Entrevista: CAF apresenta nova versão de seu código e fortalece aproximação com EFPCs

Vanessa Brenneke, CAF

O Comitê de Aquisições e Fusões (CAF) apresentou ao mercado nos meses de novembro e dezembro do ano passado a nova versão de seu código. As mudanças no documento tiveram como principal objetivo a ampliação da possibilidade de consulta ao CAF, no campo das reorganizações societárias.

Para tanto, foi adotado um conceito mais amplo para essas operações, que passou a considerar “qualquer operação que provoque migração ou reorganização da base acionária e/ou alteração da composição do patrimônio da companhia”. Antes da atualização, o código abrangia, além das Ofertas Públicas de Aquisição (OPAs), somente quatro tipos de operações societárias: incorporação, incorporação de ações, fusão e cisão com incorporação da parcela cindida, respectivamente previstas na Lei 6404/76.

“O novo conceito é intencionalmente amplo, de modo a permitir ao CAF e aos participantes diálogo sobre a possibilidade de análise de cada operação. Esta abertura para o diálogo é retratada no procedimento específico de análise denominado no Código CAF de “Consulta em Sentido Amplo”, diz comunicado do Comitê – Clique aqui para ter acesso ao Código CAF atualizado.

Em reunião por videoconferência realizada no último dia 3 de dezembro, a Diretora Executiva da Associação dos Apoiadores do CAF, Vanessa Brenneke, apresentou as mudanças para o Superintendente Geral da Abrapp, Devanir Silva. Em entrevista exclusiva ao Blog Abrapp em Foco, a especialista explica a origem e a trajetória do Comitê desde antes de sua fundação até a modernização de seu código.

Convidada para participar do recém-criado CAF em 2013, a executiva tem mantido uma relação com a Abrapp ao longo dos últimos anos com o objetivo de incentivar a aproximação e o maior engajamento das entidades fechadas (EFPC) nas empresas investidas e divulgar as alternativas de atuação do Comitê. Leia a seguir a entrevista na íntegra:

Origem e fundação

Desde 2005, os presidentes da CVM vinham percebendo que a autarquia estava adstrita à lei e, por conta disso, notaram que a autorregulação poderia servir como um mecanismo para resolução de problemas societários. A ideia era contar com um órgão para solucionar problemas difíceis que geram má reputação junto a outros mercados. Havia problemas relacionados às lacunas legais de reorganizações societárias e OPAs. O mercado procurou uma solução pelo caminho da autorregulação. Foi então criada uma associação para possibilitar a fundação e manutenção do CAF em 2013.

 

Três elementos

O CAF funciona com três elementos: um código, um painel e com a liberdade das companhias de se submeter ao comitê. O código tem princípios e regras. É um documento que funciona com base em seus princípios, diferente portanto, da legislação, que opera com base em regra. Se a regra for contrária ao princípio, ela não será aplicada no caso do código.

 

Princípios fundamentais

O primeiro princípio é o tratamento igualitário dos acionistas de mesma espécie ou classe. Ou tratamento equitativo entre acionistas de classes ou espécies diferentes. O segundo princípio indica que a decisão final deve ser sempre dos acionistas de forma que a administração não pode adotar conduta que frustre a soberania dos acionistas. Os próximos princípios tratam do “full disclosure”. A informação tem de chegar e de forma consistente, precisa e atual, de maneira uniforme para os acionistas com o tempo adequado para que tenham tempo para a utilizá-los para a tomada de decisão. O sexto princípio pretende impedir distorções no valor mobiliário da companhia. Havendo uma OPA e reorganização societária, estes eventos devem acontecer de forma a não prejudicar a companhia devido ao prolongamento de forma reiterada no tempo. A intenção é dar certeza para o mercado. O Conselho de Administração deve se manifestar sobre a OPA e reorganização societária.

 

Takeover Panel

Todos estes princípios descritos até aqui são muito parecidos com aqueles do Takeover Panel Code [organismo com atuação correlata no Reino Unido). É quase uma transcrição dos “princípios gerais” do código do Takeover Panel. Não é uma transposição completa, mas é bem próxima. Mas além disso, o Brasil tem uma questão específica que são os laudos de avaliação. Então, o CAF tem dois princípios específicos para tratar do laudo e do avaliador. As informações do laudo devem ser consistentes e o avaliador, independente. Os últimos quatro princípios são relacionados ao funcionamento do próprio CAF, que deve ser rápido, eficiente, com custo compatível. Deve trabalhar com confidencialidade, com contraditório e ampla defesa. Os membros devem atuar com independência e decisão fundamentada. Tudo isso está no artigo 29 do código do CAF.

 

Regulamentação brasileira

O código CAF introduziu em 2013 algumas questões inéditas para a regulamentação brasileira. Uma delas é a OPA 30, por atingimento de participação relevante. Na Europa é 30% do capital votante cravado. Aqui no Brasil é um percentual escolhido pela empresa entre 20% e 30% no estatuto social. Se não escolher, será 30%. Isso é importante para a tendência de surgimento das Corporations, que são companhias sem controle definido no Brasil. Para elas, é muito importante que o direito de venda conjunta seja assegurado. O gatilho da lei para a venda conjunta ou tag along é a alienação de controle e não há consenso sobre os conceitos do que é alienação e do que é controle. Há opiniões muito distintas e isso produz muita incerteza no mercado. Como não há um entendimento pacífico do que é alienação de controle e nem venda conjunta, nosso código oferece um entendimento padrão para as companhias que se submetem ao CAF.

