Este ano de 2020 trouxe desafios raramente vistos para a sociedade e para a economia. O cenário pré-pandemia estava extremamente calmo e “previsível” com expectativa de aceleração do crescimento do PIB, estabilidade de juros em um patamar baixo de aproximadamente 4%, equacionamento do endividamento público com a aprovação da reforma da previdência e uma forte perspectiva de investimentos em setores como saneamento, concessões logísticas, infraestrutura e privatizações. Ou seja, estávamos vivenciando as condições climáticas ideais para a corrida das ações, principalmente as mais arrojadas.
Desde o final de 2019, a gestora Perfin Asset Management decidiu aumentar o nível de caixa de seus portfólios de renda variável indo na contramão do consenso do mercado. A implementação dessa estratégia mais defensiva se estendeu até início de 2020 combinando também compra de proteções (hedges) baseadas no preço do índice Bovespa. Elevamos o caixa para cerca de 30% do patrimônio dos fundos de ações, o dobro do padrão normal, e ficamos à espera do recuo das cotações. Aproveitamos, também, para realizar hedges de nossas carteiras. A decisão foi baseada em análise fundamentalista através do acompanhamento da projeção da taxa interna de retorno apertada que o time de gestão monitorava à época. Uma decisão nada trivial vis-à-vis o otimismo daquele momento com projeções do índice Bovespa chegando em 150 mil pontos.
O ajuste de preços começou na segunda quinzena de fevereiro e ganhou intensidade nas semanas seguintes, com a crise gerada pela pandemia da Covid-19. Entre a primeira e a segunda semanas de março, investimos 28% das nossas reservas de liquidez em ações. Aproveitamos que os fundos multimercados e os estrangeiros foram obrigados a vender suas posições com prejuízo pelas suas áreas de gerenciamento de risco em um movimento conhecido como stop loss que ocorre quando a volatilidade dos ativos fica muito elevada.
As escolhas recaíram, em sua maioria, sobre ações com as quais a gestora já operava, casos de Natura, Totvs, Cesp, Alupar, B3 e, num segundo movimento, a partir de abril, Hypera Pharma. Uma das investidas mais ousadas foi o reforço da posição na Iguatemi, nome de destaque em um dos segmentos mais afetados pelo surto do novo coronavírus, o de shopping centers. A opção por uma ação que acumulou desvalorização de 31,75% entre 1º de janeiro e 17 de junho foi baseada em critérios fundamentalistas de análise, seguidos à risca pela gestora.
Uma das abordagens utilizada para análise é a comparação do múltiplo obtido através da divisão do valor de mercado da empresa pelo seu lucro líquido (Preço/Lucro ou Price/Earnings). Observamos um processo interessante de expansão deste múltiplo de 2020 por dois motivos bem diferentes: (i) empresas que se beneficiaram por terem um crescimento acelerado do seu canal e-commerce beneficiado pelas medidas de isolamento social como por exemplo a Magalu e (ii) empresas em que o lucro líquido foi muito afetado pela pandemia, mas dado as ótimas perspectivas de normalização do lucro em 2021 tiveram uma forte recuperação do preço de suas ações como por exemplo a Localiza.
Apesar do otimismo em algumas teses específicas ligadas a dinâmica de recuperação da economia local, a gestora acredita que no curto prazo o índice Bovespa não tenha um desempenho tão positivo pois está ancorado por dois setores com peso grande no índice e que não devem apresentar fundamentos positivos nos próximos 12 meses: bancos e commodities.
Para os bancos, a visão é que a recuperação não vai se dar na sua plenitude em 2021 diferente do esperado em vários outros segmentos da economia e empresas. Atualmente os bancos estão com provisões altas para assegurar o cenário de inadimplência. Apesar de enxergar uma melhora da inadimplência para o próximo ano, acredita-se que estas provisões continuarão altas, para suprir o consumo das provisões do ano anterior e manter o índice de cobertura em um nível conservador. Se este cenário se concretizar, os bancos vão ter que manter o nível de Despesa de PDD (Provisões de Devedores Duvidosos) alto, prejudicando assim os resultados de lucros subsequentes.
Para empresas relacionadas às commodities (petróleo, minério, papel e celulose) a visão da gestora é cautelosa, pois independente do vencedor nas eleições presidenciais, devemos ver uma continuação das tensões comerciais entre China x EUA com forte impacto para cadeia industrial chinesa e consequentemente impactando a demanda por commodities em geral.
Ainda, existe um terceiro grupo no índice Bovespa que engloba empresas de diferentes segmentos tais como elétricas, tecnologia, varejo, consumo, infraestrutura entre outros na qual a Perfin acredita encontrar as melhores oportunidades de investimentos.
A gestora está otimista com a sua tese de CESP dado que a empresa segue como uma forte geradora de caixa, apresenta continuidade no processo de turnaround (pós privatização) e tem perspectiva de crescimento e diversificação de ativos de geração aproveitando a expertise e ativos “dentro de casa” da VTRM Energia Participações S.A. (controladora da CESP). Como também sendo potencial consolidadora para ativos quem venham a ficar disponíveis dado aperto de caixa de construtoras e pequenos players.
Nos últimos anos, a gestora vem diversificando o passivo dos seus fundos, através de plataformas, Multi e Single Family Offices, Bancos e espera ampliar a participação dos investidores institucionais, que já respondem por aproximadamente 12,5% do patrimônio líquido da estratégia de ações.
Atualmente, além da estratégia de ações, a Perfin faz gestão de alguns fundos direcionados ao investimento em infraestrutura através de FIPs (Fundos em Participações) no setor de energia (transmissão, eólico e solar). Acreditamos que o apetite dos fundos de pensão por FIPs só tende a crescer em um cenário de juros em patamares muito baixos.
*Sócio e gestor da Perfin Asset Management
(As opiniões e conceitos emitidos no texto acima não refletem, necessariamente, o posicionamento do Grupo Abrapp a respeito do tema, sendo seu conteúdo de responsabilidade do autor)