Artigo: O futuro da indústria de gestão – A nova commodity

Por Rodrigo Terni* – Os gestores de fundos multimercados, ou “hedge funds”, como eram chamados em sua origem, sempre foram rodeados de mistérios. Gênios financeiros que utilizavam suas mentes brilhantes para antecipar movimentos do mercado financeiro e tomar decisões ousadas capazes de derrubar bancos centrais e gerar retornos altíssimos aos seus investidores. Dezenas de biografias foram escritas e alguns livros, como Market Wizards, de Jack D. Schwager, se tornaram livros de cabeceira para aspirantes à gestores.

Poucas pessoas perceberam, entretanto, que a maioria desses gestores têm saído de cena. A maioria dos gestores citados no livro “Market Wizards ou no More Money than God” – outra referência – fecharam seus fundos. A pergunta que fica é: Estaríamos entrando em um mundo novo onde os gestores já não possuem o mesmo protagonismo?

A resposta na verdade tem pouco a ver com eles, e tudo a ver com uma nova commodity, que surgiu silenciosamente e hoje já é reconhecida como o novo petróleo: dados.

Para entendermos o impacto dos dados na transformação do mercado financeiro, primeiro precisamos entender o que efetivamente faz um gestor de um fundo multimercado. Um gestor multimercado precisa ser capaz de analisar uma quantidade enorme de informações e de variados tipos. Como esse gestor possui a liberdade de atuar/operar em qualquer mercado, de juros a commodities, e em qualquer país, ele precisa estar tremendamente bem informado antes de montar uma posição. Além disso, essa posição pode ser a favor (comprado) ou contra o mercado (vendido), o que aumenta ainda mais o nível de complexidade de seu trabalho.

Como exemplo do que esse gestor pode analisar, podemos citar dados fundamentalistas de empresas, indicadores econômicos de um país ou do mundo todo, preços de mercado ao redor do mundo de milhares de ativos financeiros, notícias, boatos, e qualquer outra informação que você seja capaz de imaginar. Todas essas informações são exemplos dessa nova commodity. A questão que surge então é: se desde o início dos primeiros fundos multimercados o gestor já deveria estar bem informado, por que estamos falando sobre dados somente agora?

A Revolução da Informação – A resposta está na revolução que estamos atravessando nos últimos 20 anos. Se voltarmos no tempo até a abertura do primeiro hedge fund do mundo, que surgiu em 1949, notaríamos que a única forma de estar informado era lendo o jornal ou conversando com uma pessoa conhecida. Sem internet, era impossível trabalhar com informação em tempo real. Os dados que chegavam até as pessoas eram previamente analisados (ou, num termo mais técnico, processados) por jornalistas ou por intermediários, e isso levava tempo – algumas horas ou até mesmo dias. E a quantidade de dados era insignificante perto do que temos hoje.

Não acredita? Faça o exercício de procurar na internet por um jornal de 70 anos atrás. Você encontrará apenas poucas páginas e a maioria das informações serão sobre acontecimentos locais, pouco relevantes para o mercado financeiro. Era, portanto, uma realidade com grande limitação de dados e toda a informação disponível foi verificada (e interpretada) antes de chegar até você – chamados portanto de dados processados.

Dados processados facilitam porque já são tratados previamente, de forma que as fontes já foram checadas (em tese) e você pode confiar na sua validade como informação, um prato cheio para um gestor ser capaz de “ligar os pontos”. Com base nessas informações, aqueles que eram geniais floresceram, e seus fundos geraram retornos inimagináveis. O Quantum Fund, citando um exemplo conhecido, gerou retornos de 20% ao ano por quase 4 décadas sob a tutela de George Soros. Nos últimos anos de sua operação, porém, o fundo deixou de performar e um novo tipo de gestão emergiu.

No início de 1990 o fundo Medallion começou a criar um nome em Wall Street. Diferente dos gestores especialistas em economia e negócios que existiram até então, o gestor desse fundo era um brilhante matemático chamado Jim Simons. Mais distante ainda dos fundos existentes, esse gestor falava sobre o uso de estatística para replicar a estratégia que, até então, era feita intuitivamente (conceito que foi motivo de piada naquela época). O problema, que apenas Simons percebeu, era que o volume de dados e a velocidade com a qual estes eram criados crescia exponencialmente.

Dados Brutos = Vantagem Competitiva – Não era mais vantajoso aguardar até que uma informação fosse tratada e verificada para que pudesse ser utilizada, dada a aceleração do mercado. Simons, pioneiro, passou a perseguir informações mais rápidas, diretamente na fonte. São os chamados dados brutos. Ao invés de aguardar um relatório sobre uma ação, confeccionado por um analista na área de Research de um banco, os gestores passaram a receber, de forma digital, todos os demonstrativos financeiros de uma empresa. Acessar o dado na fonte diminui consideravelmente o tempo necessário para começar a desenvolver uma análise sobre uma empresa – contudo, os dados não eram tratados e precisavam de muito trabalho até que pudessem ser utilizados.

