Artigo: O momento para os investidores brasileiros considerarem os mercados globais é agora – Por Yoram Lustig*

Yoram Lustig

Historicamente, as altas taxas de juros domésticas e os rendimentos dos títulos significavam que os investidores brasileiros podiam satisfazer a maioria de suas necessidades de investimento alocando principalmente em títulos do governo brasileiro. No entanto, no momento atual, a queda nas taxas mudou esse cenário. Hoje, não há dúvidas: os investidores podem e devem ampliar o seu olhar e passarem a considerar oportunidades futuras como, por exemplo, os mercados globais.

Para ajudar a entender essa nova conjuntura, é importante contextualizar alguns pontos que considero cruciais para os próximos passos dos investidores, rumo aos mercados globais. Os retornos patrimoniais globais sem hedge têm sido, historicamente, correlacionados de forma equivocada com os ativos brasileiros. Em síntese, os títulos investment grade globais protegidos contra o real brasileiro exibiram baixa volatilidade – menos de 3% – com retornos elevados devido ao carrego positivo do hedge cambial.

Nesse contexto, reforço a importância de ter em mente que adicionar investimentos estrangeiros – tanto ações quanto títulos – à uma carteira de ativos brasileiros, pode aumentar o retorno e mitigar riscos. Este é, de fato, o momento oportuno para os investidores brasileiros considerarem esta diversificação.

Até agora, os investidores no Brasil costumavam favorecer duas classes de ativos: títulos do governo brasileiro e ações brasileiras. Com taxas de juros de curto prazo superiores a 10%, os retornos dos títulos públicos foram suficientes para atender às necessidades da maioria dos investidores.

O governo brasileiro não deixou de pagar sua dívida soberana desde 1898; a dívida soberana indexada à inflação oferece uma proteção contra a devastação da inflação e rendimentos reais atraentes; e não há risco de moeda porque os títulos são denominados em reais. Então, com uma relação risco / retorno como essa, por que investir em outra coisa?

Um dos principais motivos é que os mercados no Brasil estão mudando. Conforme ilustrado na Figura 1 (abaixo), em meados de 2017, as taxas de juros de curto prazo no Brasil caíram abaixo de 10% e permaneceram lá, atingindo uma baixa recorde de 2,00%.

Mas é importante ponderar que essa queda nas taxas é uma bênção e uma maldição. O aspecto positivo é que se trata de um subproduto de níveis de inflação mais controlados (abaixo de 5%) e da saída do país da recessão em 2019, com a esperança de reformas necessárias e melhoria das condições econômicas daqui para frente.

Por outro lado, a desvantagem é que, se as taxas permanecerem baixas, ou mesmo caírem ainda mais, os títulos públicos por si só dificilmente proporcionarão rendimentos suficientes em termos reais e ganhos de capital para satisfazer as necessidades de retorno dos investidores. Logo, não há dúvidas de que os investidores brasileiros devem pensar em mudar seus hábitos.

Figura 1: Taxas de curto prazo, inflação e taxa de crescimento do PIB

Fonte: T.Rowe Price, CETIP, IBGE. Brazil Cetip DI Interbank Deposit Rate, Brazil CPI IPCA YoY, Brazil GDP YoY 1995 = 100. Março de 2000 a Junho de 2020, números trimestrais.

A busca pelo crescimento

A queda nas taxas de juros motivou mais investidores domésticos a aumentar sua alocação em ações brasileiras. Como os rendimentos e ganhos potenciais de capital dos títulos brasileiros diminuíram, os investidores estão em busca de novos motores de crescimento em suas carteiras e fontes de retornos potenciais atraentes para cumprir seus objetivos de investimento.

Mas existem dois desafios principais ao investir no Ibovespa. Um é que se trata de um índice concentrado em termos de número de constituintes e setores. Ou seja, inclui menos de 80 títulos: quase 40% do índice está em finanças e cerca de 30% em materiais e energia. O segundo desafio com o Ibovespa é que ele tem sido, historicamente e por natureza, volátil (volatilidade anualizada em torno de 24%, em comparação com cerca de 16% das ações globais). Os investidores que tradicionalmente aportam em títulos públicos podem achar que é um desafio lidar com as baixas experimentadas pelas ações brasileiras.

Outro fator importante a ser considerado é que a queda dos rendimentos dos títulos também gerou um interesse crescente em investimentos estrangeiros. Embora muitos investidores brasileiros estejam em seus estágios iniciais de investimento no exterior, geralmente com uma alocação inferior a 1%, a expectativa é que a alocação para esses investimentos cresça com o tempo. Recentemente, o regulador brasileiro simplificou a aplicação em investimentos estrangeiros para fundos de pensão relaxando as regras e reduzindo as restrições. Dessa forma, é seguro afirmar que os méritos para investimentos fora do Brasil são fortes e abundantes.

Os benefícios dos investimentos estrangeiros

Seguindo a linha de raciocínio exposta até aqui, em nossa perspectiva, os investidores podem obter resultados significativamente melhores adicionando renda fixa e ações estrangeiras às carteiras de ativos domésticos.

Vale reforçar mais uma vez que, em primeiro lugar, a correlação entre os retornos das ações globais – medidos pelo Índice MSCI All Country World (ACWI) – e os retornos dos títulos do governo brasileiro tem sido historicamente negativa. Isso significa que adicionar ações globais à uma carteira predominantemente investida em títulos brasileiros pode reduzir os riscos gerais da carteira. Embora isso possa ser contra intuitivo, adicionar ações de risco à uma carteira conservadora de títulos reduz os riscos, em vez de aumentá-los.

