Artigo: Inflação global e riscos – Por Eduardo Jarra, da Santander Asset Management*

As atuais pressões inflacionárias observadas nas economias avançadas, em particular nos EUA, são relevantes e podem alterar o curso de resposta dos principais bancos centrais, levando a uma trajetória desfavorável no crescimento mundial. Nesse caso, os efeitos para os países emergentes seriam substanciais. Trata-se, assim, de tema chave para os investidores na elaboração de suas estratégias neste momento.

A aceleração da inflação nos últimos anos veio em intensidade surpreendente, refletindo diferentes fatores. Em primeiro lugar, e mais relevante, a pandemia afetou de forma considerável as cadeias produtivas ao redor do mundo, provocando elevação no preço de insumos para a produção. Essa pressão ainda permanece, e a demora para sua normalização reverbera sobre a inflação, sendo que dois fatos recentes reforçam a avaliação de que um equacionamento dessa situação somente ocorrerá ao longo de 2023: o aumento de casos de Covid-19 na China e a guerra entre Rússia e Ucrânia. Em segundo lugar, temos indicativos de demanda bastante aquecida, especialmente nos EUA, reflexo dos amplos estímulos econômicos, dentre os quais os de política monetária, que segue ainda bastante acomodatícia.

O mercado de trabalho americano é um ponto chave. A força de trabalho não retornou em sua totalidade ao mercado, em parte por questões relacionadas à pandemia, enquanto a abertura de vagas está aquecida, refletindo o atual estado da economia dos EUA. O resultado é uma taxa de desemprego baixa, com ganhos salarias em termos reais acima dos ganhos de produtividade, o que tende a gerar pressão inflacionária no futuro.

Cabe ressaltar que tendências estruturais benignas para a inflação vistas nas últimas décadas, como a maior inserção da China na economia global e a globalização, deverão ter efeitos menos visíveis nos próximos anos. Inclusive podem ocorrer alguns movimentos na direção oposta: recentemente temos visto questionamentos sobre vantagens e desvantagens de se buscar uma cadeia de produção mais resiliente a choques pós pandemia e tensão geopolítica, o que poderia significar algum retrocesso na globalização.

Nosso cenário antecipa um biênio ainda difícil para 2022 e 2023, com inflação pressionada e convergência para os objetivos dos bancos centrais somente a partir de 2024. Tal prognóstico, caso confirmado, terá mostrado a superação do período de inflação perigosamente baixa da década anterior, porém ao custo de uma inflação elevada no curto prazo e com risco de contaminação das expectativas de médio e longo prazo. Um regime de inflação mais equilibrado somente será visto mais próximo da metade desta década. Nossa avaliação é fundamentada pelos elementos a seguir.

Os desafios pelo lado da oferta deverão ser superados, porém num horizonte de tempo muito mais extenso do que o inicialmente previsto, quando veremos normalização da estrutura produtiva e acomodação dos custos de insumos básicos. Há fatores de risco relevantes em torno desta hipótese. A pandemia do Covid-19 não está encerrada e novos surtos de casos, até mesmo novas cepas do vírus, são potenciais entraves. O prolongamento ou mesmo o recrudescimento do conflito no Leste Europeu é outro risco importante.

A atuação vigilante dos bancos centrais e o encerramento de medidas de estímulos fiscais adotados durante a pandemia deverão conter os efeitos inflacionistas pelo lado da demanda. Nos EUA, esperamos que o Fed suba os juros (fed funds) até 3,5% em 2023, um pouco acima da taxa de equilíbrio (2,5%) e busque uma redução significativa do seu balanço de ativos nos próximos anos. Na Zona do Euro, apesar do atual risco geopolítico, o Banco Central Europeu (BCE) continuará na direção de redução dos estímulos; esperamos que, entre o trimestre final de 2022 e o primeiro semestre de 2023, a taxa de juros passe de -0,5% para 0,0%, com o BCE então seguindo num movimento de altas bastante graduais até uma taxa entre 1% e 1,5%. Nos demais países desenvolvidos, exceto Japão, continuaremos também vendo uma dinâmica de retirada de estímulos.

Além dos efeitos sobre a demanda, essa estratégia de política monetária é fundamental na tentativa de evitar deterioração das expectativas de inflação, minimizando a propagação dos atuais choques para períodos mais longos.

Erros de calibragem de política monetária, para ambas as direções, são possíveis neste momento. Consideremos o caso americano, onde a inflação segue surpreendendo desfavoravelmente e existe um debate dentro do Fed sobre a extensão do atual desafio e a resposta adequada. Por um lado, uma postura menos assertiva do Fed do que esperamos pode levar a uma espiral entre salários e preços, com contaminação das expectativas de inflação. Certamente teríamos um elevado custo para desinflacionar a economia nesse caso. Alternativamente, uma estratégia mais dura do Fed (ou seja, juros acima da nossa projeção de 3,5%) pode levar a uma recessão, resultado diferente da nossa expectativa de desaceleração apenas suave nos próximos anos.

Essas possibilidades não são desprezíveis, dado o ambiente inflacionário, o estágio avançado do ciclo econômico e o viés contracionista da política fiscal a frente. Os desdobramentos para a economia mundial seriam relevantes, com menos crescimento, maior aversão a risco e aperto das condições de liquidez. Esse contexto provavelmente viria acompanhado de queda no preço das commodities e maior seletividade dos investidores nos seus investimentos em mercados emergentes. Ainda que esse não seja o nosso cenário básico, consideramos tal risco muito relevante, o que requer monitoramento atento.

Em suma, a inflação global, especialmente nos EUA, traz um quadro desafiador. Nosso cenário considera recuo da inflação nos próximos trimestres, com retorno às metas dentro de dois a três anos. Neste momento, porém, há risco considerável de o ambiente inflacionário se tornar mais desfavorável. Isso poderia gerar uma resposta mais incisiva em termos de política monetária, com potencial para provocar desaceleração global mais forte. Nesse caso, teríamos um contexto claramente desfavorável para os países emergentes.

Fontes utilizadas: Bloomberg e FMI

*Responsável pela área de Macro e Estratégia e Economista Chefe. Juntou-se à SAM em dezembro de 2019, vindo da Parcitas Investimentos onde era sócio. Anteriormente atuou como Head de Macro e Estratégia e Economista Chefe na HSBC Global Asset Management. É graduado em Ciências Econômicas pela Universidade de São Paulo e Mestre em Economia e Finanças pelo Ibmec-SP.

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