O problema foi se tornando o oposto do que era no passado: ao invés de pouca informação, era informação demais, e sem tratamento. E aí surgiu um novo desafio, pois o ser humano não consegue processar um volume gigante de dados com rapidez nem com qualidade – em especial porque carregamos filtros em nossa natureza que priorizam dados que confirmam o que já acreditamos e descartam aqueles que vão contra essas crenças pré-existentes.

Os gestores tradicionais, que ignoraram a evolução do mercado e preferiram apostar nos dados processados, experimentaram uma extinção em massa nos últimos 20 anos. Os que apostaram em dados brutos floresceram e receberam o nome de “quants”. Na prática, o nome é irrelevante. Eles são apenas a evolução de um sistema já antigo e atrasado.
O pulo do gato é que os próprios dados brutos já estão ficando antigos.

Como tudo na natureza, esse mercado continua evoluindo e estamos adentrando novamente num mundo totalmente diferente – um mundo onde os dados brutos, analisados por várias camadas de tecnologia, já são lentos demais.

Entram os Dados Alternativos – Imagine que você está tomando conta de alguns bilhões de dólares em seu hedge fund, e, com auxílio de tecnologia, você é capaz de receber um balanço de uma empresa e analisá-lo em questão de segundos, identificar falhas e calcular um preço justo para a ação dela. Você se sente à frente do seu tempo. Mas, na realidade, você está alguns meses atrasado. Se você aguardou o balanço de uma empresa ser publicado, você esperou até que a “foto” daquele trimestre estivesse disponível para você – assim como ela agora está para todos – e está confiando que sua capacidade de calcular o preço justo dessa empresa é superior a de todo o mercado para que você possa lucrar na operação.

O fato é que você perdeu totalmente de vista o fato de que o mundo não é uma “foto”, mas sim um “vídeo”, com uma sequência de acontecimentos que resultaram naquele balanço que você recebeu. Ao longo do trimestre, a empresa teve altos e baixos, momentos em que estava acima da meta e momentos em que estava abaixo, e você nem ficou sabendo. Às vezes pegou um relatório ou uma notícia de jornal especulando o que estava acontecendo, mas não tinha como confirmar se era verdade ou não. O problema é que, nesse meio tempo, os gestores munidos de mais tecnologia foram capazes de acompanhar o vídeo, porque o combustível deles não são dados brutos, mas sim dados fabricados, ou alternativos. Esses dados são construídos pelo próprio gestor, e ninguém mais tem acesso à eles.

Em questão de milissegundos, um algoritmo de reconhecimento facial que analisa um discurso do presidente Trump é capaz de identificar a veracidade do que é dito, podendo determinar o teor do discurso e antecipar o seu impacto no mercado antes mesmo que o discurso acabe. Um drone é capaz de identificar volume de petróleo sendo transportado por uma navio tanque semanas antes do desembarque no porto. Algoritmos de machine learning podem inferir, através da leitura de mensagens em mídias sociais, a negatividade ou positividade das pessoas em relação à um governo ou empresa.

O seu celular se tornou uma fonte de informação de onde você vai, o que compra, o que vê, o que gosta, e tudo isso pode ser usado para medir o consumo de um produto, o quanto o público gosta dele e muito mais. A fatura de cartão de crédito das pessoas diz muito sobre a capacidade de poupança de um país. Absolutamente tudo que você vê e interage se transformará em dados que serão analisados por gestores para que eles possam montar o vídeo do que está acontecendo, e tomar decisões antes de qualquer outro.

Antigamente, o gestor que tinha sucesso era aquele que olhava o mercado financeiro e conseguia montar as peças do quebra cabeça apenas com a sua própria intuição. No jogo de hoje, o quebra cabeça é tão extenso que não é possível montá-lo por completo, apenas algumas pequenas seções dele de cada vez. Quanto mais investimento for feito, e mais tecnologia for utilizada, mais seções serão esclarecidas e estarão à disposição do gestor. O gestor que acredita que ler jornal é suficiente está acreditando que consegue montar o quebra cabeça de infinitas peças segurando 10 delas na mão. A provocação que fica então é: quantas peças o seu gestor está enxergando?

*Co-Fundador e Co-CEO da Giant Steps Capital. Bacharel em engenharia elétrica pela POLI/USP com duplo diploma pela POLI/MILANO, Rodrigo tem mais de 10 anos de experiência como gestor e certificado pelo CFA.

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