Artigo: O mundo em busca de proteção contra a inflação – Por Andressa Monteiro de Castro, do BNP Paribas Asset Management*

Andressa Monteiro de Castro

O movimento de valorização do real tem chamando a atenção do mundo inteiro, saindo de valores próximos a $5,60 no fechamento do ano passado e hoje rondando os $4,75. Considerando o carrego, o BRL apresenta um retorno próximo de 20% desde o início do ano, recebendo o título de melhor moeda nesse período. Além disso, o fluxo de capital estrangeiro para a bolsa brasileira também se destaca entre os demais ativos globais. No acumulado de 2022, a B3 registrou a entrada de R$ 64bi, superior ao fluxo total do ano passado.

O que fez o Brasil se tornar tão atrativo?  A combinação entre a necessidade de proteção contra a inflação global (o chamado “inflation trade”) e o nosso nível elevado de juros tem sido um dos principais motivos para os investidores estrangeiros procurarem o mercado brasileiro. Vale também olhar o exemplo da ponta oposta: o Japão, diante da sua política de controle de juros em patamares excessivamente baixos (-0,1% na taxa curta e 0,0% na taxa de 10 anos), tem experimentado uma desvalorização acentuada de sua moeda, registrando um retorno de -5,7% no ano.

A inflação global, medida por um índice composto pelos países membros da OCDE, atingiu 7,7% em fevereiro, o ponto mais elevado desde os anos 90. Ela é resultado de um somatório de desorganização das cadeias de oferta, mudança do padrão de consumo e superaquecimento da demanda causados pela pandemia – e consequentes políticas fiscais e monetárias super-estimulativas adotadas como resposta – e agravados pelo conflito entre Rússia e Ucrânia.

Em um primeiro momento, acreditava-se que a inflação era pontual, puxada por poucos itens específicos como energia, alimentos e automóveis. Além disso, a visão de muitos economistas, inclusive do FED, era que a inflação de tratava de um choque de oferta, que se provaria transitório. Infelizmente, fomos aprendendo que, na verdade, a inflação era um processo disseminado – atingindo a maioria dos itens da cesta de consumo – e persistente. 

A natureza da pandemia levou a distorções significativas entre setores: enquanto estávamos impossibilitados de consumir serviços, passamos a canalizar nosso consumo em bens. Ao mesmo tempo, enfrentamos uma inelasticidade do lado da oferta, com uma capacidade limitada na produção de bens, escassez de insumos e de mão-de-obra e problemas de logística e de distribuição. Tudo isso fez a inflação de bens disparar. Com a reabertura da economia, a inflação de serviços também passou a avançar, impulsionada pela demanda reprimida e recomposição de margens devido ao aumento de custos. Tais pressões foram exacerbadas pelos estímulos fiscais e monetários feitos de forma sincronizada por diversos países do mundo – inclusive pelo Brasil – servindo de combustível para o aquecimento da demanda. 

Além de todos esses efeitos em ação sobre os preços, a pandemia continua gerando impactos inflacionários adicionais com o surto da Ômicron na China afetando ainda mais as cadeias de oferta. Embora a maioria dos países esteja adotando o modo “endemia”, viabilizado pela vacinação, a China tem mantido a política de tolerância zero com a pandemia, instituindo lockdowns em províncias importantes para a produção industrial e de tecnologia, como Shenzhen e Tangshan, além de Shanghai. Isso tem levado a uma nova alta nos preços de manufaturados, que será disseminada por toda cadeia de produção, atingindo os demais países do mundo.

Em cima de tudo isso, veio o conflito entre a Rússia e a Ucrânia para elevar ainda mais a temperatura da inflação global. Apesar de ambos países representarem uma parcela pequena do comércio global – pouco mais de 2%, somados – eles são fornecedores relevantes de algumas commodities. A Rússia é dona de 12% do market share de petróleo do mundo e é responsável por mais de um terço das exportações de gás natural para a Europa, além de ser a maior produtora de fertilizantes do mundo. Já a Ucrânia detém 8,5% das exportações de trigo e quase 13% das exportações de milho. A possibilidade de interrupções ou dificuldades no fornecimento dessas commodities têm levado a uma disparada em seus preços, que também está sendo repassada para produtos derivados e substitutos.

É diante desse pano de fundo que os investidores estrangeiros têm buscado proteção contra a inflação, comprando ativos reais, como commodities e bolsas cuja composição possui maior exposição à commodities, e vendendo títulos que vêm perdendo valor, como o tesouro americano e bonds europeus. 

A América Latina foi destaque nessa rotação de carteira. Isso, porque os países emergentes são os maiores exportadores líquidos de commodities e, portanto, são os que mais se beneficiam da alta de preços. No entanto, a Ásia tem sofrido com o enfraquecimento do mercado imobiliário chinês e com as restrições adotadas pelo surto recente de coronavírus. A Europa tem sido prejudicada pela sua dependência de gás natural da Rússia e proximidade do conflito. Já a América Latina, região que sofreu as maiores fugas de capital estrangeiro ao longo da pandemia, passou ficar sob os holofotes do mundo, atraindo grande parte desse fluxo nesse 1º trimestre. 

Nossa moeda tem sido protagonista neste novo ato, refletindo a atratividade do nosso diferencial de juros em relação aos nossos pares. O Banco Central do Brasil foi dos primeiros a responder à aceleração da inflação. Iniciamos 2021 com uma Selic de 2% e alcançaremos 12,75% na próxima reunião de política monetária, segundo o BC. Isso nos posiciona como a uma das melhores operações de carrego (carry-trade) do mundo e oferece retorno acima da inflação da maioria dos países.

Assim, o BRL vem sendo duplamente favorecido. Além desse fluxo financeiro positivo, o fluxo comercial também tem contribuído para a valorização do real. Semana após semana verificamos resultados excepcionais das nossas exportações, impulsionadas não só pela alta dos preços das commodities, como também pelo volume de exportação acima da média histórica de produtos como petróleo, combustíveis, soja, carnes e celulose. Embora nossas importações também estejam elevadas, a balança comercial tem apresentado resultados significativamente positivos.

Entretanto, mesmo contabilizando essa melhora do câmbio, nossa visão para a inflação doméstica ainda é pessimista. Grande parte do aperto da política monetária surtirá efeito sobre nossa demanda e inflação apenas a partir do 2º semestre desse ano, devido à demora do efeito de ação da política monetária. No curto prazo, continuaremos convivendo com uma inflação bastante pressionada, flutuando próxima a 10% até agosto, e fechando o ano acima de 7%, segundo as nossas projeções. Isso significa que estouraremos pelo segundo ano consecutivo o teto da meta de inflação.

Para o ano que vem, a convergência da inflação para a meta será um enorme desafio para o Banco Central, visto que nossa projeção de inflação se encontra acima de 4% e as expectativas de inflação do Focus também estão desancoradas, em 3,8%. No entanto, acreditamos que grande parte da dinâmica inflacionária e da evolução das expectativas dependerão da condução do próximo governo a respeito do novo regime fiscal.

*Andressa Monteiro de Castro é Economista-chefe BNP Paribas Asset Management. Ela é graduada em Economia pela Universidade de Brasília (UnB), com Mestrado em Economia pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ).

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