Entrevista com Marcelo Wagner: É preciso debater novas opções entre os segmentos aberto e fechado para a desacumulação de planos 

Com a experiência de ter atuado em posições importantes tanto do segmento de entidades abertas quanto fechadas, Marcelo Otávio Wagner alerta para a necessidade de oferecer novas opções para a desacumulação de planos, sobretudo para os participantes de produtos de contribuição definida (CD) e contribuição variável (CV). Ex-Diretor de Investimentos e AETQ da maior entidade fechada de previdência da América Latina, a Previ, e ex-Diretor Financeiro da Brasilprev, o gestor transmite sua visão sobre as mudanças na longevidade e a falta de opções para os participantes após o início do período de aposentadoria em uma entrevista para o Blog Abrapp em Foco.

Agora a frente de sua consultoria, a MOW Capital Assessoria e Treinamento, Marcelo aponta que as opções de resgate, renda por prazo determinado e até a renda vitalícia foram desenhadas com a lógica da revolução industrial e do mercado de emprego formal. Marcelo Wagner comenta que a Susep e o Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) realizaram consultas públicas no ano passado para propor uma nova regulação para o assunto, mas que ainda não houve a edição de um novo arcabouço regulatório. 

“O mercado precisa estar atento e entrar nesse debate. É algo ainda bastante incipiente, mas é evidente que é necessário desenvolver novas soluções que atendam as mudanças na vida das pessoas e no mercado de trabalho”, comenta Marcelo Wagner. As novas soluções devem atender os novos riscos que as pessoas estão enfrentando devido ao aumento da longevidade e das mudanças na sociedade e na economia. 

 

Fenômeno da longevidade

O fenômeno da longevidade é algo bastante recente não apenas no Brasil como no mundo todo. Aquele conceito de vida linear que todos os sistemas previdenciários desenvolveram e adaptaram, em que você tem a fase de estudo, depois a fase de trabalho e por fim a fase da aposentadoria, é uma ideia que está indo por água abaixo. É uma classificação que está sendo superada por causa de várias questões sociais e, principalmente, por conta da longevidade.

 

Falta de novas opções

O aumento acelerado da longevidade é algo muito novo no mundo inteiro. Foi algo que ocorreu de maneira acelerada e a sociedade não está acostumada. No meu ponto de vista, os fundos de pensão e as seguradoras também não se prepararam para desenvolver soluções para esse período. Os produtos foram desenhados para uma lógica da revolução industrial. A vida começa a ser multilinear. Eu mesmo sou um exemplo, Trabalhei 30 anos no Banco do Brasil e encerrei um ciclo. E agora estou começando outro ciclo, começando a empreender. 

 

Opções atuais

Hoje em dia as pessoas possuem basicamente três opções: primeiro, elas podem resgatar todo o recurso acumulado e fazer autogestão. Isso é algo ineficiente, apenas especialistas conseguem fazer uma boa autogestão. A outra alternativa é uma renda financeira, uma renda por prazo certo em que você vai descapitalizando por um determinado período. Cada vez mais esses planos, principalmente CD, só terão essa opção de descapitalização financeira. A terceira opção é a aposentadoria vitalícia. Nos Estados Unidos o índice de conversão é muito baixo e aqui no Brasil também. 

 

Buscar novas soluções

O descompasso está ocorrendo porque os modelos dos planos foram desenhados em uma lógica linear. Tudo isso foi idealizado no começo do século 20. Então esses modelos seguiam a lógica do emprego formal. Hoje em dia, no século 21, esse emprego formal utilizado como pressuposto para o desenho dos planos coletivos vai acabar. Atualmente, tem um conceito que eu gosto chamado DICE (Distributed Income Compensation Enterprise). Isso nada mais é que o conceito da uberização, para atender os prestadores de serviços. Para atender as necessidades dessas pessoas, temos que repensar a ideia de como entregamos os benefícios. É preciso buscar novas soluções.

 

Possíveis alternativas

Hoje em dia, quando as pessoas chegam na hora de se aposentar, elas deveriam poder ter a discricionariedade de resgatar só uma parte da reserva e, por exemplo, usar uma renda de prazo certo durante um período porque vai fazer outra graduação ou período sabático. Isso já existe por exemplo nos Estados Unidos, com o nome de anuidade diferida. Então, você já pode acertar se vai ter uma aposentadoria vitalícia daqui x anos ou não vitalícia. Você pode dividir em potes e ir usufruindo, descapitalizando essa reserva na medida do processo de “envelhescência”.

 

Fases da terceira idade

Com esse fenômeno da longevidade, é possível dividir cada fase da vida em três clusters. No caso da terceira idade, há uma fase ativa, em que a pessoa continua gerando renda e produzindo, mas ela não tem mais aquelas obrigações familiares que possuía até um determinado momento, por exemplo, familiares. Temos uma segunda fase que é  passiva, a pessoa não tem mais atividade econômica recorrente, viaja menos e aumentam as despesas médicas. A pessoa tem mais consumo médico. Para as pessoas que são realmente longevas, chega-se à terceira fase, que é a fase frágil. 

 

Etapa frágil

Faz mais sentido uma pessoa que já chegou na fase frágil pegar o restante das suas economias e converter em uma renda vitalícia. Isso porque ela realmente precisa dessa segurança ao longo desse caminho. Para uma pessoa que está em uma fase ativa, é muito difícil tomar essa decisão. Hoje, o que ela tem de alternativa é uma descapitalização financeira. Uma renda por prazo certo, por exemplo, ela vai receber X valor até os 80 anos. Mas surge uma questão, e se ela viver mais do que 80 anos? Não vai ter alternativa.

