Artigo: Tem China no portfólio? Qual China? – por Rodrigo Soggia*, Itajubá Investimentos

ITAJUBA - Rodrigo Soggia

Diferenciando China A-Share (mercado local) de China Hong Kong (mercado fora)

Nos últimos meses, talvez a maior parte dos investidores tenha percebido a chegada de muitos produtos de Ásia à oferta local de fundos de investimentos – oferta essa que abrange muitos tipos de estratégias: fundos de ações, fundos dedicados a ações de tecnologia na região, ETFs de todos os tipos, entre outros.

Essa expansão de oportunidades de investimentos certamente é um processo de amadurecimento e busca pela diversificação dos investidores brasileiros nos últimos anos, mas também o claro reconhecimento da importância que a região tem para o PIB global, sendo o principal motor de expansão e produtividade do mundo. Na Itajubá Investimentos, depois de dedicarmos bastante tempo a estudar e conhecer mais profundamente a região, acabamos tendo algumas ideias e opiniões sobre os investimentos no outro lado do mundo – mais precisamente sobre o mercado doméstico de ações chinês, também conhecido como China A-Share.

O mercado de China A-Share, ainda pouco divulgado e acessado, talvez tenha os melhores fundamentos macro (relacionado ao Beta do mercado) e fatores técnicos (relacionado ao Alpha do mercado) que um investidor de longo prazo poderia desejar. Quando falamos de China e seus fundamentos macroeconômicos, logo pensamos em um país com crescimento extraordinário do PIB, maior população global e relativamente jovem, constante evolução do PIB per capita, maior equilíbrio do modelo econômico orientado para exportação versus um com maior consumo interno, dentre vários outros que poderiam ser citados aqui. Contudo, talvez muito não estejam familiarizados com os fatores técnicos que dominam o mercado local de ações chinês e que, por si só, já seriam muito positivos para quem investe nesse mercado.

A história do mercado de ativos chinês começou em meados da década de 90. Além de completamente fechado para os investidores estrangeiros, ainda era um mercado nascente e muito restrito em ativos. No período de 2005 a 2010 uma revolução tomou conta do mercado com a criação dos A-Shares e, junto a eles, uma onda de novos ativos listados surgiram. A expansão do mercado seguiu durante o período de 2011 a 2016 com a abertura gradual do mercado local; o governo chinês criou programas que concediam registros para investidores estrangeiros operarem nesse mercado (RQFII, Stock Connect e WFOE) e permitiram uma mudança de cenário do mercado financeiro chinês local frente ao mercado de Ações Chinesas listadas em Hong Kong (Share-B e Share-H).

O mercado de ações China A-Share é o segundo maior do mundo em capitalização de mercado com USD 12 trilhões – atrás apenas do mercado americano, onde a capitalização de mercado é de aproximadamente USD 49 trilhões. Para base de comparação, o valor de mercado da BOVESPA não chega a USD 1 trilhão e o mercado de Ações Chinesas listadas em Hong Kong é próximo de USD 6 trilhões. Essa métrica por si só já é de extrema relevância, porém fica ainda mais interessante quando adicionamos a essa equação a quantidade de ações listadas. O mercado americano tem em torno de 3.800 ações listadas, enquanto o mercado de China A-Share possui 4.000 ações e o mercado de Hong Kong, de ações chinesas listadas fora da China, conta com apenas 490 ações.

Outro ponto que chama bastante atenção do universo de China A-Share é a liquidez. Apesar do volume alocado atualmente ser majoritariamente de investidores institucionais, a rotatividade do mercado é dominada pelos investidores de varejo; isso permite que os investidores institucionais de longo prazo se beneficiem dos erros comportamentais e de manada cometidos pelas pessoas físicas.

Como comparação de liquidez ao mercado americano, quando utilizamos a métrica – volume médio negociado diariamente por capitalização de mercado, o China A-Share tem uma razão de 1,25% vs. 0,7% do mercado americano: um prato cheio para a geração de alpha de gestores especializados.

Ainda no âmbito de inexperiência dos investidores de varejo do mercado local chinês, dados compilados na Securities and Futures Commission (SFC) , Hong Kong Baptist University, Shanghai Stock Exchange e China Securities Investor Service Center e tratados pela gestora americana sistemática Acadian Management demonstram como esses investidores são influenciados e tomam suas decisões de investir e desinvestir baseadas, principalmente, em recomendações de familiares e amigos, rumores/notícias informais e preço dos ativos sem que haja fundamento para compreender a precificação do ativo. Diferente do mercado brasileiro, onde a educação financeira está cada vez mais presente no cotidiano dos investidores, os investidores chineses que movimentam o mercado local têm muito pouco conhecimento técnico.

Finalmente, nos deparamos com a China de uma perspectiva global e observamos os investidores ainda sub alocados em China A-Share, que, diferente das ações listadas em China Hong Kong, possui uma representatividade muito melhor dos diversos setores do PIB Chinês. A representatividade desse mercado nos índices MSCI ainda está abaixo do alvo e o aumento de participação é esperado para os próximos anos como um fluxo de capital que tende a ser relevante.

A ascensão da China como potência mundial passa por uma transformação do seu mercado financeiro local, o aperfeiçoamento da governança e níveis de transparência praticados hoje no mundo ocidental. Assim como ocorreu com a abertura comercial da China na década de 70 – na época improvável pensarmos que o país seria o principal parceiro comercial do mundo ao lado dos Estados Unidos – hoje podemos dizer que vivemos algo semelhante ao mercado financeiro doméstico chinês: a abertura de um mercado com muitas oportunidades e que caminha a passos largos para nas próximas décadas se tornar também uma potência financeira.

*Sócio da Itajubá Investimentos

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