Em entrevista exclusiva ao Blog Abrapp em Foco, o Diretor CDP América Latina Lauro Marins analisa o fenômeno da ascensão dos temas ESG (Ambientais, Sociais e de Governança) na análise dos investidores e no engajamento de empresas. O tema já vinha ganhando força nos últimos anos, ainda que lentamente, mas teve forte impulso em 2020 devido a uma série de eventos e fatos globais, que foram alavancados ainda mais com o advento da pandemia de COVID-19.
O executivo analisa os avanços e a atuação das entidades fechadas (EFPC) em relação aos temas ESG no Brasil. “É importante avaliar os procedimentos ESG porque as grandes fundações sentam nos Conselhos de Administração dessas empresas. Têm um poder muito grande de levar essa agenda como prioridade da organização”, diz em trecho da entrevista.
Ele explica que a atuação do CDP tem o objetivo de impulsionar forças de mercado, incluindo acionistas, clientes e governos, a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, preservar recursos hídricos e proteger florestas. Anteriormente denominado Carbon Disclosure Project, o CDP (ver site) é uma organização internacional sem fins lucrativos. Leia a entrevista a seguir na íntegra:
Ascensão do ESG
Finalmente ficamos felizes em constatar que o assunto saiu da última página do caderno de finanças para a capa do jornal. O tema ESG não é um tema novo, pois já vem sendo discutido há muito tempo pelos investidores. Mas o Brasil como um todo levou bastante tempo para avançar nessas questões. Tivemos alguns avanços regulatórios, principalmente, com as entidades fechadas que colocam que devem avaliar o risco para as questões ESG dos investimentos. Ainda é um tema incipiente na economia, mas por tudo o que passamos nos últimos meses na pandemia e outros sinais do mercado impulsionaram a ascensão das questões socioambientais.
Fórum Econômico Mundial
Um marco importante foi que o Fórum Econômico colocou as questões ambientais no cerne das decisões de investimentos. Tiveram acordos comerciais multilaterais mundiais como o assinado entre Mercosul e Comunidade Europeia que colocou a agenda ambiental como condicionante. Teve a carta do CEO da BlackRock, do Larry Fink, que colocou no início do ano que o ESG não é mais uma questão secundária. Ele colocou como o mainstream do investimento, que não terá alocação de não for ESG. Isso tudo criou uma nuvem, que virou um tsunami que está trazendo todas essas questões para a tona.
Impacto no Brasil
Tudo isso está fazendo com que o Brasil se mova muito rápido nessa agenda, que não considere mais como secundário. Essas questões estão se tornando o mainstream também aqui no país. A XP lançou um grande fundo para investir em outros fundos ESG. É um momento muito bom, porque também estamos vendo as empresas terem de se posicionar muito mais sobre as questões socioambientais.
Entidades fechadas
Então, é um momento também muito importante para os fundos também se reposicionarem, para avaliarem se efetivamente as assets que realizam a gestão de seus ativos, se elas têm políticas e práticas implementadas ESG. Para verificar qual é o tipo de política e se realmente a utiliza na prática. É hora de olhar para a carteira existente para reavaliar essas questões. É um bom momento para virar essa chave.
Regras de investimentos das EFPC
A Resolução CMN 4.661/2018 representa um avanço importante, mas considero que ainda seja incipiente, porque diz que a avaliação ESG deve ser realizada quando possível. Na verdade, hoje em dia com os bancos de dados e as informações disponíveis das organizações já é amplamente possível realizar a avaliação ESG no impacto de um investimento. E as fundações têm uma papel fundamental pelo volume de ativos e pelo dever fiduciário pela alocação de recursos nessas organizações.
Representação nos Conselhos
É importante avaliar os procedimentos ESG porque grandes fundos sentam nos Conselhos de Administração dessas empresas. Têm um poder muito grande de levar essa agenda como prioridade da organização. E tem várias maneiras que as fundações têm para fazer isso. Seja através do engajamento direto ou através da gestão do portfólio. A fundação pode pressionar para que a asset adote uma análise ESG robusta e transparente, para exigir uma gestão alinhada com esses princípios dentro dos fundos e dos investimentos. Ou através dos índices que compõem esses investimentos.