 

Todo o risco para o participante

No plano CD o participante é que toma todo o risco. Ele é que fica com todo o gerenciamento do processo. As pessoas precisam ser auxiliadas na maneira como gerenciam esse processo. É muito mais do que um produto financeiro. Se a gente coloca um óculos diferente, olhando sob outro ponto de vista, olhando as novas fases da vida, as necessidades e os riscos específicos de cada uma delas e recompõe a ideia do produto de desacumulação, há uma enorme avenida de inovação, de consultoria e efetivamente de apoio nesse processo de envelhecimento e longevidade. Pouco se tem falado disso.

 

Consultas públicas no CNSP e Susep

Tem uma iniciativa da Susep voltada para as entidades abertas, que as EFPC precisam ficar atentas. Foram realizadas no ano passado duas consultas públicas, de número 26 e 27, para criar novas regras para o setor. O mercado está aguardando o que a Susep vai fazer. Tem uma proposta de resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados e uma circular da Susep para mudar o arcabouço legal. É uma iniciativa interessante que venho acompanhando. Em 2023 ainda não houve nenhuma deliberação, mas vai na direção que estamos falando. E acho importante trazer a discussão para as entidades fechadas. 

 

Anuidades para planos CD e CV

As entidades fechadas tem um público muito grande e já pagam grande montante em benefícios. São mais de R$ 80 bilhões por ano em benefícios. E já está no DNA das entidades fechadas a questão da desacumulação das reservas dos participantes. Mas a maioria dos benefícios é paga para os planos de benefício definido, que foram desenhados no século passado. E para os planos CD e CV, para as pessoas que estão em fase de acumulação e que não terão renda vitalícia ou anuidade garantida? Como apoiamos essas pessoas? Essa é a questão que devemos debater e aprofundar. 

 

Novos produtos das seguradoras

É preciso instituir um novo arcabouço legal para permitir o surgimento de novos produtos, principalmente para as seguradoras, que são regidas pelo direito consumerista. Então, é necessário editar uma regulação para criar um arcabouço legal e jurídico para as seguradoras terem condições de desenvolver os contratos. Por outro lado, as fechadas que são regidas pelo direito previdenciário, teremos de trazer esse arcabouço para definir o que pode ser desenvolvido em termos de novos planos. Precisamos criar novas opções principalmente para os participantes de planos CD e CV. Isso tudo faz menos sentido para quem está em planos BD, mas para os planos CD e CV tem muito espaço para novos produtos. Precisamos debater e trazer luz sobre esse assunto.  

 

Sinergia entre abertas e fechadas

Acredito que possa haver sinergias. Por exemplo, um fundo de pensão não pode oferecer um seguro de longevidade, mas uma seguradora sim. Então, você monta uma estrutura que tenha como componente um seguro de longevidade para uma pessoa que está desacumulando em um fundo de pensão.

É aquela questão de se a pessoa tem uma renda por prazo certo até os 80 anos e viver mais que isso. O fundo não pode fazer um seguro, mas ele pode oferecer no pacote alguma coisa que proteja aquela pessoa e auxilie nessa difícil tomada de decisão. Se a pessoa passar daquela idade, vai ter um seguro. Uma seguradora vai pagar uma determinada quantia que vai dar renda, por exemplo, por mais 10 anos. Coisas assim são possíveis e estão um pouco em linha com ter uma sinergia maior entre os segmentos.

 

Reposicionamento

As entidades fechadas terão de adotar cada vez mais uma postura de inovação, não apenas de realizar a gestão de planos. Não ficar apenas como um provedor de produtos, com tamanho único. Precisamos de um reposicionamento “clientecêntrico” para entender as necessidades dos vários públicos. De uma maneira geral, temos de buscar atender as diferentes necessidades. O participante hoje toma todo o risco da acumulação e todo o risco da desacumulação também. 

 

Apoio consultivo

A lógica é de prestar um apoio consultivo do que propriamente a entrega do produto. E já há várias iniciativas das entidades fechadas, tem várias que eu conheço, que realizam o trabalho muito bom de educação financeira e previdenciária. Mas esse trabalho às vezes está centrado muito mais na fase de acumulação. Precisamos falar mais sobre a longevidade, mais “education” sobre os fenômenos e externalidades da longevidade e como nós, como provedores de previdência, podemos apoiar tudo isso.  

 

Planejamento de desacumulação

No planejamento de desacumulação, nós provedores precisaríamos olhar para esse tipo de nova necessidade. Existe uma tendência que no Brasil ainda é muito incipiente, mas que na Europa ocorre mais, que é de uma junção dos mercados de seguradoras e pensão, o mercado hospitalar e o mercado de hotelaria. Esse subgrupo é formado pelas residências de idosos, ELPI – entidade de longa permanência de idosos.

 

Papel do provedor de previdência

Um provedor de previdência deveria se preparar para atuar e assessorar esse processo, na medida das necessidades dele. Não deveria mais existir aquela coisa da pessoa com 50 anos já ir para a vitalícia. A vitalícia é imprescindível para a pessoa que já chegou na fase passiva e frágil, o que é a subsistência dessas fases que têm custo médico elevado e grande dependência de familiares.

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