Passivos atuariais dos planos da modalidade de benefício definido têm se tornado uma dor de cabeça para as entidades fechadas de previdência complementar há algum tempo. E cada entidade e plano têm a sua própria razão para chegarem à mesma conclusão: as mudanças das premissas utilizadas neste tipo de plano são complexas, difíceis de serem explicadas e, mesmo com atestados, variam a cada alguns anos.
Bom, nada disso é mentira. Sabemos que tábuas de mortalidade são testadas, no mínimo, a cada três anos e não importa se, em seu teste de hipóteses biométricas, o atuário aplica qui-quadrado, kolmogorov-mirnov ou viés de tendências. Em algum momento, haverá a mudança da tábua de mortalidade e o fluxo do passivo será completamente alterado. No entanto, quem lida com estes dados sabe que não há hipótese que cause mais ansiedade do que a taxa de desconto atuarial.
Segundo exigências da PREVIC, as hipóteses de taxa de juros devem ser realizadas anualmente, de forma a comprovar que a taxa de desconto a ser utilizada no cálculo do fluxo do passivo esteja em linha com os retornos esperados pela carteira de investimentos existente. É verdade que, se temos uma carteira, quase que completamente, marcada na curva, os estudos de aderência de taxa de juros não deveriam dar resultados tão diferentes. Mas o que acontece em muitas das entidades de fundos de pensão é que os papéis de NTN-B comprados há anos estão começando a vencer ou têm uma duration baixa em comparação com seu fluxo do passivo.
Nos dois casos, o estudo fica comprometido, sendo necessário rever a taxa de juros para a avaliação atuarial. Entretanto, estamos vindo de anos consecutivos de diminuição de taxa de juros no Brasil. Papéis de NTN-B, que antes eram encontrados pagando um prêmio de 6% a.a., estão pagando 3% a.a. e os planos de benefícios que calculavam o passivo atuarial utilizando a premissa 5% a.a. de taxa de juros se viram na situação de ter de diminuir essa premissa para 4% a.a..
Em termos de cenário econômico, 1% a.a. não parece tão assustador, mas aqueles que vivem analisando e conhecem seu fluxo do passivo sabem que qualquer mudança na taxa de juros pode fazer uma diferença importante em seu passivo.
Para ilustrar melhor este contexto e os respectivos impactos, podemos fazer uma simulação considerando um plano de aposentadoria de modalidade BD, com sua massa toda em benefícios concedidos, ou seja, em momento de recebimento. Nesta situação, o plano não tem oxigenação de pessoas mais jovens ou entrada de dinheiro. Consideramos também que todos os benefícios são de renda mensal vitalícia e a base de participantes é de 4.264 pessoas. Deste total, 3.427 são assistidos com idade média de 72 anos, recebendo aposentadoria média de R$ 3.521,00 mensais (seja normal ou de invalidez) e 837 pensionistas com idade média de 73 anos, com benefício de R$ 3.862,10 mensais. Toda a massa é dividida em 50% homens e 50% mulheres em pensão.
Neste cenário, uma redução de 0,5%p.p. de sua taxa de juros aumenta o passivo em torno de 4%. Ou seja, para uma taxa de juros de 3,5%, o passivo é de R$ 2.315.258.125,15, enquanto que, para a taxa de 3%, o passivo passa a ser R$ 2.430.081.141,93. Abaixo algumas simulações:
Taxa de juros anual | Reserva |
3,00% | R$ 2.430.081.141,93 |
3,50% | R$ 2.315.258.125,15 |
4,00% | R$ 2.209.556.624,85 |
4,50% | R$ 2.112.034.889,55 |
5,00% | R$ 2.021.867.706,44 |
5,50% | R$ 1.938.329.771,63 |
6,00% | R$ 1.860.781.738,05 |
Nas simulações apresentadas, podemos ver o impacto dos resultados de uma massa total. Quando observamos as reservas individuais, é possível perceber que, quanto mais jovem o participante ou dependente com direito a renda mensal vitalícia, maior o impacto em sua reserva. Como na base analisada há mais dependentes jovens do que participantes, os dependentes têm um impacto maior no estudo. Isso acontece pois, quanto mais jovem a pessoa, mais longo o seu fluxo do passivo e, portanto, maior impacto em sua reserva. Abaixo as variações médias por faixa etária e mudança de taxa de juros:
Faixa Idade | De 3,0% a.a. para 3,5% a.a. | De 3,5% a.a. para 4,0% a.a. | De 4,0% a.a. para 4,5% a.a. | De 4,5% a.a. para 5,0% a.a. | De 5,0% a.a. para 5,5% a.a. | De 5,5% a.a. para 6,0% a.a. |
20 | 7,07% | 6,77% | 6,49% | 6,21% | 5,96% | 5,71% |
30 | 7,23% | 6,86% | 6,52% | 6,20% | 5,90% | 5,62% |
40 | 6,69% | 6,38% | 6,09% | 5,82% | 5,56% | 5,32% |
50 | 6,68% | 6,41% | 6,15% | 5,90% | 5,66% | 5,44% |
60 | 5,53% | 5,34% | 5,15% | 4,98% | 4,81% | 4,65% |
70 | 4,35% | 4,22% | 4,10% | 3,98% | 3,87% | 3,76% |
80 | 3,10% | 3,03% | 2,96% | 2,89% | 2,82% | 2,75% |
90 | 2,46% | 2,41% | 2,35% | 2,30% | 2,25% | 2,20% |
100 | 2,31% | 2,26% | 2,21% | 2,16% | 2,12% | 2,07% |
Considerando que, a cada ano, essa mesma população envelhece, podemos entender que o passivo deveria diminuir. No entanto, essa redução não consola aqueles que têm fluxos de passivo no limite de um déficit. A diminuição do passivo pelo envelhecimento de sua população não se equivale a um aumento causado pela diminuição da taxa de juros. Se pegarmos como exemplo essa mesma base de participantes e calcularmos o passivo posicionado em 2019, um ano antes das simulações apresentadas até aqui, a variação no passivo ficaria em 2,4%.
Obviamente os resultados acima assumem a necessidade de redução da taxa de juros, mas há outras opções, como, por exemplo, diversificar os ativos da carteira para melhorar o retorno esperado. O lado negativo dessa opção é o possível aumento no risco que essa diversificação pode causar em uma carteira de plano de benefícios definido, em que, muitas vezes, os participantes já estão aposentados e o risco de déficit cairá sob a patrocinadora e estes aposentados. Este cenário reforça a necessidade da parceria entre a área atuarial e a área de investimentos, para que a solução conjunta atenda da melhor forma os participantes e patrocinador.
Por fim, vale ressaltar que o passivo tem uma relação inversa à reserva matemática. Afinal, trata-se de uma taxa de desconto no fluxo calculado para trazer a valor presente o total desse fluxo.
*Sócia e Diretora da Área de Previdência, com foco em Atuarial, da LUZ Soluções Financeiras. Formada em Ciências Atuariais pela PUC e com MIBA (sócia-membro do Instituto Brasileiro de Atuária), possui experiência nas áreas de inteligência de mercado, saúde suplementar e previdência complementar.