Agenda ESG internacional
De fato, a agenda lá fora está mais avançada até porque começou mais cedo. Aqui tem muita coisa para fazer. Mas tem muitas fundações no Brasil já colocando o tom de como querem que as coisas se encaminhem, incentivando o desenvolvimento da agenda ESG. Tem o exemplo de um signatário nosso, a Previ. O maior fundo da América Latina já adota essas práticas e leva a agenda para as empresas investidas. É o dever fiduciário da Previ. Mas sem dúvida, tem muito trabalho a ser feito.
Mercado de carbono
Já é realidade em alguns países. O Acordo de Kyoto foi a primeira tentativa de criar um mercado de carbono global. Temos várias iniciativas, há várias oportunidades. Acho que o PMR, que é uma iniciativa do Ministério da Economia, com participação do Banco Mundial, está ajudando o Brasil a entender quais são os caminhos do mercado de carbono. Há várias possibilidades, pode ser desde o estabelecimento de uma taxação até a criação de um mercado de trade, de compra e venda.
Oportunidades para o Brasil
O Brasil tem muita oportunidade dentro do mercado de carbono. Temos diversos ativos nesse mercado, como energia renovável, florestas, agricultura sustentável. Há muitas oportunidades. Tem uma regulação prévia, a Política Nacional de Mudança do Clima, que já estipula o que pode ter no mercado de carbono. O Brasil precisa definir se esse mercado é uma prioridade neste momento ou não. E isso é uma questão política. E isso é uma grande dificuldade. Estamos passando por uma reforma Tributária, O CDP está adotando uma postura em defesa de várias iniciativas que estão surgindo em favor de uma reforma Tributária verde.
Questão estratégica
É uma questão estratégica para o país porque nossos vizinhos, o Chile, Colômbia, México, Peru, Argentina, todos eles já têm um sistema de mercado de carbono. O Brasil se encontra em desvantagem competitiva nesta questão.
Trajetória
Nascemos no ano 2000 com um grupo de investidores, de fundações e assets, que queriam avaliar o que os donos dos ativos que eles detinham estava fazendo em relação à mudança do clima. Ou seja, nascemos dentro do mercado financeiro com atuação voltada para esse mercado. E ali começou o engajamento ativo desses investidores de perguntar através de um questionário o que as organizações estavam fazendo em relação a isso. Hoje temos 540 investidores signatários com ativos de US$ 87 trilhões que motivam as empresas a divulgar e gerenciar seus impactos ambientais.
Atuação do CDP
O CDP é uma organização internacional sem fins lucrativos que mede o impacto Ambiental de empresas e governos de todo o mundo, colocando essas informações no centro das decisões de negócios, investimentos e políticas. Alavancamos o poder do investidor e do comprador para realizarem reports ambientais. Em 2019, mais de 8,4 mil empresas com mais de 50% da capitalização de mercado global divulgaram dados ambientais por meio do CDP. Além das mais de 950 cidades, estados e regiões que também divulgaram suas ações de mitigação e adaptação climática, a plataforma do CDP é uma das fontes de informações mais ricas do mundo sobre como empresas e governos estão promovendo mudanças ambientais.
Temas principais
Atualmente o CDP atua sobre três temas principais: mudança do clima, segurança hídrica e desmatamento. E esses três temas são fundamentais para o Brasil. O CDP e nossos signatários estamos engajando as empresas em Bolsa para ver o que elas estão fazendo nessas questões. Atuamos para contar aos investidores o que as organizações estão fazendo com o objetivo de dar ferramentas para a ampliação do engajamento.
Ferramentas
Nossas ferramentas permitem desde a avaliação do portfólio das organizações e das fundações, para avaliar o alinhamento, por exemplo, com as metas do Acordo de Paris, com a aderência com iniciativas e compromissos, sempre com o objetivo de ampliar o engajamento.
Formas de associação
Tem duas formas de acessar os dados do CDP. Uma delas é ser signatária, para apoiar as iniciativas, o que dá acesso ao banco de dados e ferramentas. A outra é participar de outras categoria de associação que chamamos de investor club. Neste caso, tem acesso a uma série de outras ferramentas que permitem análises dentro do portfólio das fundações para realizar a gestão ambiental.