Artigo: O seu portfólio está preparado para a volta da inflação? – Por Rodrigo de Alencar Aloi*, da Itajubá Investimentos

Rodrigo de Alencar Aloi

A inflação está morta ou hibernando? A pergunta foi o título dado ao discurso de Claudio Boro, Chefe do Departamento Econômico e Monetário do BIS (Bank for International Settlements) – organização responsável por apoiar a busca dos bancos centrais pela estabilidade monetária e financeira por meio da cooperação internacional. De fato, nos últimos 30 anos o risco de inflação alta ficou longe de ser uma preocupação para as autoridades monetárias dos países desenvolvidos e, mais recentemente, também dos países emergentes, como no caso do Brasil. Além da forte desaceleração nos índices de preços, os bancos centrais espalhados pelo mundo têm tido dificuldade de “ressuscitar” a inflação mesmo lançando mão de medidas inéditas de política monetária, consideradas extremamente acomodatícias.

Em decorrência desse cenário, não é nenhuma surpresa que os portfólios institucionais tradicionais estejam sub alocados em ativos de proteção contra a inflação, tornando-os vulneráveis a períodos de picos inflacionários. Como notou a gestora Bridgewater em seu exposto Is Your Portfolio Prepared for Higher Inflation?: “O ambiente atual, com estímulo fiscal substancial e política monetária que deixou de lidar proativamente com as pressões inflacionárias para ser reativo a essas pressões, cria uma probabilidade de inflação maior do que tivemos nas últimas três, quatro, cinco décadas. Isso significa que a alta inflação é um componente que a maioria dos investidores nunca experimentou”.

De acordo com a gestora, os instrumentos utilizados para monitorar a inflação estão apresentando os sinais mais fortes em 40 anos – indicando uma probabilidade razoável da volta da inflação, mesmo que seja difícil quantificar sua intensidade. Nesse contexto, acompanhar as tendências da inflação e o regime que pode se desdobrar como resultado da crise da Covid-19 é extremamente importante do ponto de vista do investidor, pois algumas classes de ativos podem se mostrar mais resilientes e apresentar desempenho superior durante períodos de inflação mais alta, enquanto outras classes podem se tornar detratores relevantes de performance.

Antes da análise em si, é preciso entender que nem todo quadro inflacionário é semelhante a eventos passados, e as razões para a alta nos preços vai definir o impacto sobre cada uma das classes de ativos. Temos ainda que considerar que um período de inflação alta pode ser decomposto em algumas etapas, e cada uma delas vai impactar os ativos de forma específica. Veja, por exemplo, o efeito da inflação sobre o preço de uma ação. Em períodos nos quais o aumento da inflação está acompanhado de crescimento econômico relevante, as ações tendem a ter performance satisfatória, enquanto em cenários de inflação e estagnação da atividade econômica (“estaginflação”), as ações tendem a ter performance real negativa. O resultado de um investimento passivo em ações pode, inclusive, variar ao longo do ciclo inflacionário. Conforme explica a Bridgewater: “Acreditamos […] que uma política monetária estimulativa é boa para as ações. No entanto, à medida que a inflação ultrapassa a meta estabelecida pelo banco central e a acomodação não é mais necessária, as políticas extremamente acomodatícias se tornam negativas para as ações, e esse é um dos fatores ao qual estamos prestando muita atenção: quão próximos estamos desse ponto de inflexão.” Mesmo tendo em mente todas as especificidades dos ciclos inflacionários, é possível adquirir premissas razoáveis sobre qual é, de forma geral, o tipo de portfólio ideal para períodos de inflação alta, por meio de uma análise histórica.

Com o intuito de investigar a alocação ótima para períodos inflacionários, nos baseamos em três fontes de informação diferentes: (1) o já referenciado estudo da Bridgewater (“Is Your Portfolio Prepared for Higher Inflation?”) que analisa mais de 20 períodos inflacionários em seis economias diferentes; (2) estudo da gestora MAN Group (“How should investors reposition their portfolios in the face of heightened inflation risk?”) que usou dados desde 1926 para sua análise e; (3) paper da Amundi, uma das maiores gestoras do mundo em termos de AuM (“Inflation: something deep awakens”).

Quais Classes de Ativos não funcionam? – As principais conclusões dos três estudos sugerem que, apesar de obter boa performance em períodos normais de inflação (i.e. inflação ao redor da meta estabelecida e com pouca volatilidade), investimento em Ações não é a melhor escolha em períodos de inflação alta.

No estudo da MAN, no qual são avaliados 8 períodos de inflação, as Ações mostraram resultado real (subtrai-se a inflação do período) negativo de 7% ao ano, na média dos períodos. A lógica por trás do fraco desempenho real da classe é intuitiva: (i) As empresas podem ter problemas para repassar o aumento de custos e ver sua margem encolher; (ii) surpresas negativas de inflação normalmente são associadas à crescimento mais fraco no futuro (redução na expectativa futura de geração de fluxo de caixa); (iii) surpresas negativas na inflação aumentam a taxa de desconto, via aumento de prêmio de risco e taxa de juros livre de risco, o que reduz o valor presente das ações.

