Futuro é algo que se constrói, não nasce feito, acreditam muitos, que também veem no gesto de quem poupa regularmente para a aposentadoria provavelmente a melhor prova disso. Da mesma forma que poucos duvidam de que o poupador aparece aqui como um sujeito de muitos méritos que, por isso mesmo, merece ser reconhecido e incentivado.
Igualmente, as entidades que, sem ter finalidade do lucro, devem ser priorizadas em programas de governos, pois ajudam os trabalhadores a acumular reservas para sobreviver dignamente no pós trabalho.
Infelizmente, o Brasil se arrisca a não fazer nem uma coisa nem outra, ao tributar pessoas que constroem sua aposentadoria futura como se fossem meros clientes de instituições financeiras. Nada mais distante da realidade, considerando que as entidades fechadas, constituídas por patrocinadoras ou instituidores, existem unicamente para ajudar os trabalhadores em seu propósito, muito ao largo de qualquer objetivo de lucro para as organizações que lhes dão vida.
O risco disso surgiu com o PLP 68, enviado pelo Governo para fins de regulamentação da reforma tributária e que tramita atualmente na Câmara dos Deputados. O projeto não distingue entre entidades fechadas, as únicas que têm um claríssimo propósito previdenciário, que pagou em 2023 mais de R$ 100 bilhões a 1 milhão de aposentados e pensionistas, e produtos oferecidos pelo mercado financeiro. Como deputados e senadores têm um prazo exíguo à frente para votar a matéria, fica evidente a necessidade de a sociedade civil reagir sem tardar à ameaça.
Há de fato uma ironia nisso tudo. Afinal, enquanto de um lado se reconhece e lamenta a proverbial falta de uma cultura previdenciária enraizada em nosso País, de outro se adota políticas que desmotivam o poupador que acumula reservas para a sua própria aposentadoria.
A ameaça que paira sobre o esforço de formação de uma verdadeira poupança previdenciária contraria, além disso, corajosas políticas públicas encetadas pelo próprio Governo, através do Ministério da Previdência Social e de órgãos que comanda, como a Secretaria dos Regimes Próprio e Complementar e Superintendência Nacional da Previdência Complementar. Tanto da parte do Ministro Carlos Lupi, como dos comandos da SRPC e PREVIC tornou-se muito clara a partir de 2023 a orientação no sentido do fomento do segmento verdadeiramente previdenciário da previdência complementar. Seria um absurdo desperdiçar os avanços já conseguidos. Uma perda que o Brasil não merece.
E quando digo Brasil penso no País e nos brasileiros que perderiam com isso, muito além dos diretamente prejudicados, os participantes de planos previdenciários complementares.
E se insistirmos no erro estaremos nos distanciando ainda mais daquelas nações que se destacam no mapa-múndi por sua prosperidade. Detalhe importante a não ser esquecido: tais países se utilizam exatamente da poupança previdenciária para, ao transformá-la em investimentos estáveis e contínuos durante as décadas de acumulação das reservas, dar impulso à sua atividade econômica. Fazendo isso criam emprego e renda, elevam a arrecadação e tiram uma parte da responsabilidade do Estado em garantir quase sozinho as futuras aposentadorias.
Conseguem isso e muito mais porque criaram as condições para que os seus pension funds acumulassem reservas em geral equivalentes a pelo menos 90% de seus respectivos PIBs nacionais, enquanto aqui estacionamos há décadas em modestos 13%. Tal percentual perde ainda mais significado se comparado aos países europeus e asiáticos que chegam ao dobro do PIB e até mais.
Por puro bom senso, portanto, o equívoco deve ser desfeito. Mesmo porque, como é fácil de perceber, há muito mais em jogo do que os interesses de um segmento e daqueles brasileiros que diretamente dele participam. Em resumo, é do futuro do Brasil que estamos falando.
* Jarbas Antonio de Biagi é Diretor-Presidente da Abrapp