A associação negativa pode ser parcialmente explicada pela exposição cambial. Se a moeda não estiver protegida por reais, a exposição ao dólar americano, euro e iene japonês adiciona benefícios de diversificação. O dólar americano, em particular, tende a funcionar como um ativo de proteção. Durante uma liquidação de ações e títulos de mercados emergentes, uma fuga para a qualidade pode levar os investidores a comprar dólares americanos, o que gera uma valorização da moeda.

Assim, é importante ressaltar que, como ilustra a Figura 2, a correlação entre títulos brasileiros e ações globais tende a ser negativa quando mais importa. Ou seja, quando os títulos brasileiros apresentam desempenho insatisfatório, as ações globais tendem a apresentar boa performance e vice-versa. A correlação condicional negativa – correlação quando os títulos brasileiros perdem valor – é a razão pela qual adicionar ações globais a uma carteira de títulos brasileiros poderia agregar valor considerável – tanto para mitigar riscos quanto aumentar retornos.

Figura 2: Títulos brasileiros e ações globais têm se comportado de maneira muito diferente

O desempenho passado não é um indicador confiável de resultados futuros. Em 31 de julho de 2020. O gráfico mostra o real brasileiro contra o dólar americano, rolando o retorno de 12 meses dos títulos brasileiros, ações globais.

Fonte: T. Rowe Price, Bloomberg Barclays, MSCI. Junho de 2009 a julho de 2020. Bloomberg Barclays EM Moeda local: Brazil Total Return Index Unhedged BRL, MSCI All Country World Index, real brasileiro (taxa de câmbio à vista de USDBRL – preço de 1 USD em BRL).

Impacto da adição de investimentos estrangeiros à uma carteira de ativos brasileiros

Por causa de sua baixa correlação com ativos brasileiros e seus retornos atraentes, os investimentos estrangeiros poderiam beneficiar substancialmente uma carteira com um viés doméstico brasileiro. Para demonstrar os benefícios, consideramos a Carteira 1, que é investida 90% em títulos brasileiros e 10% em ações brasileiras. Em seguida, consideramos a Carteira 2, que está investida 50% em ações globais e 50% em títulos globais com hedge em reais. Combinar 50% da Carteira 1 e 50% da Carteira 2 ou 90% da Carteira 1 e 10% da Carteira 2 teria apresentado retornos mais altos e riscos mais baixos em comparação com a Carteira 1.

A Tabela 1 inclui os cálculos, mostrando o desempenho do backtest e uma seleção de medidas de risco.

Table 1: Características de retorno e risco de diferentes combinações de ativos

Brazil Bonds BrazilEquities Global Bonds Hedged to BRL ACWI in BRL Brazil Cash Brazilian Portfolio 190:10 Bonds: Equities GlobalPortfolio 250:50Bonds:Equities (Hedged) 50:50 Brazil: Global 90:10 Brazil: Global
Return (% p.a.) 13.4% 3.9% 13.7% 16.8% 9.6% 12.7% 15.6% 14.3% 13.1%
Volatility (% p.a.) 5.3% 23.6% 2.9% 15.5% 0.8% 6.0% 7.8% 4.5% 5.3%
5% VaR -1.6% -9.8% -0.2% -5.2% 0.4% -2.3% -2.2% -1.0% -1.8%
5% CVaR -2.3% -15.2% -0.6% -8.8% 0.3% -3.1% -3.9% -1.7% -2.7%
Max Drawdown -4.9% -43.7% -1.6% -21.1% 0.0% -5.5% -7.7% -4.4% -4.7%
Sharpe Ratio 0.72 -0.24 1.43 0.46 0.51 0.76 1.05 0.65


O desempenho passado não é um indicador confiável de resultados futuros.

Fonte: T. Rowe Price, Bloomberg. Bloomberg Barclays EM Local Currency: Brazil Total Return Index Unhedged BRL, Ibovespa, Bloomberg Barclays Global-Aggregate Total Return Index Value Hedged USD Hedged to BRL, MSCI All Country World Index BRL, Brazil Cetip DI Interbank Deposit Rate. Janeiro de 2003 a Julho de 2020.

A Figura 3 mostra o desempenho hipotético de uma carteira investida em ativos brasileiros (Carteira 1), uma carteira investida em ativos globais (Carteira 2) e uma mistura de 90% de ativos brasileiros e 10% de investimentos estrangeiros (90% Carteira 1 e 10% Carteira 2). Adicionar investimentos estrangeiros aos ativos brasileiros teria melhorado o desempenho, tanto aumentando os retornos quanto mitigando os riscos.

Figura 3: Desempenho cumulativo hipotético de diferentes combinações de ativos

O desempenho passado não é um indicador confiável de resultados futuros. As informações presentes neste material técnico são baseadas em simulações e os resultados reais poderão ser significatimente diferentes.

Fonte: Bloomberg Barclays, MSCI. Julho de 2008 a Julho de 2020. O período de tempo é ditado pelo conjunto de dados mais longo disponível para títulos do governo brasileiro. As carteiras são baseadas em retornos totais mensais de índices que representam classes de ativos, assumindo o rebalanceamento mensal para pesos-alvo

Conclusões

Por fim, as razões para adicionar investimentos estrangeiros à uma carteira de ativos brasileiros são convincentes. Potencialmente, permite aos investidores reduzir o risco por meio da diversificação; expande o conjunto de oportunidades de investimento; e fornece uma fonte de crescimento potencial futuro em momentos em que o potencial de valorização dos ativos brasileiros pode ser menor do que era no passado.

*CFA, Head of Multi-Asset Solutions, EMEA and Latam da T. Rowe Price, gestora parceria do BTG Pactual

 

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