No caso de Bonds Nominais, a inflação também pode ter efeitos perversos. O preço de um título de renda fixa é inversamente proporcional ao seu yield, que, por sua vez, é composto por taxa de juros real + expectativa de inflação + prêmio de risco. Quanto mais cresce sua expectativa de inflação, maior é o yield – o que pesa negativamente sobre os preços. No estudo da MAN, a performance real anualizada de Títulos Soberanos nos oito períodos de inflação é de -5% ao ano. Como efeito direto da performance negativa de Ações e Títulos Públicos, o portfólio institucional tradicional de 60/40 tem performance real negativa de 6% ao ano.

Os índices de Crédito tendem a apresentar seu melhor desempenho durante os períodos de inflação normal (2-3%), já que tal regime geralmente vem com crescimento econômico e apetite pelo risco nos mercados. Por outro lado, sob um regime de inflação galopante (intervalo de 3-6%), a política monetária normalmente se torna mais restritiva, fazendo com que os spreads aumentem e a classe de Crédito tenha um desempenho inferior.

Com o aumento da inflação superior e mais veloz do que aumento no preço dos imóveis, Ativos Imobiliários apresentaram um retorno real anualizado negativo de -2% durante os regimes inflacionários.

Por último, com o advento dos cripto ativos, também foi realizado um estudo prospectivo de como essa classe de ativos deve se comportar ao longo de períodos de inflação. Embora alguns defendam a inclusão do Bitcoin em uma carteira diversificada como um ativo de proteção contra a inflação, há evidências crescentes de que a bitcoin é um ativo especulativo e tem um beta positivo em relação ao mercado acionário dos EUA – que, como citado acima, não possui boa performance em regimes inflacionários.

Quais Classes de Ativos funcionam? – A classe de Commodities, naturalmente, é a grande vencedora em períodos inflacionários. O raciocínio por trás disso é também intuitivo: aumento no preço das commodities são, normalmente, o principal fator por trás de períodos inflacionários. Ao longo da amostra total de 95 anos do estudo da MAN, o grupo Commodities, produziu um retorno real anualizado de 14% durante os regimes de inflação, em comparação com apenas 1% em tempos normais. É importante destacar, no entanto, que nem todas as commodities performam de maneira similar em períodos de inflação: enquanto as commodities energéticas apresentaram retorno real anualizado de 41%, commodities agrícolas apresentaram retorno real positivo de “somente” 7% ao ano.

Os itens colecionáveis e, em particular arte, vinho e selos, cumpriram sua reputação como reserva de valor em tempos de inflação. Segundo o mesmo estudo, os retornos reais são positivos para todos os três ativos, com arte em + 7%, vinho em + 5% e selos em + 9% ao ano.

Por último, uma outra abordagem que tende a funcionar em tempos de inflação, são estratégias ativas no mercado de ações (em oposição à uma estratégia passiva, descrita anteriormente). Pela menor capacidade de repassar preço, empresas menores apresentam desempenho inferior em regimes inflacionários. Por conta disso, o resultado de uma estratégia comprada em empresas grandes e vendida em empresas pequenas é de +4% ao ano (em termos reais) em períodos inflacionários.

De forma geral, estratégias de “tendência” também tendem a performar bem em períodos de inflação: uma carteira hipotética de trend following, combinando diversas classes de ativos, apresentou um retorno real de 25% ao ano durante os regimes inflacionários.

Internacionalização e Diversificação – O estudo da MAN também indica um ponto interessante: a internacionalização e diversificação dos investimentos pode sim ser uma ferramenta poderosa contra a inflação. Como descrito no próprio estudo da MAN: “Realizamos uma análise semelhante para o Reino Unido e o Japão como fizemos para os EUA e descobrimos que as ações tendem a ter o pior desempenho durante os períodos inflacionários de seus próprios países. As ações dos EUA, por exemplo, alcançam um retorno real anualizado de + 6% e + 9% nos períodos de inflação do Reino Unido e Japão, em comparação com -7% nos regimes dos EUA. Os resultados sugerem benefícios para investidores que possuem diversificação internacional”

Portanto, com os sinais emergentes indicando a volta iminente da inflação, os portfólios institucionais podem, nos próximos anos, enfrentar um cenário desafiador e inédito nos últimos 40 anos. Nesse sentido, é importante identificar não só as classes de ativos que se beneficiam do aumento da inflação, mas também entender a abordagem e estilo de investimento dos gestores escolhidos para a alocação do portfólio. Acima de tudo, a temática da inflação reforça outro mantra dos investimentos: é importante diversificar a carteira entre diferentes classes de ativo, mas também é imprescindível a internacionalização de parte do portfólio.

*Rodrigo de Alencar Aloi se juntou à Itajubá Investimentos em 2020 e atualmente integra o time de Produtos & Research, sendo o responsável pela interação direta com os gestores internacionais e pelo desenvolvimento e implementação da estratégia comercial para produtos líquidos internacionais ao lado do time de vendas. Antes da Itajubá, ele passou pela Claritas Investimentos, onde participou do time de gestão dos fundos da área Macro por dois anos.

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