária segurança jurídica ao processo, tão pleiteada pelos servidores para que pudessem tomar a decisão de migrar para o RPC.

Verifica-se, portanto, que, com a publicação do referido parecer da AGU, as dúvidas acerca da implementação do Benefício Especial, que dificultavam a adoção do mecanismo pelos estados e municípios, foram esclarecidas, abrindo-se caminho para que tão importante incentivo para ensejar a migração dos servidores para o RPC possa ser agora instituído e/ou regulamentado com tranquilidade por todos os entes públicos.

É de se observar, contudo, que as normas estabelecidas pela União para modelar o pagamento do Benefício Especial no governo federal não precisam ser reproduzidas integralmente pelos estados e municípios: esses podem e devem avaliar o seu cenário específico de implementação da previdência complementar para definirem a conveniência e oportunidade de adotarem regras como o pagamento do benefício em conjunto com a gratificação natalina ou em valores diluídos ao longo do tempo, como fez a União, ou alternativamente, o valor integral no momento da concessão da aposentadoria, por exemplo.

De todo modo, independente dos detalhes conformadores do modelo de Benefício Especial a ser adotado, o fato é que esse constitui um típico jogo de ganha-ganha, onde todos são favorecidos com a sua implantação: o ente público, servidores – tanto os que serão contemplados com o benefício, quanto os que já se sujeitam ao RPC – e sociedade, uma vez que todos ganham com a ampliação do número de participantes da previdência complementar e com sua robustez, sustentabilidade e longevidade financeira.

*Diretor de Estratégias Públicas da MAG – Grupo Mogeral Aegon

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