Artigo: Diversificação de investimentos no exterior: após o consenso, quais desafios estão por vir? – Por Maurício Martinelli

Mauricio Martinelli, Mercer

Ao longo dos últimos anos temos discutido com nossos clientes e Entidades de modo geral, o quanto a diversificação, doméstica e internacional, é importante para seus portfólios. Como uma empresa com mais de 80 anos de existência e líder no mercado global de previdência e investimentos, nossa experiência mostrava que em algum momento o tripé “rentabilidade, segurança e liquidez” durante muito tempo presente no mercado doméstico não estaria mais disponível e a tendência ao investimento de baixo risco e com a ampla presença no mercado local (home bias) seria, enfim, descontinuada.

Durante muito tempo fomos desafiados a defender nossa tese de diversificação em um ambiente em que a taxa de juros nominal carregava importante componente de juro real e que os títulos emitidos pelo governo atrelados à variação da inflação pagavam substanciais prêmios. Entendíamos, à época, que realmente parecia pouco defensável buscar portfólios mais complexos dada a facilidade de remunerar o capital acima da inflação, mas sabíamos também que não era sustentável um país pagar sistematicamente taxas de juros reais tão elevadas e que isso, em algum momento, culminaria em cenários mais desafiadores para a busca de rendimentos (e que, portanto, as Entidades precisavam se preparar para enfrentá-los).

Nos últimos quatro anos, pelo menos, a frase “o ano que vem será mais difícil” tem habitado nossas reuniões com clientes e sistematicamente o cenário à frente tem de fato se mostrado mais desafiador. É claro que anos como 2019, em que praticamente todas as classes de ativos geraram ganhos relevantes para os investidores, ainda poderão existir, mas claramente serão menos frequentes e os ganhos menores. Também é evidente que anos como o próximo, no qual a taxa de juros real de curto prazo deverá ser negativa, de acordo com o cenário base de grande parte do mercado, não serão frequentes, mas nossa taxa de juros real no futuro não deverá ser muito maior do que 3% de acordo com o mesmo cenário.

Portanto, além de o futuro nos reservar um ambiente mais desafiador para a remuneração do capital, o rendimento absoluto esperado será menor, o que claramente afetará o benefício percebido pelo participante no futuro. No início do ano publicamos um estudo, no qual calculávamos o impacto da queda da taxa de juros real e da Reforma da Previdência nos benefícios projetados de um plano CD “típico”. Atualizamos esse estudo e como apresentamos abaixo, as novas regras da Reforma da Previdência somadas à hipótese da taxa de juros real cair de 5% para 2% gera uma queda de cerca de 35% no benefício projetado.

Fonte: Estudo Mercer – O desafio de investir: como investir considerando um cenário de juros baixos e as novas regras da previdência?

Talvez alguns discordem da magnitude da queda de juros da simulação, mas há consenso que a premissa adotada (queda da taxa de juro real) é o nosso futuro. E sendo esse o cenário esperado, as Entidades e participantes precisarão lançar mão de portfólios mais diversificados e com mais risco para alcançarem níveis de benefício similares àqueles do passado.

Realizamos no mês de outubro uma pesquisa com 53 Entidades que juntas concentram mais de um quarto de todo o patrimônio da indústria de EFPC (cerca de R$275 bilhões) a fim de entender quais desafios identificavam como sendo os principais para a gestão dos investimentos, o que já haviam feito ao longo dos últimos anos para responder ao ambiente de juros menores e o que ainda acreditavam ser necessário fazerem.

A primeira importante mensagem que conseguimos depreender é também uma confirmação do que temos tratado com os clientes e a indústria de Fundos de Pensão durante os últimos anos: a expectativa de baixo retorno no mercado doméstico, assim como seu maior risco, foram os grandes motivadores para as Entidade investirem no exterior e avaliarem aumentar tal exposição.

Fonte: Pesquisa Mercer – Tendências de Investimentos 2021

Embora um pouco mais de um terço das Entidades não invista atualmente no exterior, somente cerca de 10% não planejam evoluir em direção ao desenvolvimento de uma estratégia global de investimentos. Se juntarmos a isso o fato de que praticamente 60% da Entidades pretendem aumentar a alocação no exterior, é possível projetar que o total dos recursos investidos globalmente dessa amostra subirá de cerca de R$3,5 bilhões para mais de R$6 bilhões (nota: 5 das 52 Entidades contribuirão para o aumento de cerca de R$2,5 bilhões).

Fonte: Pesquisa Mercer – Tendências de Investimentos 2021

E se por um lado as Entidades passaram (e continuarão) a buscar os investimentos no exterior para se beneficiar do efeito de diversificação que essa classe de ativos traz (seja pela proteção, seja pela possibilidade de maiores ganhos potenciais com acesso a novas regiões, setores e empresas), os gestores de investimento precisarão desenvolver estratégias diferenciadas para atender essa demanda crescente e cada vez mais exigente. Nos gráficos a seguir pode-se observar que somente as estratégias passivas de renda variável, até pouco tempo produto padrão oferecido no mercado local, não serão suficientes para responder às necessidades e anseios das Entidades, desafio importante a ser enfrentado pelos gestores locais e grande oportunidade para os gestores globais. Nesse sentido, o tema ESG ocupa importante papel na agenda dos investidores, pois a princípio é substancialmente mais fácil encontrar produtos com esse tema no exterior.

Fonte: Pesquisa Mercer – Tendências de Investimentos 2021

Passar a investir em uma classe nova de ativos ou mesmo procurar estratégias alternativas dentro da classe já investida apresentam uma série de desafios para as Entidades, que vão desde possuir conhecimento e estrutura para implementar as estratégias, até obter apoio ou aceite da Patrocinadora ou membros da diretoria e/ou Conselhos. Das Entidades que responderam à pesquisa mencionada, quase a totalidade identificou como os principais desafios para investir no exterior a “Complexidade de alternativas e decisões envolvidas” no processo e os “Riscos inerentes às estratégias”, evidenciando o quão importante é ter um parceiro ao seu lado para ajudar-lhe a definir onde e como quer chegar a seu destino.

A jornada de diversificação através de investimentos no exterior já toma forma e se tornará cada vez mais madura, com uso de classes de ativos, regiões e temáticas diferenciadas. Nos próximos anos, serão vencedores aqueles que souberem identificar as melhores oportunidades e estiverem preparados para implementar, com profundidade e boas soluções, uma estratégia diversificada de investimentos no exterior.

*Líder de Investimentos da Mercer Brasil. Graduado em Administração de Empresas pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), com pós-graduação em Derivativos pela BM&F (1998) e MBA Executivo em Finanças pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec) de São Paulo.

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