Artigo: Demografia – Perspectiva Econômico-Social, por Andressa Durão e Eduarda Cheniaux*, da Icatu Vanguarda

Andressa Durão

Ao analisar a evolução da população mundial ao longo do século XX, é possível observar um aumento expressivo na sua taxa de crescimento. Em 1900, a população era de 1,6 bilhão, passou para 3,0 bilhões em 1960 e saltou para 7,8 bilhões em 2020. Dessa forma, de 1900 a 1960 a população mundial cresceu 89% e nos 60 anos seguintes, 158% (1).

Para entender a dinâmica do crescimento populacional é necessário analisar o comportamento das taxas de natalidade e mortalidade. Através da chamada “transição demográfica” é possível observar com clareza as mudanças em diferentes estágios de desenvolvimento econômico.

Na primeira fase, pré-industrial (países subdesenvolvidos), as taxas de natalidade e mortalidade são muito altas e, consequentemente, a população é jovem e sua taxa de crescimento muito baixa, quase estável.

Eduarda CheniauxNa segunda fase, em que a urbanização e a industrialização emergem (países em desenvolvimento), os avanços com o início do desenvolvimento começam a impactar rapidamente a taxa de mortalidade. Nesse período, a natalidade permanece alta, pois as famílias conservam o comportamento da fase pré-industrial, quando ter muitos filhos era sinônimo de ter mais ativos – mão de obra adicional.

Na terceira fase, a consolidação da urbanização e industrialização (países desenvolvidos) promovem avanços socioeconômicos que efetivamente alteram a estrutura de incentivos das famílias, que passam a ter menos filhos por conta dos altos custos que eles representam. A infância e adolescência passam a ser dedicadas aos estudos e o ingresso na fase produtiva é postergado. Como consequência direta, a taxa de natalidade cai substancialmente, se aproximando da taxa de mortalidade.

Na quarta fase, as economias se encontram em etapa pós-industrial e já atingiram maturidade socioeconômica. A taxa de natalidade se iguala à taxa de mortalidade e ambas se mantêm em patamar baixo. A população se estabiliza e em alguns casos, onde a taxa de natalidade cai abaixo da taxa de mortalidade, temos redução populacional.

O gráfico abaixo ilustra a evolução dessas taxas, bem como o crescimento populacional ao longo das quatro fases descritas.

Outra forma interessante de analisar a transformação demográfica é através das alterações da taxa de fertilidade (número de filhos por mulher). Nos últimos 60 anos, essa taxa foi muito elevada, contribuindo para o rápido crescimento populacional. No entanto, ela vem caindo ano após ano. Na década de 50, a taxa de fertilidade mundial era de 5, mas a partir da década de 60 essa taxa começou a cair e no período de 2015 a 2020 estava em 2,4.

Quando observamos a evolução da taxa de fertilidade em diferentes regiões, é possível inferir em que etapa do processo de desenvolvimento socioeconômico elas se encontram. Regiões mais desenvolvidas, apesar de terem partido de níveis mais baixos de taxa de fertilidade, apresentaram uma redução considerável no número médio de filhos que uma mulher teria ao final do seu período reprodutivo. Na Europa, de 1950 até 1955, a taxa de fertilidade foi de 2,67, enquanto nos EUA foi de 3,33. Hoje, essas regiões apresentam taxas de 1,61 e 1,75, respectivamente, representando uma redução de aproximadamente 43%. Já em regiões ainda subdesenvolvidas, como a África, a taxa entre 1950 e 1955 era de 6,6 e hoje é de 4,4, uma redução de 33%.

O Brasil também apresentou uma redução intensa da taxa de fertilidade, que saiu de 6,15 entre 1950 e 1955 para 1,74 entre 2015 e 2020, e, apesar de ainda ser um país em desenvolvimento, possui uma taxa similar à de regiões consideradas desenvolvidas. Cabe ressaltar que diversos outros países que ainda não são considerados desenvolvidos tiveram queda acentuada na taxa de fertilidade, como é o caso de Singapura, China e Colômbia, que reduziram a taxa de fertilidade em 82%, 72% e 72% entre 1950 e 2020, para 1,21, 1,69, e 1,82, respectivamente (2).

A queda da taxa de fertilidade tem impactos importantes na estrutura etária de um país. Em um primeiro momento ela reduz a proporção da população jovem não produtiva em relação à parcela da população considerada ativa (20-65 anos). Esse processo de redução da razão de dependência é conhecido como bônus demográfico ou ciclo demográfico virtuoso. Posteriormente essa razão de dependência tende a aumentar através do envelhecimento. Quanto maior for o número de pessoas em idade ativa maior tende a ser a produção de riqueza de um país. Por isso a importância de se aproveitar essa “janela de oportunidade”.

No caso brasileiro, apesar de estarmos vivenciando o período de bônus demográfico, não o estamos aproveitando de forma a maximizar seus impactos positivos no desenvolvimento do país. Isso porque a geração de riqueza no período demográfico virtuoso depende da alocação eficiente da mão de obra e de um ambiente propício ao investimento. Para que isso ocorra, são necessárias políticas de saúde, capital humano e incentivos à poupança. Apesar da melhoria na escolaridade, o nível ainda é baixo, impondo restrições no ganho de produtividade e crescimento da renda no país.

Como destacado anteriormente, o Brasil apresentou nos últimos anos uma queda da taxa de fertilidade não condizente ao seu estágio de desenvolvimento econômico. Diferentemente dos países desenvolvidos, a forte queda ocorreu por fatores exógenos, antes do atendimento das necessidades sociais básicas.

