Artigo: Como aplicar ESG no dia a dia de fundos? Por Ruth Walter*, da Bradesco Asset Management

Ruth Walter, BRAM

O fluxo de recursos para fundos ESG (sigla em inglês para ambiente, social e governança corporativa) foi bastante acentuado em 2020, tanto globalmente quanto no Brasil, mais que dobrando o volume de recursos investidos nesse perfil de fundo. Além do fluxo, houve o lançamento de diversos produtos ao longo do ano, representando mais de 35 fundos no Brasil, de um total de cerca de 60 fundos, movimento que continuamos a observar nesse início de 2021. 

Mas o conceito não é tão recente: investimentos responsáveis tiveram origem nos preceitos éticos de grupos religiosos há mais de 100 anos atrás; em especial, podemos citar a Igreja Metodista, que excluía algumas empresas não alinhadas com seus valores (1), como as ligadas a álcool e jogos. Fast forward alguns anos de história, o termo ESG passou a ser utilizado com mais popularidade no início dos anos 2000, com a divulgação do relatório Freshfield Report em parceria com as Nações Unidas em 2005, que foi a base do lançamento do PRI (Principles of Responsible Investment) em 2006. Neste meio tempo, algumas gestoras e grandes investidores institucionais passaram a incorporar gradativamente os princípios aos seus processos de investimento. 

Dito isso, quando falamos em ESG, estamos nos referindo ao que exatamente? O termo ESG engloba um vasto espectro de investimentos, e uma forma de explicar é através do espectro apresentado a seguir:

  • Filtro negativo: foi a primeira forma de investimentos ESG, em que são excluídos alguns setores, em geral ligados a valores éticos. É a metodologia mais utilizada globalmente, com USD 20 bilhões (2) de investimentos, sendo mais concentrados na Europa.
  • Integração ESG: é o método com maior ascensão globalmente, contando hoje com mais de USD 18 bilhões sob gestão, e é o mais adotado nos Estados Unidos, Canadá e Austrália. 
  • Temáticos: são os fundos com temas específicos, como clima, energia limpa, água, saúde, entre outros. Importante ressaltar que nem todos os fundos temáticos são ESG.
  • Impacto: são os investimentos realizados com o propósito de gerar um impacto mensurável na sociedade e meio ambiente, ao mesmo tempo em que têm objetivo de gerar retornos financeiros (característica que diferencia impacto de filantropia). O GIIN (Global Impact Investing Network) estima que o mercado de Impacto tenha USD 502 bilhões de ativos (3).
  • Filantropia: trata-se de uma doação. 

Como construir uma carteira, considerando os fatores ESG?

Assim como em qualquer processo de investimento, o primeiro passo é termos definido o mandato de investimento, ou a Política de Investimentos. O fato de a carteira seguir os princípios ESG não altera o core do processo; apenas adiciona passos. Um dos objetivos é obter uma carteira diversificada, que possa navegar os diferentes ciclos econômicos, e gerar retornos consistentes. Desta forma, procuramos as melhores alternativas embaixo de cada pilar do espectro apresentado. Ou seja, alguns fundos que sigam a filosofia de exclusão, outros de integração ESG, alguns temáticos, e ainda alguns de impacto. Como overlay, também é importante a diversificação regional, com gestores locais e globais, que tenham uma correlação baixa entre si, de modo que possamos gerar o efeito de redução de risco, volatilidade e de drawdowns.

E como selecionar esses fundos de investimento? Recomendamos utilizar critérios tanto quantitativos quanto qualitativos.

Na primeira etapa quantitativa, além dos tradicionais filtros de patrimônio mínimo, histórico, retorno, e métricas de risco, incluímos o rating ESG de provedores externos, sendo MSCI e Morningstar/ Sustainalytics os mais utilizados. A vantagem é podermos executar esse filtro de forma escalável. 

Já a etapa qualitativa é a mais trabalhosa, em que é necessário dedicar mais esforços e com maior abrangência. Tipicamente, utilizam-se questionários de due diligence, assim como entrevistas para complementar a análise. O PRI oferece como sugestão o Framework for Hedge Funds (4), com sugestões de perguntas e tópicos a serem explorados. Algumas das questões abordadas são: 

Gestora:

  • Se a gestora tem Política de Sustentabilidade
  • Iniciativas às quais a gestora é signatária: PRI (Principles of Responsible Investment), TCFD (Task Force on Climate-Related Financial Disclosures), CDP (Carbon Disclosure Protocol), entre outros
  • Diversidade da equipe
  • Emissões de carbono

Processo de Investimento:

  • Classes de ativos às quais são aplicados os princípios ESG: ações, crédito privado, crédito soberano, infraestrutura e private equity.
  • Abordagem ESG: filtros negativos, best in class, integração, impacto, engajamento
  • Frequência de revisão dos modelos ESG

Interessante, sempre que possível, solicitar evidências, que serão úteis tanto para conferência quanto para se aprofundar no tema.

Consolidando-se essas informações, atribuímos pesos para cada critério, e calculamos uma nota para cada gestora, para então podermos construir um scorecard e comparar as gestoras. Esse dado será um fator adicional que o Portfolio Manager considerará no momento da decisão de investimento. Por fim, uma vez que os investimentos tiverem sido realizados, importante manter um processo de monitoramento próximo com cada gestora investida.

Concluindo, o tema ESG está em constante evolução, como já observamos no primeiro parágrafo. Hoje em dia, por exemplo, está em discussão uma nova taxonomia para investimentos ESG, a fim de melhor delimitar o que é um fundo ESG; ou seja, quais são as características mínimas necessárias para podermos carimbar um fundo de ESG? É esperado que novidades continuem surgindo, e por isso é de extrema importância nos mantermos atualizados, para continuarmos a adotar as melhores práticas de mercado, que se refletirá em uma melhor proposta de valor.

*Ruth Walter é Head de ESG & Inovação do FOF na Bradesco Asset Management (BRAM) com certificações CFA, CGA da Anbima, e CFA ESG Investing. Desde 2018, integra o time da BRAM. Profissional com passagens anteriores pelo Unibanco, BTG Pactual, Pragma e F3 Capital. Possui dupla-diplomação em Engenharia Elétrica pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), e pela ECP/França (École Centrale Paris). É Board Member da CFA Society Brazil.

Notas:

  1. Castlefield Castlefield The Thoughtful Investor
  2. GSIA Global Sustainable Investment Review 2018
  3. GIIN 2020 Annual Impact Investor Survey
  4. UN PRI Framework for Hedge Funds
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