Entrevista: EC 103 evidencia insuficiência da previdência pública e vantagens da previdência complementar

Em novembro deste ano encerra o prazo estipulado pela Emenda Constitucional (EC) nº 103/2019 para que os 2.155 entes federativos do país que operam com o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) instituam a previdência complementar. Diante da proximidade do fim deste prazo, aumentam os debates sobre os impactos da Reforma da Previdência para os servidores públicos, os benefícios trazidos pela previdência complementar e a necessidade de se fazer um planejamento financeiro de forma a garantir uma renda qualificada no futuro pós-laboral.

Em entrevista ao Blog Abrapp em Foco, o Juiz Federal e Professor de Direito Previdenciário Fábio Souza destaca que a Reforma da Previdência promovida pela EC 103 provoca um efeito positivo no mercado de previdência complementar. Contudo, na ótica do servidor público ainda existe uma resistência à ideia de instituição deste regime. Ele defende, todavia, que com uma análise focada nas condições atuais da aposentadoria, é possível perceber as vantagens dessas mudanças. “A Emenda Constitucional 103 torna ainda mais evidente a insuficiência da previdência pública como instrumento de manutenção de qualidade de vida na aposentadoria”, diz.

Leia os principais trechos da entrevista:

Previdência complementar

Fábio Souza destaca que a Reforma da Previdência promovida pela EC 103 provoca um efeito positivo no mercado de previdência complementar, especialmente por duas razões. “Em primeiro lugar, de modo mais geral, seu conteúdo torna ainda mais evidente a insuficiência da previdência pública como instrumento de manutenção de qualidade de vida na aposentadoria. A outra razão é mais específica: a obrigatoriedade de criação de previdência complementar para servidores de estados e municípios no prazo de 2 anos”, diz.

Segundo ele, o período é razoável para implementação do regime de previdência complementar, especialmente para os estados e municípios que iniciaram a preparação logo após a promulgação da EC 103. “Com o treinamento adequado, é possível avançar rapidamente nos procedimentos necessários a essa adaptação”, destaca.

Benefícios ao servidor público

Do ponto de vista individual, Fábio Souza explica que as regras antigas de aposentadorias dos servidores garantiam um cálculo baseado na última remuneração da ativa na integralidade e reajuste atrelado aos servidores ativos. Contudo, o que antes era uma vantagem se mostra, em suas palavras, “uma péssima regra de cálculo” devido à austeridade das políticas remuneratórias e de uma perspectiva pessimista em relação a reajustes salariais dos servidores. “Ademais, houve um substancial aumento das alíquotas da contribuição, as quais, sem a previdência complementar, incidem sobre o total da remuneração do servidor. Com a previdência complementar, a base de cálculo fica limitada ao teto do Regime Geral de Previdência Social”, diz.

Além disso, a viabilidade dos regimes próprios depende de ajustes, segundo Souza. “A ausência dessa mudança estrutural exigiria a fixação de critérios ainda mais rígidos para a concessão e o cálculo dos benefícios dos servidores”, ressalta.

Apesar das vantagens, na ótica do servidor público há ainda resistência à ideia de instituição da previdência complementar. “As sucessivas reformas da previdência modificaram profundamente a proteção previdenciária dos servidores públicos, com constantes reduções de direitos. Apesar de importantes para o equilíbrio e a sustentabilidade do sistema, essas mudanças, do ponto de vista pessoal, provocam forte impacto na expectativa de proteção previdenciária”, destaca Souza. Ele avalia, contudo, que com uma análise focada nas condições atuais da aposentadoria, é possível perceber as vantagens dessas mudanças.

Servidor de baixa renda

Em uma primeira visão, a previdência complementar seria vocacionada aos servidores com renda superior ao teto do Regime Geral de Previdência Social. Entretanto, Fábio Souza aponta que “com um olhar mais atento, é possível vislumbrá-la como uma estratégia eficiente para aumentar a proteção social dos servidores de baixa renda, especialmente se a legislação local e os regulamentos autorizarem o patrocínio também para as faixas de remuneração mais baixas”, diz.

Ele ressalta que o planejamento previdenciário se mostra uma estratégia fundamental para todas as pessoas que pretendem ter uma proteção previdenciária eficiente. “A inclusão da previdência complementar na programação da aposentadoria dos servidores com renda abaixo do teto permite a ampliação e a diversificação das estratégias de manutenção do padrão de vida após a aposentadoria”, reforça.

Harmonização de regras

A Emenda Constitucional nº 103 permite que entidades abertas de previdência também possam fazer a administração dos planos para entes federativos, abrindo uma discussão sobre a necessidade de harmonização das regras do sistema fechado e do aberto. Para Fábio Souza, a harmonização das regras “é fundamental para o equilíbrio da concorrência na administração dos planos dos servidores, bem como para garantir maior participação dos participantes na gestão e na fiscalização das entidades e seus planos”, destaca.

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