Artigo: Breve histórico do processo de Asset Allocation – por Francisca Brasileiro*

Breve histórico do processo de Asset Allocation

Se propor a falar de Asset Allocation é algo tão amplo e impreciso quanto o próprio conceito de investimentos na sua definição mais clássica, Asset Allocation é a parte da gestão de ativos, que define a alocação nos diferentes segmentos, classes de ativos e estratégias de investimentos. Ou seja, praticamente tudo, menos a alocação no que chamamos de ativos diretos, ou ativos finais (ações, título públicos e privados etc.). Em outras palavras, “Asset Allocation” é a parte do processo de investimentos responsável pela “macro alocação” do portfólio nas diversas classes de ativos.

Pontos Chave

● A macroalocação visa construir um portfólio de ativos cuja correlação entre eles, em conjunto com os dados individuais de risco e retorno, minimize o risco do portfólio; maximizando os retornos.

● A escolha das melhores estratégias ocorre após a definição do Asset Allocation, enquanto a seleção de ativos, como ações, títulos públicos e privados, fundos de índice e ETFs, são os instrumentos utilizados para compor esse mix.

● A hipótese do Mercado Eficiente mostra que a alocação de classes de ativos é mais importante do que a seleção de títulos quando se trata de criar uma estratégia de investimento bem-sucedida.

O estudo mostra que o processo de ficar “mudando a alocação” ou mais precisamente “reduzindo o risco” em momentos inadequados é o principal gatilho para destruição de valor ao longo do tempo, tendo um peso maior, até do que a tão desejada sabedoria de vender na alta e comprar na baixa (que, por sua vez) explica a maior parte dos casos de portfólios bem-sucedidos.

Com isso temos o primeiro grande axioma dos investimentos (pelo menos na minha humilde ótica). A disciplina do processo de Asset Allocation, mantendo um mix de classe de ativo adequado para os objetivos de risco e retorno do mandato é a chave para a consistência dos resultados de longo prazo, e responsável por mais de 60% (quiçá mais de 90% segundo Ibbotson).

Obviamente, o segredo da fórmula mágica da paz (coisa que não costuma ser muito frequente na vida dos investidores, ainda mais em tempos conturbados como esses) é: Identificar, e saber diferenciar, os momentos em que devemos de fato fazer algum ajuste no portfólio, seja por mudanças profundas de cenário, novos objetivos, ou questões conjunturais especificas, daqueles momentos em que flertamos, ou até ultrapassamos, a borda do limite de tolerância a risco, nos forçando a reduzir posição, ou mudando nosso mix de investimentos em momento inadequado, simplesmente por que não conseguimos suportar mais a perda.

Bom, até agora falamos o óbvio, ainda que com bastante embasamento técnico. Por hora, vamos nos concentrar em estudar formas de tomar decisões nas horas erradas, olhando para o passado (especialmente aquele mais recente) e supondo que esse cenário irá se manter no futuro, mudando o mix de ativos com base nessa informação.

Asset Allocation na prática

Os últimos 3 anos calendários (2020, 2021 e 2022) tem sido períodos particularmente complicados para a gestão de ativos. Sabemos que tirando raros momentos, gerir recursos é sempre complexo, mas… nesse caso, temos um agravante. A Pandemia de Covid-19, trouxe uma mudança radical no cenário global, na forma como as pessoas,

consomem, se locomovem e principalmente como os bens são transacionados e circulam de uma região à outra. O que esses momentos de ruptura trazem para o cenário macroeconômico, resumidamente, é justamente essa quebra na relação histórica entre as variáveis. Ou seja, não podemos mais assumir os dados do passado como uma boa aproximação do que podemos esperar para o futuro, pois as coisas simplesmente não se comportam mais da mesma forma como se comportavam antes. (Talvez o melhor exemplo disso na atualidade seja a inflação que no mundo todo bate recordes históricos e que nenhum dos modelos, bancos centrais etc., conseguiu prever que teria essa magnitude).

Sem dúvidas, esse é um dos momentos em que ajustar o Asset Allocation, rever o mix de ativos e inclusive achar oportunidades que antes não estavam no seu radar se torna mandatório.

Pela 1ª vez também tivemos o investidor pessoa física entrando em fundos através das plataformas de investimentos com estratégias de fundos diferentes como Valor, Small Caps etc. Foi maravilhoso observar essa evolução no nosso mercado de capitais, com mais CPFs atuando na bolsa e novos fundos surgindo, mas, talvez, justamente por serem investidores mais recentes que observamos, e, seguida, um forte movimento de resgate de fundos de gestão ativa de renda variável, levando a um choque de liquidez em algumas dessas estratégias mais concentradas e com menos negociação, que por sua vez acabou prejudicando a performance de alguns dos fundos mais renomados do mercado a partir do 2º semestre do ano passado.

Nos últimos meses esse movimento se acentuou, com continuidade da saída do investidor pessoa física e a entrada do investidor estrangeiro na bolsa brasileira. Atraído pela grande alta no preço das commodities devido a guerra na Ucraniano (outro movimento de choque e ruptura) e “valuations, ou seja, preços relativos” muito baratos. O movimento do investidor estrangeiro se concentrou em commodities e nas carteiras passivas (que seguem os índices). Ou seja, a performance relativa ao benchmark desses fundos que já não estava bem, se acentuou muito, abrindo uma diferença grande de performance no ano.

O que estamos buscando explicar aqui é: certamente não é justificar a performance de gestores com os quais não temos nenhuma relação. Mas mostrar que o que levou a esse resultado específico desses gestores foi uma questão conjuntural!  Não esperamos, no nosso cenário, que esse forte fluxo para a parcela indexada da bolsa siga ocorrendo, pelo menos não na mesma magnitude. Desta forma, não faz sentido reduzir fundos que sempre tiveram uma boa performance, ainda que em um passado recente não entreguem o retorno esperado.

E ainda que a nossa visão fosse alinhada com a ideia de que esse fluxo do investidor estrangeiro fosse continuar a dominar a bolsa, e que a parcela passiva vai continuar a performar bem, a discussão de Asset Allocation, deveria focar na alocação por classe de ativos, (por exemplo, RV ativa vs passivo) muito mais do que na avaliação dos fundos em questão.

Em suma, um correto processo de alocação vai identificar que a performance ruim de curto prazo dos gestores está muito mais relacionada a classe de ativos, e a situação conjuntural (transitória) do cenário atual, do que com a capacidade em si do gestor gerar alpha, dado que não houve nenhuma mudança na equipe e no longo prazo observados que os fundos superam, e muito, seu benchmark, sendo que alguns rendem mais de 10X o índice nesse longo prazo, conforme figura acima (ainda que esteja bem abaixo do Ibovespa no curto prazo).

Uma análise sob a ótica de Asset Allocation vai provavelmente indicar que os efeitos que levaram a performance negativa desses gestores afetaram todos da classe, e que os efeitos parecem ser temporários (conjunturais e não estruturais). E, portanto, há diversos indícios de que mudar agora a estratégia vai ser um “tiro-no-pé”, fazendo com que se perca o momento correto de recuperação dos ativos. Existem vários exemplos como esse que podemos explorar em mais detalhes, mas o princípio é analisar com maior profundidade sempre pensando no cenário futuro e o que faz sentido em termos de Asset Allocation e seleção de gestores.

 

*Francisca Brasileiro, Head de Soluções de Investimento da TAG Investimentos

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