Entrevista: É crucial a mobilização do sistema para corrigir o PLP nº 68/2024, aponta Adacir Reis

Em entrevista exclusiva ao Blog Abrapp em Foco, o Advogado e ex-Secretário de Previdência Complementar (antiga SPC), Adacir Reis, esclarece que o PLP nº 68/2024, que regulamenta a Reforma Tributária, se aprovado com a redação atual, representará um grande retrocesso para o sistema de Previdência Complementar Fechada. “Hoje, pela redação do PLP 68, há o risco de sujeitar as EFPC à incidência da CBS e do IBS. Seria um retrocesso sem tamanho”, diz o especialista e autor do livro Curso Básico de Previdência Complementar. 

Como então titular da SPC, no primeiro mandato do governo Lula, Adacir Reis participou das articulações que resultaram na Lei 11.053/2004, a qual isentou de imposto de renda os ganhos e rendimentos das aplicações das EFPCs. Ele acredita, como aconteceu em 2004, que o sistema precisa se mobilizar novamente para promover a correção do projeto de lei em questão e evitar a aprovação de uma legislação que irá prejudicar o fomento do sistema como um todo. Confira a seguir a entrevista na íntegra: 

Blog Abrapp em Foco: Como o PLP nº 68/2024 classifica as entidades de previdência complementar para fins de tributação? Por que essa classificação é inadequada? 

Adacir Reis: A entidade fechada de previdência complementar é executora de planos de benefícios previdenciários. Os recursos garantidores dos benefícios são recursos previdenciários. A razão existencial de uma EFPC é pagar benefícios de natureza previdenciária. Essa é sua atividade fim, por lei e pelo estatuto de sua constituição. Por definição expressa da legislação, através de uma lei complementar aprovada pelo Congresso Nacional com quorum qualificado, tais entidades previdenciárias não têm finalidade lucrativa. As EFPCs não prestam serviços financeiros. Nem há que se falar em “serviços”. Apenas administram e executam planos de benefícios. Para isso, fazem a gestão das reservas técnicas e o pagamento de benefícios de aposentadoria. Portanto, não se pode confundir uma EFPC com instituições financeiras. O artigo 18 da Lei Complementar 109/2001 é muito claro ao afirmar que o “plano de custeio” trata da constituição das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e da “cobertura das demais despesas”.

O PLP nº 68/2024, de autoria do Executivo, comete o equívoco de inserir, de forma expressa, as entidades fechadas de previdência complementar no rol de instituições financeiras. Há um problema aqui, induzido pela Emenda Constitucional 132, de 2023, a chamada “Reforma Tributária”, que inseriu a previdência privada, num sentido genérico, entre as atividades financeiras. Porém, cabe ao PLP 68, ao regulamentar essa EC 132, fazer o esclarecimento técnico e evidenciar que a previdência privada a que se refere o texto constitucional é apenas a previdência privada operada por instituição financeira com objetivo de lucro.

Blog: Na sua opinião, como o Projeto de Lei deve promover essa correção?

Adacir Reis: De uma forma geral, a EC 132 e o PLP 68, ao promoverem a fusão do PIS e da COFINS na chamada CBS, Contribuição sobre Bens e Serviços, vão facilitar a vida da maioria das empresas. O mesmo ocorre com a fusão de IPI, ICMS e ISS, no chamado IBS, Imposto sobre Bens e Serviços. No geral, há uma simplificação benéfica para a atividade produtiva. No entanto, é preciso sair da regra geral e identificar tecnicamente as exceções, sob pena de desvirtuamento de propósito.

Necessário também o Congresso fazer uma opção política em defesa da poupança previdenciária de longo prazo, representada pelas EFPCs. Hoje, pela redação do PLP 68, há o risco de sujeitar as EFPCs à incidência da CBS e do IBS. Seria um retrocesso sem tamanho. E mesmo que venha a incidir apenas a CBS, ou seja, a Contribuição de Bens e Serviços sobre os valores que ingressam no PGA para suportar as despesas administrativas, a tendência seria haver um aumento de alíquota de contribuição em relação ao patamar já existente. 

Blog: Poderia comentar como o caso tem sido analisado pelo Judiciário?

Adacir Reis: Atualmente estamos defendendo no Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade da cobrança de 4,65% a título de Pis e Cofins sobre o PGA. Depois de idas e vindas, depois de se atrelar indevidamente nossa tese jurídica ao leading case dos bancos, conseguimos, depois de muitos anos, vencer uma primeira e grande batalha, que foi a de ter um caso específico de uma EFPC, sob a relatoria do Ministro Dias Toffoli, para julgamento. Na essência, a tese é a mesma: pela natureza jurídica e conceitual das EFPCs, não tem cabimento falar em faturamento, em receita bruta ou em serviços financeiros.

 Blog: Qual a expectativa de reverter o direcionamento do Projeto de Lei neste aspecto? 

Adacir Reis: A Abrapp vem realizando um importante trabalho de esclarecimento. É preciso partir do pressuposto de que a distinção entre EFPC e as demais instituições financeiras deve se dar no Projeto de Lei Complementar 68, que vai regulamentar o tema. Ali é o fórum. Seria muito ruim para o setor se essa tese equivocada do PLP 68 fosse mantida pelo Congresso Nacional. Na minha opinião, precisamos fazer o enfrentamento do tema junto ao Congresso Nacional e, é preciso enfatizá-lo junto ao Poder Executivo. De forma simultânea, um e outro. A bola está com o Legislativo, mas o Governo Federal continua interagindo. 

Foram criados os Grupos de Trabalho na Câmara para discussão do Projeto. E o prazo de tramitação será muito curto. Até julho. Por isso, ouso dizer, é crucial a mobilização dos dirigentes das EFPCs, das associações dos participantes e dos aposentados, talvez na própria base territorial e eleitoral de cada parlamentar. Toda discussão tributária envolve conflito distributivo, que se agrava em época de escassez orçamentária. Não há um iluminado dentro do Governo, ou do Parlamento, que tenha força para dizer: “Ah, vamos proteger as entidades de previdência complementar sem fins lucrativos”! Isso não existe nem nunca existiu. 

Blog: Poderia dar algum exemplo anterior que se mudou uma legislação a partir da mobilização do sistema?

Adacir Reis: Por exemplo, a Lei 11.053, de 2004, que criou a isenção de IR para as EFPCs sobre os ganhos e rendimentos das aplicações, essa vitória histórica do setor, só se tornou realidade em razão de um intenso e árduo trabalho de mobilização política. No caso do PLP 68, é preciso que cada interessado, que cada ator potencialmente atingido, busque esclarecer aqueles que têm algum poder decisório. O jogo já começou, mas ainda não acabou.

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