Artigo: Um olhar para o futuro – Reflexões sobre o cenário judicial das EFPC e seus patrocinadores – Por Flavio Martins Rodrigues e Fernanda Rosa*

Flavio Martins Rodrigues

Neste ano, celebramos o aniversário de duas décadas da LC 109/2001 e da LC 108/2001, importantes marcos legais para o sistema de previdência complementar e que possibilitaram um positivo aprimoramento jurisprudencial perante os Tribunais Superiores. Debates de grande relevância foram amadurecidos, balizados pelos princípios constitucionais do direito previdenciário e pela legislação especial, prestigiando o equilíbrio dos planos capitalizados e, por conseguinte, preservando a segurança de participantes, assistidos e beneficiários.

A expressiva evolução jurisprudencial observada no sistema de previdência complementar e sua contribuição para um ambiente de maior segurança jurídica para a sociedade é, sem dúvida, fruto de uma melhor compreensão do contrato previdenciário pelo Poder Judiciário, além de um cuidadoso trabalho dos especializados operadores do direito, gestores de fundos de pensão e, sobretudo, da Abrapp – Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar.

Não se pode olvidar que esta compreensão, capaz de gerar a diminuição do passivo judicial criado por pleitos de interesses individuais em detrimento do interesse coletivo do grupo de participantes, demanda de todos os atores envolvidos um esforço contínuo. Para além de uma visão em perspectiva dos avanços experimentados até o momento, é preciso antever debates que serão impostos às entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) e seus patrocinadores.

Dentre os constantes desafios enfrentados no âmbito judicial, três temas em especial têm nos instigado uma importante reflexão. O primeiro diz respeito à Justiça do Trabalho e sua (in)competência material para apreciar demandas que decorrem do contrato previdenciário. No passado, os tribunais fomentaram debate a respeito da competência material para julgamento de ações sobre o contrato previdenciário celebrado entre EFPC e participante durante longo período. A Justiça Comum e a Justiça do Trabalho se declaravam ambas competentes para apreciar a matéria. Em um cenário de insegurança jurídica, ações judiciais movidas contra EFPC eram preponderantemente ajuizadas na Justiça do Trabalho, sob o argumento de que o contrato de previdência complementar fechada decorria da relação de trabalho.

Este intenso debate resultou no julgamento dos recursos extraordinários representativos de controvérsia RE 586.453 e RE 583.050 pelo Supremo Tribunal Federal (STF – Tema 190 de repercussão geral) (1) , no qual foi definida a competência da Justiça Comum Civil para julgamento dessas demandas. Relevantes aspectos jurídicos sobre a previdência complementar foram estabelecidos durante os debates para resolução dos recursos, dentre os quais o caráter autônomo do direito previdenciário privado e a sua completa desvinculação do contrato de trabalho.

Contudo, o julgamento do Tema 190 pelo STF havido em 2013 parece não ter exaurido a discussão. Há um movimento de “retomada” de competência da Justiça do Trabalho para o julgamento de demandas com pedido de recolhimento de contribuições ao plano de benefícios, ajuizadas exclusivamente em face do ex-empregador e patrocinador do plano de benefícios.

Para além de compreendermos que o contrato previdenciário é um pacto de natureza totalmente distinta e sem qualquer vinculação com as relações trabalhistas, como seria possível a análise acerca da possibilidade de recolhimento de contribuições ao plano de benefícios sem que o julgador se debruce sobre o direito previdenciário privado, Regulamento e Estatuto da EFPC? O recolhimento de contribuições ao plano de benefícios, por si só, teria o condão de ensejar o recálculo do benefício complementar, sobretudo quando originado em demanda na qual a EFPC não integrou a discussão? Essas e outras difíceis questões ainda se põem em debate perante os operadores de direito e gestores de EFPC.

Outro tema premente diz respeito à impossibilidade de repercussão de verba deferida em reclamação trabalhista no cálculo do benefício de aposentadoria das EFPC, abordado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) nos Temas 955 (2) e 1.021 (3). As teses fixadas contemplaram a possibilidade de reparação por meio de ação própria em face do ex-empregador, que deverá repor os “eventuais prejuízos causados ao participante ou ao assistido que não puderam contribuir ao fundo na época apropriada ante o ato ilícito do empregador”.

Em nossa visão, não há um desamparo para a situação de ato ilícito eventualmente cometido em face do ex-empregado, participante de plano complementar de benefícios. Impõe-se, em verdade, a reflexão a respeito da indenização pelo “ilícito previdenciário”, pois as verbas trabalhistas observam o limite do prazo prescricional de cinco anos, mas, de outro lado, a indenização pelo “ilícito previdenciário” poderá ter a projeção futura, gerando valores expressivos a serem custeados pelo empregador-patrocinador, dentre outros relevantes aspectos para mensuração dos valores tratados.

Por fim, levantamos um debate que, em nossa visão, requer atenção de todo o sistema de previdência privada: a partilha de bens entre cônjuges (4) . Com a ampliação da cobertura previsional pela previdência complementar no Brasil – sobretudo com o incremento da previdência dos servidores públicos –, o tema tende a ser recorrente nos tribunais. Além disso, a eventual convergência de normas entre EFPC e entidades abertas de previdência complementar com o intuito de fomentar um ambiente de competição mais adequado poderá incrementar essa discussão. Cada situação concreta poderá ensejar diferentes soluções, mas nos parece certo que a divisão patrimonial desafiará grandes debates nos tribunais.

As duas décadas de legislação especial certamente fomentaram o debate acerca do direito previdenciário privado em âmbito nacional, trazendo um indiscutível avanço na produção jurisprudencial. Esses avanços devem ser bastante comemorados, mas devemos manter um acompanhamento atento à evolução dos debates, que se colocam no âmbito do sistema de previdência complementar, em prestígio à segurança jurídica e manutenção da solvabilidade dos planos de benefícios, cuja importância social é constitucionalmente reconhecida.

*Flavio Martins Rodrigues (foto no topo): Sócio Sênior de Bocater Advogados. Mestre em Direito Tributário. Pós-Graduado MBA em Fundos de Pensão – UFRJ. Membro da Comissão Especial de Previdência Complementar da OAB Federal.

Fernanda Rosa*Fernanda Rosa: Sócia de Bocater Advogados (foto ao lado). Pós-Graduada direito securitário pela Escola Nacional de Seguros. Pós-Graduada em direito privado patrimonial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio. Pós-Graduada em direito e processo do trabalho pela Universidade Cândido Mendes

 

 

 

 

Notas

  1. Acórdão publicado em 06.03.2013.
  2. Acórdão publicado em 16.08.2018, nos autos do REsp 1.312.736/RS .
  3. Acórdão publicado em 11.12.2020, nos autos do nº REsp 1.740.397/RS e REsp 1.778.938/SP.

4. O STJ tem debatido o tema nos autos do Recurso Especial nº 1.545.217/PR.

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