Existe uma percepção entre os investidores de que, supostamente, a adesão às práticas ESG na análise de ativos diminuiria a lucratividade de seus portfólios, uma vez que haveria de se optar por melhores práticas ou melhores retornos. Porém, a realidade é bastante distinta.
Ao pesquisar sobre a correlação dos fatores ESG com retorno ao acionista, nos deparamos inicialmente com muitos estudos inconclusivos. Diversos deles indicavam não haver claramente tal correlação, e a incorporação dos critérios ESG no processo de investimento, apesar de indicar na maior parte dos casos impacto neutro ou positivo, poderia ter impactos inesperados no retorno dos portfólios.
Porém, uma característica comum a grande parte desses estudos, é que eles não diferenciam fatores materiais e não materiais nos scores, utilizando em sua maioria dados das consultorias de rating ESG, tais como Sustainalytics, MSCI e FTSE, entre outras. Vale comentar que há enorme divergência entre estas consultorias. Estudo do Credit Suisse (abaixo) mostrou que há inúmeros casos de empresas bem avaliadas por uma consultoria, mas muito mal avaliadas por outra. Essa discrepância, portanto, tira credibilidade dos estudos que utilizam os scores de forma “bruta”, sem fazer nenhum tipo de ajuste.
Divergência nos ratings entre grandes companhias, nos EUA
O estudo mais robusto que encontramos sobre o tema de retorno, foi o de Serafeim, G., et al (Harvard Business School, 2016), que separou fatores materiais dos não materiais na análise, chegando a conclusões muito interessantes. Durante este processo é importante que cada empresa observe a materialidade das questões a serem consideradas, conforme sua atividade. Como exemplo, imaginemos uma empresa de mineração que faça doações para um projeto educacional no vilarejo onde atua, mas falha ao cuidar de suas barragens, ou da destinação dos resíduos oriundos de sua atuação. Ou uma empresa de moda que é ativista social, mas não se preocupa com a quantidade de água que é usada para produzir seus tecidos. Além da correta escolha dos fatores-chave, estas empresas devem estabelecer uma governança com metas claras e políticas de alinhamento para que todos os stakeholders persigam os mesmos objetivos.
O que fizeram neste estudo foi corrigir os scores ESG das empresas pelos fatores considerados materiais, pelo mapa de materialidade do SASB. Vale mencionar que o estudo usou dados de mais de 2.000 empresas, durante um período de mais de 20 anos. Os resultados se encontram na tabela abaixo.
Annualized Alphas | Material Issues | ||
Low | High | ||
NonMaterialIssues | Low | -2,90% | 6,01% |
High | 0,60% | 1,96% |
Como podemos ver, há uma clara correlação entre score ESG em fatores materiais e a performance das ações, o que nos pareceu bastante razoável. O que nos surpreendeu foi o fato de que as ações que melhor performaram foram aquelas que apresentaram elevados scores em fatores materiais e baixos scores em fatores imateriais. Isto nos levou a concluir que uma empresa que gaste tempo, recursos e energia em questões não relevantes para seu negócio destruirá valor ao longo do tempo.
Este estudo nos mostrou a importância de identificar, em cada setor analisado, quais fatores devem ser focados e quais a serem desprezados. Para as empresas, temos duas dicas de caminhos a seguir ao determinar o que é e o que não é material para seu ramo de atuação: (i) o mapa de materialidade do SASB e (ii) pesquisa ampla com os stakeholders (funcionários, clientes, acionistas, fornecedores, etc.).
Desta forma, concluímos que é altamente importante a incorporação de fatores socioambientais pelo setor corporativo. Afinal, se achássemos que não faria sentido para as nossas investidas abraçarem esta questão, como forma de se diferenciarem e criar valor para nós, acionistas, não haveria motivo óbvio para nós, como gestores de recursos, incorporarmos estes fatores em nossos processos de análise.
Apesar de tratarmos aqui de temas profundos de maneira ainda superficial, esperamos somente que sirva como mais um instrumento de motivação para que as empresas olhem os fatores socioambientais como algo fundamental para a continuidade e rentabilidade de seus negócios no longo prazo, uma vez que, conforme mostramos, diversos estudos das mais respeitadas consultorias em suas áreas de atuação e artigos acadêmicos mostraram a relevância destes fatores.
Alertamos, no entanto, para a importância de (i) identificar a materialidade das ações, (ii) estabelecer comitês e políticas, (iii) definir metas a serem perseguidas, com o alinhamento de todos, (iv) medir, padronizar e dar transparência às informações e (v) rever, quando necessário, o que não estiver contribuindo. É importante frisar que não somos favoráveis ao desperdício de tempo, recursos, e muito menos advogamos pelo papel de arbítrio moral das empresas na sociedade, através de futilidades. Se bem feito, as empresas vão associar o BEM com a rentabilidade.
*Márcio Roberto Correia é um dos sócios da JGP e gestor dos fundos de ações. Anteriormente, foi Diretor Executivo do Banco UBS Pactual, sendo co-gestor e chefe do time de análise de empresas para os investimentos proprietários do UBS Pactual para América Latina (2005 – 2007), analista dos setores de telecom e companhias aéreas no próprio Banco Pactual (2004) e de telecom, siderurgia e mineração no Banco Credit Suisse (2001 – 2004). Ele é Engenheiro Aeronáutico formado pelo ITA.