 

Reorganizações societárias

Um ponto importante é o procedimento de reorganizações societárias entre partes relacionadas. Este procedimento faz sentido ao contrapor com o parecer de orientação número 35. A ideia foi ampliar o escopo do CAF. Se no início do comitê havia apenas a reorganização societária, entendida por cisão, fusão, incorporação de ações e incorporação simples, os membros do CAF agora entenderam que toda e qualquer reorganização societária em sentido amplo, pode vir ao CAF, sendo ou não aderente e para todos de forma voluntária, isso é muito interessante. A novidade que foi divulgada a partir do mês de novembro é a ampliação do conceito de reorganização societária. Agora foi ampliado para qualquer tipo de reorganização societária em essência.

 

Critérios ESG

Em 2013, pouco ouvíamos falar em ESG (ambiental, social e governança). Eu pessoalmente não acredito em ESG. Eu acredito em GES, ou seja, acho que primeiro deve vir o “G” de governança corporativa e o resto vem na rabeira. De qualquer forma, a tendência representa uma revolução cultural e no pensamento das pessoas no sentido de fortalecer a percepção da força da governança, dos fatores ambientais e sociais dentro dos negócios.

 

Momento dos fundos de pensão

Hoje, o que vejo na indústria de fundos de pensão não é um setor fechado para resolver problemas de déficit. Não é uma indústria voltada para resolver problemas internos como tínhamos há alguns anos. Vejo que é um setor que enfrenta uma taxa de juros muito baixa e que, por isso, terá de aumentar a alocação na renda variável. E a qualidade da carteira de renda variável é proporcional à governança das companhias investidas. E o CAF vem ao encontro de oferecer proteção à base acionária das empresas investidas.

 

Ambiente mudou

Antes parecia que falávamos no deserto e agora estamos falando em uma floresta. O discurso e o tom de voz são os mesmos, mas os ecos são muito diversos. O ambiente cultural mudou. Existe mais espaço para esse investidor tratar de uma governança de longo prazo. No Brasil, as questões relativas à governança, muitas vezes, geram dificuldades. E o CAF é um aprofundamento do discurso e da implementação de governança corporativa nas investidas. Não é fácil, nem trivial. Será estruturante se bem usado.

 

Investidor de longo prazo

Sabemos da importância do investidor de longo prazo nos mercados globais, dos grandes fundos de pensão. E aqui também, é muito clara a importância dos grandes fundos no que diz respeito à governança corporativa. Por conta disso, fomos atrás da Abrapp e encontramos o Devanir [Silva] como interlocutor já em 2015. E ele percebeu a sinergia. O CAF não pede nada para os fundos de pensão. O que oferecemos é o código, um painel e a liberdade da companhia investida para oferecer uma proteção para a base acionária. Então, a aproximação com a Abrapp é para que suas associadas como investidores de longo prazo exerçam seu engajamento para influenciá-las no bom caminho. A ideia é oferecer mecanismos de governança para reorganizações societárias e OPAs.

 

Engajamento dos investidores

O engajamento dos investidores de longo prazo é crucial para o CAF porque a governança corporativa, na prática, só acontece quando o investidor pede. O CAF é um mecanismo de governança. Não tenho dúvida, depois de sete anos de atuação, conversando com atores e atrizes do mercado de capitais nacional e internacional, de que é o investidor que conduz o caminho de toda a cadeia de investimento. O investidor de longo prazo tem uma grande responsabilidade nessa condução. Ele será líder no desenvolvimento da governança corporativa no mercado dos países.

 

Visão sistêmica

Agora é o momento dos fundos de pensão avançarem com a governança corporativa das empresas investidas. Com os valores de governança, é possível cuidar de todos os stakeholders, de toda a base acionária, dos aspectos sociais, do meio ambiente, você cuida na realidade, dos seus beneficiários. É muito difícil tratar desses assuntos de forma separada. Hoje o mundo é sistêmico, está tudo integrado.

 

Importância da autorregulação

Uma das finalidades da autorregulação é oferecer para o Estado o que precisa ser feito. A autorregulação é um núcleo de regras e instrumentos para fiscalizar e punir em casos de descumprimento. Esse conjunto de regras é elaborado pelos próprios participantes de mercado. Por que eles fazem isso? Para proteger o próprio mercado, para não sacrificar o próprio mercado. E quais são as debilidades do mercado? O regulador conhece as debilidades. Mas estar fora do mercado te coloca em outra perspectiva. A autorregulação tem condições de identificar os problemas e as soluções.

 

Melhoria da regulação

Um exemplo é o código de autorregulação da Anbima que falava das ofertas públicas. E a instrução 480 simplesmente incorporou o que a Anbima havia definido. A autorregulação tem condições de levar muitos avanços para a regulação. E para isso, ela deve se reinventar, olhando para o mercado, descobrindo os padrões que devem ser aperfeiçoados. Tem vários outros exemplos de autorregulação do mercado de capitais que contribuem para a melhoria dos padrões. E quando a CVM define por bem tomar para si as novas regras, isso é ótimo.

Shares
Share This
Rolar para cima