Desacumulação de planos CD exige análise atuarial aliada à cultura financeira e previdenciária

Cada vez mais as Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) vêm criando planos de Contribuição Definida (CD) como forma de solucionar os riscos atuariais que os planos de Benefício Definido (BD) proporcionam. Contudo, a modalidade CD também traz desafios ao sistema que afetam, em especial, o participante.

Nos planos CD, é o participante que assume a responsabilidade pela acumulação, definindo o valor de suas contribuições para atingir o benefício desejado no futuro. Já nos planos BD, as contribuições são estabelecidas previamente, sendo calculado o montante necessário para o pagamento dos benefícios previstos.

Por não ter um cálculo atuarial que prevê quanto que o participante deve acumular em benefícios para ter uma aposentadoria que contemple a fase pós-laboral, os planos CD acabam transferindo o risco ao próprio participante. Especialistas destacam a necessidade de maior planejamento na gestão desses planos, visando atender às expectativas do participante quanto à sua aposentadoria, com foco na formação de reserva e na característica previdenciária de longo prazo.

“O plano CD muitas vezes tem uma contribuição proposta de acordo com um determinado salário. Porém a expectativa de benefício na aposentadoria pode ser muito maior, baseada em uma perspectiva de crescimento profissional ao longo da vida”, explica Raphael Barcelos, Secretário Executivo do Colégio de Coordenadores de Planos Previdenciários da Abrapp e Gerente de Atuária da Braslight. “O que ocorre é que no plano de previdência, o cálculo do benefício acaba ficando abaixo do que ele espera receber”, completa. 

Para Daniel Pereira da Silva, atuário e especialista da UniAbrapp, nos planos CD, o risco atuarial saiu da patrocinadora e passou para os participantes. “Cabe a ele, agora, gerir as rentabilidades da sobrevivência, e para isso precisa ter um norte, uma referência de benefício, o que hoje falta nos planos CD”, diz.

Segundo dados do Relatório Gerencial de Previdência Complementar – RGPC, publicado pelo Departamento do Regime de Previdência Complementar, referente ao 4º trimestre de 2023, o segmento fechado de previdência complementar contabilizou 1.135 planos, sendo que 509 eram da modalidade CD. 

“Os riscos são os mesmos nos planos CD e BD, porém, há um pensamento equivocado de que no CD não há riscos. Mas o saldo de contas sofre a todo momento um ajuste em função da rentabilidade atingida, então, não tem resultado superavitário nem deficitário. Porém o risco foi transferido e reflete no montante do participante”, ressalta Barcelos.

Segundo ele, a responsabilidade dos gestores e profissionais à frente das EFPC está no monitoramento desse valor para verificar se ele vai atingir a expectativa do participante. “Um valor aquém da necessidade dele pode gerar um problema de empobrecimento da população”.

Esse empobrecimento vem aliado ao fato de que a previdência social tampouco dará conta de fornecer recursos suficientes ara garantir o bem-estar da população idosa, que por sua vez está vivendo cada vez mais.

Barcelos destaca que dados do IBGE registram um envelhecimento da população em contraste com a redução de jovens. Em 1940, o número de filhos por mulher era cerca de 6,16. Em 2000, esse número caiu para 2,38, e em 2010, para 1,90. Em 2020, o número registrado era de 1,76 filhos por mulher. “A reposição da população é abaixo de um número que traria uma estabilidade para a previdência”, disse.

Modelos de desacumulação – Ao estudar exemplos internacionais, Daniel Pereira fez um exercício semelhante ao feito nos Estados Unidos com uma massa de mais de 4.700 planos 401k, que são planos de aposentadoria patrocinados. 

Utilizando uma amostra de 18 planos CD de 10 mil aposentados no Brasil, Pereira identificou que, ao colocar uma variável atuarial, os benefícios deveriam ser reduzidos pela metade. “Isso significa que no longo prazo, vai faltar recurso, pois as pessoas estarão vivas e não terão mais o saldo de conta”, pontuou.

Ele destaca que, como são os participantes decidem a contribuição ao entrar no plano, seria necessário uma assessoria na entidade, a exemplo do que é feito Reino Unido. “Os planos CD não tem um cálculo atuarial para dizer qual a melhor contribuição de acordo com a meta aposentadoria e de quanto a pessoa pretende receber na vida pós-laboral”.

Raphael Barcelos diz também que as fundações devem olhar formas distintas utilizadas dentro da conversão do montante acumulado e o saldo de contas da patrocinadora. “É preciso se debruçar em novas modelagens que já existem de forma internacional, podendo utilizar o saldo de contas do participante para a parcela BD, e na parcela da patrocinadora, evitar a maior exposição de risco”. 

Ele destaca que a própria fundação deve estimular o participante a fazer uma projeção de quanto vai acumular ao longo do tempo dentro daquele nível contributivo. “Quais movimentos de custeios suplementares são necessários? O ideal seria a entidade fazer contato com o participante para que ele faça contribuições individuais ou reveja a projeção da idade da aposentadoria dele”.

Daniel Pereira reitera que o prolongamento da vida laboral é outra possibilidade de atingir o benefício desejado. “Às vezes há participantes se aposentando aos 55 anos que não atingem essa meta de benefício. Mas se aposentar aos 60, talvez consiga atingir grande parte dessa meta pelo efeito dos juros compostos”.

Outra alternativa é a agregação de ganhos marginais, conforme o atuário explica. “Se você contribui com R$300 fixos ao longo do tempo, ao aumentar o valor gradativamente, terá um efeito muito exponencial no longo prazo. Mas não há essa cultura previdenciária para acomodar essa contribuição. O participante precisa ser instruído para ter esse interesse de olhar quanto que irá receber no futuro”, pontuou. 

“Tudo isso exige das EFPC exercerem seu papel de políticas sociais, que é um grande papel institucional no Brasil: o de complementar a renda do INSS”, complementou Pereira.

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