Pelas estimativas da ONU, a taxa de fertilidade no mundo continuará caindo até que a partir de 2065 passe a ser menor que 2,1 (taxa necessária para que um casal “se substitua”). Os 0,10 a mais representam os filhos que não chegam na fase reprodutiva.

A tabela a seguir mostra a evolução das taxas de fertilidade por região.

Com base nessas evoluções, a ONU estima (3) que a população mundial passe dos atuais 7,8 bilhões para algo entre 10,5 e 11 bilhões ainda no século XXI e, então, se estabilize. Abaixo o gráfico com a evolução da população mundial e as estimativas da ONU para os próximos anos:

À medida que novas regiões migrem para fases demográficas mais avançadas, a população tende a se tornar mais educada, sendo capaz de aumentar sua produtividade e ajudar no crescimento do PIB (4) per capita (indicador de riqueza). Por sua vez, um maior PIB per capita melhora as condições socioeconômicas de um país.

A transição demográfica também levará à estabilização da população, permitindo que questões ambientais e de escassez de recursos sejam mais facilmente resolvidas. Ao mesmo tempo, o aumento na riqueza mundial associado à maior instrução da população permite maiores investimentos em tecnologias sustentáveis que poderão aumentar a produtividade com menor impacto ambiental. Se as projeções estiverem corretas, o futuro nos reserva uma população mundial estável, maior riqueza e padrões sociais e ambientais mais altos.

A Demografia e o Crescimento Brasileiro – Com relação à economia brasileira, as transformações demográficas do último século são importantes para entender a evolução do PIB. Nas últimas décadas a população apresentou períodos de crescimento superior a 3% (meados da década de 50/60), uma mudança relevante no número de habitantes, de 53 milhões em 1950 para 212 milhões em 2020.

No período recente, a população tem crescido a taxas bem mais modestas. Em 2020, estima-se que esse crescimento tenha sido de 0,72%. Pelas previsões da ONU, em 2045 a população brasileira atingirá seu pico com 229 milhões de pessoas e começará a declinar até terminar o século XXI com 180 milhões.

Os gráficos abaixo ilustram a evolução da população brasileira e da taxa de fertilidade no período entre 1950 a 2020, como também a estimativa da ONU para as próximas décadas (5).

As mudanças no perfil demográfico podem ter impactos relevantes no crescimento da população em idade ativa e da população economicamente ativa (6). Essas variáveis merecem especial destaque devido à importância que a força de trabalho tem na produção total de um país (PIB). A tabela abaixo ilustra que no Brasil a oferta potencial de trabalho (PIA) tem desacelerado de forma rápida. O crescimento entre 2010 e 2020 foi de 1,41% a.a., enquanto entre 1980 e 2000 foi de 1,86% a.a.

Um conceito demográfico útil é a taxa de dependência, que pode ser definida como a relação entre o total de jovens (em idade não produtiva) e idosos e o total de pessoas em idade intermediária (produtiva). Das várias formas de medir a taxa de dependência de uma população, a escolhida aqui foi a que relaciona a população com menos de 20 e acima de 65 com a população entre 20 e 65 anos.

A intuição por trás desse conceito é bastante simples. Quanto maior a participação da população em idade intermediária (20 a 65), maior será a parcela da população produzindo, diminuindo o grau de dependência. Em contrapartida, uma dependência maior gera impactos econômicos como demandas por políticas voltadas para educação, saúde e aposentadoria.

De acordo com a ONU (7), a taxa de dependência brasileira caiu bastante desde meados da década de 60 e, atualmente, está em sua melhor fase.

É especialmente importante que o Brasil utilize de forma correta as políticas públicas para aproveitar o final do período de bônus demográfico pois, após dessa fase, entraremos no período de crescimento populacional ainda mais baixo e de aumento da taxa de dependência.

Impactos na Gestão de Recursos – No cenário de estabilização da população e aumento da expectativa de vida temos que refletir sobre os possíveis impactos na gestão dos recursos financeiros e nos desafios que as próximas gerações enfrentarão para garantir suas aposentadorias. Nesse ambiente, será necessária elevação do tempo de contribuição dos trabalhadores e/ou maior acúmulo de capital.

Dessa forma, o gestor se tornará ainda mais importante na busca por retornos atrativos. A diversificação do portfólio será de suma importância e ativos que pagam dividendos ou que se assemelham ao pagamento de dividendos ganharão maior representatividade nos portfólios, uma vez que são ativos capazes de gerar uma fonte de renda mais constante. Neste contexto, aumenta a importância da educação financeira para que os investidores possam acompanhar as evoluções das estratégias de investimentos, que serão cada vez mais utilizadas.

*Andressa Durão (foto no topo) e Eduarda Cheniaux (foto acima) são Economistas da Icatu Vanguarda

Notas:

  1. Informações disponíveis em: http://esa.un.org/Wpp/unpp/panel_population.htm. Último acesso em 10/02/2021
  2. Informações obtidas em: http://esa.un.org/Wpp/unpp/panel_population.htm. Último acesso em 10/02/2021
  3. Estimativa levando em consideração a mediana da taxa de fertilidade do período. Dados obtidos em: http://esa.un.org/Wpp/unpp/panel_population.htm. Acesso em 10/02/2021
  4. PIB per capita é o produto interno bruto, dividido pela quantidade de habitantes de um país.
  5. Informações obtidas em: http://esa.un.org/Wpp/unpp/panel_population.htm. Último acesso em 10/02/2021
  6. Na atual definição do IBGE, População em Idade Ativa (PIA) inclui todas as pessoas com 16 anos ou mais. A População Economicamente Ativa (PEA) é obtida pela soma da população ocupada e desocupada com 16 anos ou mais de idade. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho.html. Último acesso em: 10/02/2021
  7. Mediana da taxa de dependência no período.
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